Mercadores da Noite #302: Inflação, lá e cá

12 de novembro de 2022
As bolsas brasileira e americanas estão totalmente descoladas. Como há muito tempo não se via.

Olá, leitor(a),

Na quinta-feira, dia 10 de novembro, antes da abertura dos mercados, saiu o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) brasileiro de outubro.

Após três meses de deflação, o número divulgado foi de + 0,59%, onze pontinhos acima do esperado: + 0,48%.

Daqui para diante, ao que tudo indica, os números mensais deverão ser positivos porque o represamento, e até a redução artificial de preços pré-eleitoral, já foi contabilizado nas estatísticas.

No mesmo dia, às dez e meia da manhã, quando o pregão da B3 já se encontrava em andamento, saiu o CPI (sigla em inglês para Índice de Preços ao Consumidor) americano.

Ao contrário daqui, o número veio melhor do que o esperado. Deu + 0,4%, contra uma expectativa de + 0,6%, sinal de que a inflação por lá pode estar começando a ceder, o que tornaria o gavião do FED mais manso.

Em resposta a esses dados, às 16:50 daqui, o Ibovespa despenca 4.290 pontos, ou 3,76%, para 109.351. Enquanto isso, nos Estados Unidos, o índice industrial Dow Jones sobe 3,17%, o S&P500, + 4,66% e o Nasdaq, que costuma ser muito afetado pela inflação, dispara espantosos 6,22%.

As bolsas brasileira e americanas estão totalmente descoladas. Como há muito tempo não se via.

Desde que comecei a trabalhar no mercado, em 1958, já testemunhei diversos cenários de inflação.

Naquela segunda metade da década de cinquenta, Juscelino Kubitschek pagou os “50 anos em cinco” (sua meta de governo) com a emissão de papel-moeda, dando início a um processo inflacionário que duraria 36 anos até a implementação do Plano Real, que eliminou (será mesmo?) o dragão.

Me lembro bem que a gente (e por “a gente” me refiro às pessoas que tinham acesso a contas bancárias) se adaptou bem com a escalada dos números.

Jânio Quadros, sucessor de JK, quis pôr termo ao “descalabro” inflacionário. Nomeou para a Fazenda um banqueiro, Clemente Mariani, que deu início a uma política de austeridade. Que obviamente durou pouco, como pouco durou o governo Jânio: 206 dias.

Uma das predileções de João (Jango) Goulart, vice e sucessor de Jânio Quadros, era dobrar o salário mínimo para acalmar os sindicalistas que o cercavam. Fez isso como ministro do Trabalho de Getúlio Vargas. Fez isso como presidente da República.

Com essa política frouxa, a inflação de Jango deixou a de Juscelino na poeira. O maior número de JK foi 39,4% (1959), contra 60% de Goulart.

Nos tempos de governo militar, a alta de preços pode ser dividida em duas fases: antes e depois do primeiro choque do petróleo. A menor taxa de inflação ocorreu no ano de 1972 (governo Médici): 15,70%.

Após a guerra do Yom Kippur (outubro de 1973), os preços começaram a subir mundo afora. O Brasil não foi exceção. Muito pelo contrário, revelou-se um grande destaque.

De lá até o advento do Real, em julho de 1994, passou a haver duas classes de brasileiros: a) os que se protegiam da inflação aplicando no open market; b) os menos favorecidos, que não tinham nem conta em banco e tão logo recebiam seus salários corriam para os supermercados.

O próprio real, de início cotado ao par com o dólar, e mais tarde perdendo valor gradualmente, através de bandas cambiais fixadas pelo Banco Central, enfrentou desafios.

A primeira dessas tormentas ocorreu a partir de 1997, quando houve uma série de ataques especulativos contra moedas de diversos países, começando com os tigres asiáticos, passando pelo México e desembarcando no Brasil em 1999.

Nessa ocasião, durante o governo FHC, três presidentes se sucederam no Banco Central num pequeno espaço de tempo:

  • Gustavo Franco, que defendia um real ancorado no dólar, política que quase esgotou nossas reservas cambiais.

  • Francisco Lopes, que surgiu com uma fórmula de “banda diagonal endógena” que ninguém entendeu.

  • Armínio Fraga, que adotou o sistema, vigente até hoje, de câmbio flutuante.

Durante todo esse tempo, os números da inflação brasileira se assemelharam aos dos países desenvolvidos.

Dois dígitos a.a., como ocorreu em 2002 (último ano do governo Fernando Henrique) e que pode ser considerada inflação Lula futuro; início do segundo mandato Dilma Rousseff, por causa de liberação de preços e tarifas represados; inflação Covid-19, contra a qual o Brasil e o mundo lutam até hoje, podem ser episódios esporádicos.

Tomara!

O momento atual é de preocupação. Se Lula está pensando em tirar os gastos com o Bolsa Família do Teto de Gastos, como se essas despesas não existissem, pode também querer expurgar preços da inflação oficial.

Delfim Netto e Mario Henrique Simonsen fizeram muito isso por ocasião dos governos militares. Portanto, repeti-lo, seria um total retrocesso.

Historicamente, principalmente para uma pessoa tão calejada como eu, o IPCA de outubro, + 0,59%, não deveria ser nenhuma aberração.

Só que o mercado não gostou, tanto é assim que a B3 está despencando brutalmente nesta quinta-feira. E não gostou porque sabe que os preços foram novamente represados no governo Bolsonaro, com fins eleitoreiros.

Resta o consolo de saber que temos um Banco Central independente, cuja diretoria só irá mudar em 2024.

Até lá, suponho que prevaleça o bom senso. Caso contrário. Bem... vamos aguardar os acontecimentos antes de augurar tragédias.

Um ótimo fim de semana para todos.

Ivan Sant’Anna.


Nota do editor: Além de assinar a Mercadores da Noite, que sai aos sábados aqui e em podcast nas plataformas Spotify e Deezer etc., Ivan Sant'Anna também escreve todas as segundas, terças e quintas-feiras a coluna Warm Up PRO e que você pode conhecer clicando aqui!

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Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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