Mercadores da Noite #48 - Burrice gloriosa

5 de março de 2018
Invejo a burrice porque é eterna

Mercadores da Noite

Caro leitor,

Após o ataque a Pearl Harbor em 7 de dezembro de 1941, os Estados Unidos declararam guerra ao Japão, como não podia deixar de acontecer.
    
Sendo os japoneses integrantes do Eixo, junto com a Alemanha e a Itália, Hitler fez o mesmo com os Estados Unidos. A Segunda Grande Guerra tornou-se de fato uma Guerra Mundial.

Como o front europeu se expandira, ao sul, até o norte da África, para chegar lá, levando tropas, armas, munições e equipamentos dos mais diversos, os americanos necessitavam ter uma base na América do Sul, onde seus aviões a caminho do continente africano pudessem fazer uma escala técnica de reabastecimento.
      
O local escolhido foi Natal, no Rio Grande do Norte, um dos pontos sul-americanos mais próximos do teatro de guerra no Saara. Só que, para isso, o presidente Roosevelt precisava do consentimento de Getúlio Vargas. O encontro dos dois estadistas aconteceu na própria cidade de Natal, em janeiro de 1943. Getúlio, que pendera ligeiramente para os nazistas, quando tudo indicava que estes iriam vencer a guerra, agora abria os braços para os americanos. Mas não cedeu a base de graça. Pediu uma contrapartida: a construção de uma usina siderúrgica no Brasil.
      
Naquela época fabricar aço era coisa de país grande, desenvolvido, tal como a Alemanha, o Japão, a Grã-Bretanha e, é claro, os Estados Unidos, onde as duas maiores usinas, United States Steel e Bethlehem Steel, ficavam na Pensilvânia, sendo a a US Steel, em Pittsburgh, o mais importante complexo siderúrgico do mundo.
       
Passaram-se os anos e, aos poucos, a siderurgia deixou de ser exclusividade dos países ricos. Além do Brasil, outras nações em desenvolvimento, como a China, a Coreia do Sul, a Índia e a Turquia, tornaram-se grandes produtoras e exportadoras do produto.
       
A partir do final dos anos 1970, a US Steel e a Bethlehem Steel foram perdendo a competitividade, iniciando um processo de decadência. Contribuíram para isso o alto custo de mão de obra e sindicatos metalúrgicos fortes. Não dava para concorrer, por exemplo, com a Usiminas brasileira e a Tata indiana. Agora a economia americana sobressaía principalmente nos setores de serviço e de alta tecnologia.
      
Vieram então as eleições presidenciais de 2016, nas quais o candidato Donald Trump surgiu com a bandeira nacionalista “Let’s make America great again”. Seu discurso incluía reavivar setores como o de exploração de carvão e o siderúrgico.
     
A Pensilvânia, na qual os candidatos democratas venciam desde 1988, deu 20 votos no colégio eleitoral para Trump e zero para Hillary Clinton, uma vez que no estado todos os votos populares vão para o candidato mais votado: “The winner takes all”. Entre outras razões, o republicano venceu com os votos dos desempregados da indústria siderúrgica.
      
Para cumprir sua promessa, Trump acaba de impor uma tarifa aduaneira de 25 por cento sobre o aço importado pelos Estados Unidos. Só que os compradores norte-americanos do produto estrangeiro irão repassar o acréscimo de preço aos consumidores. O mesmo acontecerá no setor americano de alumínio, também protegido por Trump na semana passada através da imposição de uma alíquota de 10 por cento sobre as importações.

O curioso é que esse protecionismo de Donald Trump é próprio de uma plataforma democrata. E mesmo esse partido não impõe suas medidas com o tom de deboche do bilionário fanfarrão.
     
“Guerras comerciais são boas e fáceis de ganhar”, disse ele.
     
