Mercadores da Noite #54 - A palavra é: Dividendos

9 de abril de 2018
Não existe melhor alternativa

Mercadores da Noite

Caro leitor, 

Até o final do século 18, os Estados Unidos eram na prática três nações.
    
Na Costa Leste, que se desenvolvia em velocidade acelerada, já havia parques industriais em cidades pujantes, cuja ligação comercial e cultural se dava muito mais com a Europa do que com o resto do país.
       
Enquanto isso, no Extremo Oeste, na costa do Pacífico, havia apenas os territórios do Oregon e de Washington, praticamente desabitados, com faiscadores e caçadores de peles, aqui e acolá.

A Califórnia ainda pertencia ao México. Só em 1850, dois anos após a vitória dos americanos na guerra contra os vizinhos do Sul, é que passaria a fazer parte dos Estados Unidos, como 31º estado (atualmente são 50).
    
Na imensidão situada entre o Oeste semisselvagem e o Leste rico, sobravam as imensas pradarias onde pastavam grandes manadas de bisões e viviam havia séculos nações indígenas.

A exploração desse chamado Far West (faroeste) começou com as famílias de colonos que viajavam em carroções e se apossavam, estimuladas pelo governo, de terras devolutas. Quem chegasse primeiro garantia a posse. Os índios eram deslocados para reservas ou simplesmente mortos em combates desiguais contra o Exército.
      
Mas o desenvolvimento só acelerou de verdade em meados do século 19, com as estradas de ferro que começaram a se espalhar pelo país. Essas ferrovias eram sociedades por ações e sua atratividade para os investidores eram os dividendos que pagavam. Graças a isso, 70 mil quilômetros de trilhos foram colocados.
      
Essa procura por ações com bons dividendos durou até o início do século 20, mais precisamente até os Esfuziantes Anos Vinte (The Roaring Twenties), quando a febre especulativa do mercado de ações fez com que investidores e especuladores deixassem de se preocupar com dividendos.
      
O que interessava mesmo era a alta contínua dos preços dos papéis. Até que sobreveio o Grande Crash de outubro de 1929 e, em sua cola, a Grande Depressão dos Anos Trinta.
     
Após a Segunda Guerra Mundial, e a promulgação da G.I. Bill, programa do governo que evitou o desemprego com a volta dos soldados dos teatros de guerra da Europa e do Pacífico, o mercado de ações voltou a se desenvolver.

Nessa ocasião, as pessoas que investiam em Bolsa para ter uma velhice tranquila e sem sobressaltos procuravam papéis das utilities (concessionárias de serviços públicos, gás, eletricidade, telefonia, etc.), que pagavam dividendos regulares. Tanto é assim que o Dow Jones Utility Average Index tinha grande importância – o Dow Jones que a gente acompanha todos os dias é o Industrial, composto de 30 ações.

No bull market das bolsas de valores brasileiras, ocorrido entre 1969 e 1971, os investidores, tal como acontecera com os americanos nos Anos Vinte, não davam a menor bola para dividendos. Só queriam saber das cotações dos papéis.
     
As cautelas das ações, em sua maioria “ao portador”, continham cupons de dividendos. Para recebê-los, era preciso recortar os cupons e ir até o departamento de acionistas da empresa ou a um banco autorizado.
     
Peguemos um exemplo ao acaso. Digamos que a Companhia Docas de Santos estava pagando um dividendo anual e que esse dividendo correspondia ao cupom 53. Pois bem, era comum uma corretora receber um lote de Docas com o cupom 53 não recortado. Bastava retirá-lo com uma tesoura e ir buscar o dinheiro correspondente. A gente chamava de lote premiado.
      
Em 1978 eu descobri uma verdadeira mina de ouro. A ação da Cia. Real de Investimentos, mais conhecida como CRI, pagava altíssimos dividendos estatutários. Eu tinha vendido meu apartamento em Ipanema e comprara uma casa no Alto da Boa Vista por um quinto do preço. Pois bem... Apliquei tudo em CRI e passei a viver de renda. Fiz isso até 1983, quando, temendo a chegada da hiperinflação, que acabou vindo mais adiante, troquei por barras de ouro. 
      
Nos Estados Unidos, quando surgiram as empresas chamadas “.com”, algumas eram tão rentáveis que seus sócios preferiam não realizar lucro, limitando-se a reaplicar no negócio toda a receita.
     
Se não tinham lucro, muito menos pagavam dividendos. Nenhum acionista reclamava, pois suas ações não faziam outra coisa a não ser subir. Entre as “.com” com esse perfil se destacou a Amazon, que começou com uma pequena livraria virtual e hoje é a quarta maior companhia do mundo em valor de mercado.

No Brasil, até pouco tempo, com as altas taxas de juro real praticadas pelo Banco Central, os investidores em busca de uma renda alta e garantida preferiam aplicar em fundos de renda fixa, Tesouro Direto, CDBs, etc.

Agora, o quadro mudou completamente. Para uma empresa que paga bons dividendos, sua oscilação em Bolsa não é muito significativa. Todos sabem que num ano de eleições totalmente imprevisíveis, como o atual, o mercado será volátil.

O importante é saber avaliar a relação entre o preço de mercado e os dividendos que a companhia paga. Esse papel poderá substituir seu título de renda fixa, desde que a empresa seja dessas que vai ganhar em qualquer cenário eleitoral. 

Para achar esse tesouro, que poderá ser igual à minha CRI de 1978, será preciso estudar muito. Mas, se você não é um especialista, não tem problema.
    
Sem querer puxar a brasa para a sardinha da Inversa, e já puxando, é para isso que produzimos conteúdo de qualidade para as melhores séries de investimento. Caso contrário, não teria razão de ser.
 
Comentários nas seções de economia e finanças dos jornais não ajudam os investidores em nada. São todos, talvez por medo de errar, profetas do passado.
      
“A Bolsa caiu porque o Trump tuitou isso”; “o mercado subiu (ou caiu) porque o Lula foi preso”; “A Petrobras caiu porque o petróleo caiu em Nova York”; “A Vale subiu porque a China está comprando mais.”
     
Com as bolsas de valores internacionais em estado de alerta, uma guerra comercial se iniciando entre a China e os Estados Unidos e as taxas de juros brasileiras se encaminhando para níveis irrisórios, a palavra é: dividendos.
     

Em minha opinião, não existe melhor alternativa.

Você gostou dessa newsletter? Então escreva para mim contando a sua opinião no isantanna@inversapub.com. Aproveite e encaminhe para os seus amigos este link.

Um abraço,

Ivan Sant'Anna

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

A Inv é uma Casa de Análise regulada pela CVM e credenciada pela APIMEC. Produzimos e publicamos conteúdo direcionado à análise de valores mobiliários, finanças e economia.
 
Adotamos regras, diretrizes e procedimentos estabelecidos pela Comissão de Valores Mobiliários em sua Resolução nº 20/2021 e Políticas Internas implantadas para assegurar a qualidade do que entregamos.
 
Nossos analistas realizam suas atividades com independência, comprometidos com a busca por informações idôneas e fidedignas, e cada relatório reflete exclusivamente a opinião pessoal do signatário.
 
O conteúdo produzido pela Inv não oferece garantia de resultado futuro ou isenção de risco.
 
O material que produzimos é protegido pela Lei de Direitos Autorais para uso exclusivo de seu destinatário. Vedada sua reprodução ou distribuição, no todo ou em parte, sem prévia e expressa autorização da Inversa.
 
Analista de Valores Mobiliários responsável (Resolução CVM n.º 20/2021): Nícolas Merola - CNPI Nº: EM-2240