Mercadores da Noite #308: O mercado financeiro em meus livros

24 de dezembro de 2022
Dos 19 livros que publiquei até hoje, com 26 capas diferentes, oito deles, tanto de ficção como de não-ficção, são ambientados no mercado financeiro.

Olá, leitor(a),

Dos 19 livros que publiquei até hoje, com 26 capas diferentes, oito deles, tanto de ficção como de não-ficção, são ambientados no mercado financeiro.

Nesta crônica Os mercadores da noite de Natal, resolvi publicar trechos de alguns, todos tratando de trades, traders e assuntos correlatos.

Comecemos por Os mercadores da noite, o primeiro que escrevi mas o segundo a ser lançado.

Julius Clarence, personagem principal do livro, que acabara de se separar de sua segunda mulher, Francine Kéraudy, passou o Natal de 1972 no interior da Inglaterra, na casa de campo de seu advogado Basil Kennicot.

O outro convidado era Abdul al-Kabar, sócio árabe de Clarence.

Eis um trecho representativo desse encontro de trabalho (final da página 193 e início da 194 – edição da Inversa).

Os três homens passaram o fim de semana de Natal reunidos. Clarence procurou absorver ao máximo as palavras de Abdul. Seria preciso, a partir de agora, colocar-se na posição do amigo árabe para decifrar os rumos do mercado de petróleo, onde esperava dar sua próxima tacada.

Na segunda-feira, dia de Natal, à tarde, antes de voltar a Nova York, Julius conversou longamente com Al-Kabar. Recebeu um último conselho:

− A partir de agora, quando pensar em petróleo, imagine o impossível. Um barril está custando 3 dólares. Não se surpreenda se, no próximo inverno, esse número tiver subido 400% ou 500%.”

Rapina, meu primeiro livro a ser lançado (abril de 1996), e que permaneceu durante cinco meses na lista dos mais vendidos da revista Veja, tem um pequeno trecho, logo no início da história (pg. 21 da edição da Inversa), do qual gosto muito:

Nesse exato momento a Bolsa abriu. Então o Papagaio começou a trabalhar.

O trabalho de Vladimir Ufarte, o Papagaio, consistia em transmitir as cotações da Bolsa de Valores para os clientes do Banco Bullish e passar as ordens desses clientes para o operador no pregão. Todos os bancos e corretoras tinham seus papagaios.

Tal como se esperava, o mercado abriu fraco. A Minerbrás abriu com vendedor a R$ 9,80, preço que fechara na sexta-feira. Pagão só a R$ 9,75. A Cavalo abriu moribunda, vendedor a 13 centavos.

Um cliente entrou na linha. O Papagaio passou a repetir para ele.

− Minerbrás, vendedor a oitenta. Pagão a sete cinco. Cavalo, vendedor a treze. Todo mundo vende na roda. Não tem comprador.”

Armadilha para Mkamba, meu terceiro livro, e de todos o mais elogiado pela crítica, tem quatro personagens principais:

    −− Otobe Ada, presidente da República de Mkamba.
    −− Luo Amai, ministro das Finanças do país e sucessor de Ada.
    −− Peter Page, megaespeculador londrino.
    −− Laura Gibson, operadora de mercado.

Para esta crônica, escolhi um pequeno parágrafo da página 24 do livro, parágrafo esse que fala de Peter Page.

Sempre que chegava à sala de operações, Page, em poucos segundos, sabia se os mercados estavam calmos ou voláteis e se os seus fundos ganhavam ou perdiam. Sentia-o no volume das vozes aos telefones, no ritmo da respiração dos traders, sentia-o no ar.

Passaram-se 11 anos e seis livros até que eu voltasse a escrever sobre o mercado financeiro, dessa vez por encomenda da BM&F, a respeito do IPO da instituição e que levou o título de Projeto Maratona.

Foi publicado pela Editora de Cultura em 2009. Eis uma passagem:

Inglaterra, século XI. Os artesãos e trabalhadores autônomos de Londres se uniam em confrarias, em corporações conhecidas como Os Cem. Eram 100 carpinteiros, 100 ferreiros, 100 padeiros, 100 pedreiros, 100 armeiros, 100 cirurgiões-barbeiros e assim por diante. Enfim, sempre cem. E cada um dos Cem se dividia em 10 Dez, distribuídos pelo centro e pelos arredores da cidade.

