Mercadores da Noite #49 - Diplomacia de improviso

12 de março de 2018
Trump e a Coreia

Mercadores da Noite

Caro leitor,

Na sexta-feira passada, 9 de março, o índice industrial Dow Jones subiu 1,77 por cento; o Ibovespa, 1,63 por cento. Essas altas se deveram em parte às primeiras exceções (Canadá e México) feitas por Donald Trump à sua política protecionista para as indústrias americanas de aço e alumínio, quem sabe estendendo-as a outros países.
      
Contribuiu também para a alta das bolsas a informação da Casa Branca de que Trump viajará para Pyongyang, capital da Coreia do Norte, em abril, para se encontrar com o líder supremo do país, Kim Jong-un.

Talvez Donald Trump não se dê conta dos riscos políticos, militares e diplomáticos que está correndo ao aceitar, a toque de caixa, e sem a devida análise do Departamento de Estado, o convite de Jong-un.
      
Na década de 1970, para descongelar as péssimas relações que os Estados Unidos tinham com a China, o presidente Richard Nixon visitou Mao Tsé-Tung em fevereiro de 1972. Só que o preparo dessa viagem durou dois anos.
       
Primeiro uma delegação de mesotenistas (preferia escrever “jogadores de pingue-pongue”, mas me rendo ao politicamente correto) norte-americanos participou, no início de 1970, de um torneio na China. Depois, diversos diplomatas de Washington, de escalões sempre ascendentes, visitaram a capital chinesa e trataram dos primeiros detalhes.

Em seguida aconteceu uma viagem secreta do então assessor de Segurança Nacional (mais tarde secretário de Estado) Henry Kissinger a Pequim. Só então o terreno foi considerado propício para uma visita oficial, quando Nixon foi recebido por Mao.         

Foi uma grande vitória diplomática, construída passo a passo comme Il faut.      
       
Trump, como é de seu feitio, partiu para a ignorância e topou logo o convite do líder norte-coreano, com quem trocava insultos até outro dia.
         
A única coisa que Kim Jong-un lhe prometeu foi congelar os testes de mísseis balísticos internacionais até o encontro. Pudera. Isso seria o mínimo que os Estados Unidos poderiam esperar dele.
          
Como essa viagem, se realmente vier a ocorrer, poderá afetar os mercados, é bom que os traders brasileiros conheçam um pouco mais sobre a Coreia do Norte. Assim poderão julgar melhor os fatos, quando estes acontecerem.
        
É bom lembrar que norte-coreanos jamais conheceram um regime democrático (mesmo seus irmãos do Sul viveram sob regimes alternados de ditadura e democracia). Portanto eles nem sabem direito o que é isso.
        
Kim Il-sung, avô de Kim Jong-un, foi posto no poder pelo líder chinês Mao Tsé-Tung em 1948. Ao morrer, seu filho Kim Jong-il o sucedeu. Quando este também morreu, em 2011, Kim Jong-un assumiu. Curiosamente, criara-se no norte da península coreana uma monarquia absolutista comunista, cujo “soberano” tem poderes de fazer Genghis Khan dar arrancos de cachorro atropelado em sua cova.
       
Meu palpite é o de que Donald Trump irá conseguir que Kim Jong-un suspenda os testes nucleares. Isso não é vantagem nenhuma, pois todas as outras potências atômicas, Estados Unidos, Rússia, China, Grã-Bretanha, França, Índia e Paquistão, já fizeram isso. Afinal de contas, esses artefatos não são armas de guerra, mas sim de dissuasão.

Após a viagem, Trump poderá desembarcar na base aérea de Andrews, em Washington, agitando um documento assinado pelo ditador norte-coreano com um acordo nesses termos (congelamento dos testes). Se isso acontecer, vai receber uma crítica feroz da imprensa americana.
       
Quem conhece história sabe que, em 30 de setembro de 1938, o primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain desembarcou em Londres (foi a primeira viagem de avião que fez na vida) brandindo um documento, assinado por Adolf Hitler, que garantia que a Alemanha não tinha ambições territoriais.
      
Onze meses mais tarde, Hitler invadiria a Polônia, dando início à Segunda Guerra Mundial.
        
A Coreia do Norte não irá começar guerra nenhuma, mas Kim Jong-un vai obter uma vitória doméstica, que é justamente o que lhe interessa. Ter levado o presidente norte-americano até lá, para conversar com ele, para jogar em seu próprio campo, já é um feito considerável. Seus “súditos” irão babar de admiração ou tremer de medo. Principalmente em se tratando de um molecote que até pouco tempo falsificava passaportes (brasileiros) para visitar a Disney japonesa.
        
Além disso, o povo norte-coreano só fica sabendo daquilo que Jong-un quer que ele saiba.
        
Provavelmente o baixinho gordote (a classificação é de Trump, não minha) vai obter algum tipo de ajuda americana sob forma de alimentos.
        
Até agora não se ouviu uma palavra sequer do líder chinês Xi Jinping sobre a visita de Donald Trump a Pyongyang. Jinping manda muito, e manda mais ainda na área de sua influência direta, que inclui a Coreia do Norte.
        
No momento, Xi Jinping está iniciando uma era de culto à personalidade, assunto do qual os comunistas (mesmos os comunistas capitalistas, como os chineses, ou os comunistas monarquistas, como os norte-coreanos) entendem bem. É copiada de Adolf Hitler, Joseph Stalin e Mao Tsé-Tung.
        
Se Xi Jinping não gostar de um acordo Trump/Jong-un, mela tudo. Além de fazer fronteira com a Coreia do Norte, a China, que tem poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas, impede boa parte das sanções que os países civilizados querem fazer contra os norte-coreanos.
     
A única possibilidade de Donald Trump regressar de Pyongyang com uma vitória política e diplomática incontestável é se ele trouxer um documento de Kim Jong-un, chancelado pelos chineses, desativando o programa nuclear norte-coreano e permitindo que inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA, na sigla em inglês) permaneçam no país para fiscalizar esse desarmamento.

Duvido que Kim Jong-un faça isso. Os dois últimos tiranos que cederam a esse tipo de pressão se deram mal. Refiro-me a Muammar Gaddafi, da Líbia, e Saddam Hussein, do Iraque. O primeiro morreu empalado. O segundo, enforcado.
      
Em meu juízo, Donald Trump vai voltar de Pyongyang com uma vitória de Pirro. Isso se conseguir alguma coisa além de aumentar o poder doméstico de Kim Jong-un. 

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Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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