Jimmy Carter, por exemplo, o democrata plantador de amendoins da Georgia que venceu a corrida presidencial de 1976, dizia em sua campanha:
     
“Os americanos têm dois carros na garagem. Um está parado por causa do custo do combustível (que vinha subindo desde 1973). O outro é japonês.”
      
Carter não se reelegeu, embora sua derrota para o republicano Ronald Reagan nada tenha tido a ver com protecionismo. Seu insucesso eleitoral se deveu principalmente a uma tentativa fracassada de resgatar reféns americanos presos na embaixada dos Estados Unidos em Teerã, no Irã, que deixou oito soldados mortos no caminho (explosão de helicópteros no deserto) e não libertou nenhum dos prisioneiros. Nem mesmo chegaram perto da capital iraniana.
      
Desde seu discurso de posse, Reagan se mostrou antiprotecionista, numa atitude tipicamente republicana. Sua mensagem foi clara:
      
“As empresas que não se enquadrarem nas práticas comerciais modernas e não aumentarem a produtividade vão quebrar. E o governo nada fará a respeito disso”.
     
Foi o início da Reaganomics, logo seguida na Grã-Bretanha pelo Thatcherism de Margaret Thatcher, com resultados esplêndidos, tanto para os dois países, como para o mundo. 
       
No Brasil também tivemos um presidente extremamente protecionista, embora sua postura de discrição tenha sempre sido a oposta da do exibido Donald Trump. Refiro-me ao general Ernesto Geisel, penúltimo dos governantes do período militar (1964-1985).
      
Quase todas essas estatais com sedes faraônicas foram incentivadas por Geisel. Ele criou reserva de mercado na área de informática, que atrasou o desenvolvimento do País em mais de uma década.
     
O general Geisel rompeu o acordo militar com os Estados Unidos. Quis dinamizar o comércio do Brasil com países da África, em detrimento das nações desenvolvidas.

Cada qual a seu modo, Geisel e Trump se parecem no trato da lógica do comércio. Um praticou e o outro está praticando o protecionismo burro. Por isso, se conclui que a burrice não é de direita nem de esquerda, não é democrata nem republicana, não é militar nem civil.
      
Como dizia o maior filósofo brasileiro de todos os tempos (é óbvio que estou me referindo a Nelson Rodrigues):
     
“Invejo a burrice porque é eterna”.
     
Ou o economista e pensador liberal Roberto Campos:
       
“A burrice no Brasil tem um passado glorioso e um futuro promissor”.
       
Só duvido que os dois gênios (Nelson morreu em 1980; Campos, em 2001) pudessem, mesmo em seus piores pesadelos, imaginar que os Estados Unidos da América viessem a ter um néscio caricato na presidência, governando o país mais rico do mundo através de impulsos inconsequentes.
       
Você gostou dessa newsletter? Então escreva para mim contando a sua opinião no isantanna@inversapub.com. Aproveite e encaminhe para os seus amigos este link.

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

A Inv é uma Casa de Análise regulada pela CVM e credenciada pela APIMEC. Produzimos e publicamos conteúdo direcionado à análise de valores mobiliários, finanças e economia.
 
Adotamos regras, diretrizes e procedimentos estabelecidos pela Comissão de Valores Mobiliários em sua Resolução nº 20/2021 e Políticas Internas implantadas para assegurar a qualidade do que entregamos.
 
Nossos analistas realizam suas atividades com independência, comprometidos com a busca por informações idôneas e fidedignas, e cada relatório reflete exclusivamente a opinião pessoal do signatário.
 
O conteúdo produzido pela Inv não oferece garantia de resultado futuro ou isenção de risco.
 
O material que produzimos é protegido pela Lei de Direitos Autorais para uso exclusivo de seu destinatário. Vedada sua reprodução ou distribuição, no todo ou em parte, sem prévia e expressa autorização da Inversa.
 
Analista de Valores Mobiliários responsável (Resolução CVM n.º 20/2021): Nícolas Merola - CNPI Nº: EM-2240