Mercadores da Noite #51 - Tudo ou nada

26 de março de 2018
Que tal ser sócio do Eike?

Mercadores da Noite

Caro leitor,

Na contracapa de Tudo ou Nada, magnífica biografia do empresário Eike Batista, escrita pela jornalista Malu Gaspar, há o seguinte diálogo travado entre Eike e o gerente de exploração do poço OGX-63, na camada de pré-sal da Bacia de Santos, no qual o magnata depositava suas grandes esperanças:
      
“Tivemos que fechar o poço, Dr. Eike, porque vazou gás bem na hora da perfuração. Era muita pressão. Podia acontecer um acidente. Não houve tempo nem de recolher dados sobre os indícios de hidrocarbonetos. Não tenho como fornecer nenhuma estimativa de reserva.”
        
O empresário não se conformou. Queria ter um poço no pré-sal e seria aquele. “Mas não é possível nem especular?”

“Mesmo se eu lhe desse um número, Dr. Eike, estaria especulando tanto que seria um dado inútil, não significaria nada”, argumentou o gerente de exploração.
      
“Pode me dar um valor hipotético, uma variação”, insistiu o chefe.
      
“Bem, não sei...”, ponderou o outro, hesitante. “Se conseguirmos reabrir o poço sem novos vazamentos, pode até variar de 150 a 600 milhões de barris.”
     
“Boa! 600 milhões! 600 milhões de barris!”
     
Daquele momento em diante, para Eike, o poço teria 600 milhões de barris. Sua animação era tanta que o batizou de OGX-63, seu número da sorte, e correu para dar a notícia à presidente Dilma Rousseff.
       
Eu li Tudo ou Nada no início deste ano. Sempre conheci de nome o pai de Eike, engenheiro Eliezer Batista, que se destacou como presidente da Cia. Vale do Rio Doce, na época em que a empresa ainda era estatal, principalmente no desenvolvimento do projeto Carajás.
       
Para mim, Eike Batista era apenas um homem que gostava de especular alto, principalmente em commodities, e marido da estonteante Luma de Oliveira. Isso até ele se meter em negócios cada vez maiores, culminando com o lançamento da OGX, maior IPO da história do Brasil, realizado em 13 de junho de 2008. Foram 6,7 bilhões de reais, à época equivalentes a 3 bilhões de dólares, com cada ação vendida por 1.131,00 reais.
        
Os lotes submarinos que a OGX iria explorar na Bacia de Santos já tinham sido estudados por geólogos da Petrobras, que os consideravam de baixo retorno comercial.
        
Quem realmente ganhou muito dinheiro com o IPO da OGX foram os bancos que conduziram as démarches do lançamento, principalmente o Credit Suisse, o Itaú BBA, o Pactual e o Merrill Lynch. Quando as ações passaram ao poder do público, essas instituições já tinham embolsado suas polpudas comissões, coisa que, aliás, é lugar comum nos IPOs.

Não foram apenas pequenos investidores ingênuos que compraram as ações. O grosso dos papéis foi adquirido pelos grandes fundos internacionais.

Nessa ocasião, como a IPO colocou ações novas no mercado, e a maior parte delas pertencia a Eike Batista, eu achei que, mesmo que ele não encontrasse uma gota sequer de petróleo, estaria bilionário para o resto da vida.
       
Curiosamente, minha mulher sempre viu em Eike Batista um embuste. Eu comecei a concordar com ela quando o vi, numa entrevista à jornalista Marília Gabriela, que foi ao ar em 23 de novembro de 2010, se jactar que era o homem mais rico do Brasil e que pretendia se tornar em pouco tempo o mais rico do mundo.
         
Pois é, certo de que era o rei Midas, que transformava em ouro tudo que tocava, Eike se meteu em projetos dos mais diversos, uns grandes, outros pequenos.
      
Como seu restaurante chinês predileto, Mr. Chow (nome do proprietário e chef), ficava em Nova York, Batista abriu um idêntico no Rio de Janeiro. Trouxe para cuidar do negócio Lam, braço direito de Chow, pagando-lhe um salário de 20 mil dólares. A casa recebeu o nome de Mr. Lam. Essa aparente maluquice deu certo. Com uma comida excepcional, o restaurante funciona até hoje.
       
Eike Batista meteu-se também com um projeto de despoluição da lagoa Rodrigo de Freitas e adquiriu os direitos de exploração da Marina da Glória. Comprou o hotel Glória, clássico da época em que o Rio era a capital do Brasil, para transformá-lo no melhor do país.
      
Como seria de se esperar, deu no que deu. Não tendo o petróleo surgido das profundezas do mar, Batista, atolado em dívidas e cheio de projetos mirabolantes, a maioria inviável, acabou quebrando.
      
Bilionários excêntricos e perdulários sempre existiram na história mundial dos negócios. Nenhum deles foi tão excêntrico e tão esbanjador quanto o americano Howard Hughes.
      
Natural do Texas, Hughes já nasceu rico, muito rico. Seu pai era dono da Hughes Tool Company, companhia que Howard ganhou de herança em 1924, quando tinha 19 anos.
       
Entregue a executivos competentes, a Hughes Tool era tão rentável que permitiu que Howard Hughes se dedicasse a todo tipo de excentricidade, tal como construir a maior aeronave do mundo, a Spruce Goose, um hidroavião feito de madeira, com oito motores, e que fez um único voo, de apenas uma milha, em 1947, pilotado pelo próprio Hughes.
          
Nem sempre fugir a todos os padrões de comportamento significa uma coisa ruim. Steve Jobs, por exemplo, também era invulgar, só que de uma maneira positiva, que se materializava em sua obsessão pela perfeição absoluta. É só constatar o estrondoso sucesso alcançado pela Apple.

Em minha opinião, os grandes tycoons devem ter, ou aparentar ter, uma vida sóbria, guardadas as proporções do dinheiro que possuem.
        
Viajar em seu próprio jatinho é mais do que natural para um empresário ou executivo de grande projeção, cujo tempo é por demais precioso para ser perdido em check-ins, salas de embarque e conexões em aeroportos. Mas ter três lanchas, três aviões e um helicóptero, como aconteceu com Eike Batista, quando suas empresas já estavam em dificuldade, é infantilidade pura.
        
Nenhum acionista gosta de saber que o controlador da empresa na qual investiu suas economias comprou uma fábrica de sorvetes apenas porque ela havia parado de fabricar seu sabor preferido. Isso aconteceu com Howard Hughes.
         
Os investidores devem fugir desses porras-loucas. Aplicar dinheiro em seus projetos é um passaporte quase certo para a ruína. A não ser que você seja um adepto do “tudo ou nada”.

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Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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