Mercadores da Noite #304: Quem governa este país?

26 de novembro de 2022
Isso é sinal de que o mercado está tendo a mesma percepção, ou seja, acreditando que as coisas estão caminhando para um governo alinhado ao centro, ou ao Centrão, como queiram.

Olá, leitor(a),
 

No relatório especial Inv da última quinta-feira, ao qual dei o nome de “Diversificação de poderes”, distribuído gratuitamente para todos os nossos assinantes, comentei sobre as dificuldades que o governo Lula enfrentará para conciliar as promessas de campanha com o Congresso, onde terá de negociar caso a caso.

Vejamos como isso se deu nos governos anteriores.

Jair Bolsonaro foi eleito com certa folga em 2018. Durante a campanha, se autorretratou como apolítico (embora tivesse sido deputado federal por sete legislaturas) e disse que seu ministério seria composto por técnicos.

No início, perdia todas. Seus vetos eram derrubados pelo Congresso, as medidas provisórias caducavam, não conseguiu nomear seu filho Eduardo (presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara) embaixador em Washington.

Não houve outro remédio a não ser o de se sentar no colo do Centrão, que passou a governar o país, deixando ao presidente a função (discutível) de ser o relações públicas.

Após o impeachment de Dilma, Michel Temer não perdeu tempo. Fez apenas algumas escolhas pessoais, como a de Henrique Meirelles para a Fazenda. Deixou o resto para o Centrão, que inclusive o livrou de um impeachment, após o episódio do “Tem de manter isso aí!”

Dilma Rousseff não gostava de dialogar com parlamentares e preferiu governar com o PT e mais alguns poucos aliados.

Embora tenha sido reeleita (graças ao marqueteiro João Santana), não conseguiu terminar seu segundo mandato.

Por 367 votos a favor e 137 contra, a Câmara dos Deputados autorizou a abertura do processo de impeachment da presidente, ficando para o Senado Federal, tal como determina a Constituição, afastá-la do governo por 61 votos a 20.

Ao tomar posse em 2003, Lula optou por comprar os legisladores, pagando seus votos em dinheiro. Foi o escândalo do mensalão. Raciocinando cínica e pragmaticamente, até que saiu barato.

Muito mais caro foi o petrolão, que garantiu maioria a Lula nas duas casas do Congresso.

Desde o início de seu primeiro mandato, Fernando Henrique Cardoso soube construir alianças. Tanto é assim que teve como ministros políticos de sua ampla base aliada.

Com isso, conseguiu barrar no Congresso todas as iniciativas de CPIs contra seu governo.

Atuando no Supremo Tribunal Federal, FHC tinha como Procurador Geral da República Geraldo Brindeiro, que logo ficou conhecido nos meios políticos e jurídicos como “arquivador geral da República”. Por si só, o apelido explica tudo.

Fernando Henrique deve ter sido o único presidente da República que fez o... “antecessor”. Estou me referindo, é claro, a Itamar Franco, sob cujo governo foi criado o Plano Real. Itamar, sempre monitorado por FHC, fez um governo de coalizão, com ministros, e programas, de diversos partidos.

O mesmo não aconteceu com Fernando Collor de Mello, que cismou em governar sozinho. Tinha profunda antipatia por deputados e senadores, a não ser aqueles de seu círculo mais íntimo.

Não é à toa que foi defenestrado pela Câmara (uma goleada de 441 votos a 33) e pelo Senado (76 a 3).

Desde seu primeiro dia de governo (que deveria ser o primeiro dia de Tancredo Neves), Sarney compôs com o MDB e PFL para poder governar em paz.

Nas eleições de 1986, o PMDB, partido de José Sarney, elegeu 22 dos 23 governadores, além de formar maioria absoluta na Assembleia Constituinte.

Foi uma das poucas vezes, na história republicana brasileira, que um partido independeu dos demais para aprovar projetos. Só que Sarney trocou tudo isso para aumentar seu próprio mandato de quatro para cinco anos.

Durante os 21 anos de regime militar, os presidentes podiam governar por decreto-lei em matéria econômica. Assim como tinham o poder de cassar os mandatos de deputados e senadores.

Desse modo, não precisavam negociar nada. Bastava impor. Voltando bem atrás no tempo, João (Jango) Goulart, teve de admitir um sistema parlamentarista para poder assumir a presidência.

Escrevi todas essas coisas apenas para demonstrar que Lula só poderá cumprir parte (o total ele não cumprirá nunca) de seus projetos se souber negociar com o Centrão e até mesmo com a direita.

Terá de ceder muito espaço à livre iniciativa.

Acredito que ele já percebeu isso e sabe que grande parcela do povo não elegeu especificamente o PT. Boa parte dos votos foram motivados por rejeição.

Escrevi esta crônica na quinta-feira, dia 24, quando o Brasil estreou na Copa do Mundo e o Ibovespa subiu 2,75%.

Isso é sinal de que o mercado está tendo a mesma percepção, ou seja, acreditando que as coisas estão caminhando para um governo alinhado ao centro, ou ao Centrão, como queiram.

Se a possibilidade de um rombo fiscal for total ou parcialmente descartada, haverá espaço para a B3 experimentar um bom rally de fim de ano.

Um ótimo fim de semana para todos e que o Brasil vença a Suíça na segunda-feira.

Ivan Sant’Anna


Nota do editor: Além de assinar a Mercadores da Noite, que sai aos sábados aqui e em podcast nas plataformas Spotify e Deezer etc., Ivan Sant'Anna também escreve todas as segundas, terças e quintas-feiras a coluna Warm Up PRO e que você pode conhecer clicando aqui!

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Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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