Quando um dos profissionais morria, ou ficava incapacitado, seus colegas no Dez escolhiam um aprendiz para substituí-lo, geralmente um dos filhos do falecido. Antes de o novato assumir, seu nome era submetido ao chefe do Cem daquele setor de atividade, a quem cabia legitimar, ou não, a escolha.”

Mais cinco anos, e outros dois livros, publiquei “1929: quebra da Bolsa de Nova York”, primeiro pela editora Objetiva, mais tarde pela Inversa. 

O capítulo 52, Papéis podres, que aparece na página 242 da edição da Inversa, começa com o seguinte parágrafo:

Em questão de segundos após a batida do gongo, os dezessete postos do pregão da Bolsa de Nova York tornaram-se palco de uma fúria epilética jamais vista no local. Enquanto mil operadores se esgoelavam, cada um querendo vender antes do outro, seus auxiliares (runners) corriam selvagemente dos postos de negociação para as cabines telefônicas, e das cabines para os postos, trazendo consigo muitas ordens e poucas execuções. Quase não havia touros e mesmo estes poucos só queriam comprar no fundo do poço. O ruído era ensurdecedor. As tábuas corridas do piso do recinto começavam a se cobrir de boletos rasgados.

Em seguida a “1929”, escrevi O Terceiro Templo (Editora Objetiva, 2015), no qual, além de contar a história dos conflitos árabe-israelenses, narro a epopeia do mercado de petróleo ao longo dos tempos.

Eis o que aparece ao final da página 140 e no início da 141:

“…no mercado livre (spot) de Roterdam, o preço do barril, movido pelo pânico, subiu além dos 5,12 dólares fixados pela Opep. Essa reação animou os ministros árabes do petróleo, que continuavam reunidos no Kuwait.

Após cada um deles consultar seu chefe de Estado, resolveram acatar uma proposta de Yamani, que também já falara a respeito com seu rei: reduzir a produção de cada país-membro em 10% e cortar 5% em cada mês subsequente, até que as tropas de Israel recuassem para as fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias, em 1967, como determinava a resolução 242 das Nações Unidas.”

Após dois livros-reportagem sobre outros assuntos, escrevi dois livros editados, publicados e vendidos pela Inversa: “30 lições de mercado” e “Coração de Trader”.

No primeiro, uma coletânea de histórias, algumas verídicas, outras frutos de minha imaginação, falo sobre a farra dos operadores de pregão da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro durante o bull market 1968/1971:

Não era incomum que às sextas-feiras, após o fechamento do pregão, os operadores de bolsa se entregassem a extravagâncias tais como viajar, na primeira classe de um Boeing 707 da Varig, com a mulher ou com a namorada, para Roma, no sábado ir com ela ao Vaticano, entrar na Capela Sistina, olhar rapidamente para os afrescos de Michelangelo no teto e exclamar: ‘Visto!’”

Para finalizar, transcrevo os seis primeiros parágrafos do capítulo 7 de minha ficção Coração de trader:

Em poucos meses, Eduardo Dorian criou um estilo próprio no pregão da Bolsa.

Como era um dos operadores mais jovens, tentava disfarçar a idade, sem muito sucesso, nunca escanhoando totalmente o rosto, deixando uns brotos de barba rala.

Nas rodas junto aos postos onde se negociavam os diversos grupos de ações, tamanho era documento. Voz forte, mais ainda. Dorian tinha 1,89 metro de altura e vozeirão. Como se esses dois dotes não bastassem, vestia os ternos mais extravagantes do pregão.

Um deles era amarelo-canarinho-chapinha. Outro, vermelho-sangue. Não raro, vestia camisa social de seda com estampa havaiana e gravata do mesmo tecido. Quando “combinadas” com o vermelho ou o amarelo do terno, Dorian podia ser imediatamente identificado de qualquer ponto do recinto de negociações, mesmo que estivesse em meio a duas dúzias de operadores.

Era muito fácil ganhar dinheiro em ações, principalmente para quem estava no olho do furacão, no prédio da praça XV, número 20.

Os bobos lucravam algum, os normais, muito. Já os espertos enricavam em questão de meses.

Um ótimo fim de semana para todos.

Ivan Sant’Anna

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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