Mercadores da Noite #50 - Os mortos são imbatíveis

19 de março de 2018
As eleições são deles

Mercadores da Noite

Caro leitor,

Na última quarta-feira, 14 de março, uma vereadora carioca foi assassinada quando ia para casa na Tijuca, Zona Norte do Rio, após comparecer a uma reunião de um movimento social.

Dadas às circunstâncias do ocorrido, é óbvio que se tratou de uma morte encomendada e não de um delito casuístico.

Em um jornal do dia seguinte, li um artigo afirmando que o fato iria influenciar as eleições de outubro.

Nada mais inexato. Entre a data do crime e o primeiro turno eleitoral, 207 dias se passarão. E nesse período inúmeros fatos vão se sobrepor a este. Seria péssimo para o Brasil se um partido de extrema esquerda como o PSOL elegesse, para as duas casas do Congresso, uma bancada maior do que o seu peso real entre os eleitores.   

Na quinta, durante uma concentração popular na Cinelândia, com o caixão da vereadora sendo carregado por militantes, a multidão bradou seguidas vezes: 

“Vamos acabar com a polícia militar.”

Acabar com a PM do Rio significa demitir, ou aposentar, 21.500 policiais imprescindíveis.

“E vão por o quê no lugar, caras-pálidas?”, pergunto aos manifestantes. “Os escoteiros? O Comando Vermelho?”
    
Episódios violentos como o assassinato da vereadora Marielle Franco são corriqueiros no Brasil. Não duvido que algum esteja acontecendo em qualquer ponto do território nacional no momento em que teclo esta crônica.      

No dia 17 de março, por exemplo, um intenso tiroteio  na favela da Rocinha interrompeu por mais de meia hora o trânsito entre a Zona Sul do Rio e a Barra da Tijuca, onde moro.
       
Sempre que um desses morticínios dá margem a algum tipo de conotação política, aí sim. Interfere nos resultados das eleições, desde que próximas.

No dia 7 de novembro de 1988, soldados do Exército foram acionados para coibir a ação de grevistas na usina de Volta Redonda da Cia. Siderúrgica Nacional.

Resultado: três operários foram mortos pelos militares e dezenas deles ficaram feridos.

Oito dias mais tarde, nas eleições para a prefeitura de São Paulo, Luiza Erundina, então no PT, derrotou o favorito Paulo Maluf, que tinha 28 por cento das intenções de voto (naquela época não havia segundo turno) contra 19 por cento da petista.

Os tiros de Volta Redonda decidiram a eleição.

Às vezes nem é necessário que alguém seja morto por arma de fogo para que um processo eleitoral seja decidido pela emoção. Emoção de um enterro. Emoção de um cadáver. Sim, porque os mortos são imbatíveis.

Quarenta e cinco dias antes das eleições de 1982 para o governo da Bahia, o candidato Clériston Andrade morreu num acidente de helicóptero, assim como seu vice, Rogério Rego. Escolhido às pressas, o substituto de Andrade, dentista João Durval, obteve 60 por cento dos votos. 
      
No dia 1º de março de 1930, o paulista Júlio Prestes foi eleito presidente do Brasil. Recebeu 58,39 por cento dos votos, contra 40,41 por cento do segundo colocado, Getúlio Vargas.

Tudo indicava que Prestes (não confundir com o líder comunista Luís Carlos Prestes) tomaria posse sem problemas. Só que vários tiros à queima-roupa, com os quais Júlio Prestes nada tinha a ver, se interpuseram entre a eleição e a posse.

João Pessoa, candidato a vice na chapa derrotada de Getúlio, era governador da Paraíba. Foi assassinado na confeitaria A Glória, em Recife, no dia 26 de julho. 

O autor dos disparos, João Dantas, teve motivos estritamente passionais, relativos a um caso amoroso que mantinha com uma professora, Anaíde Beiriz. Jornalistas ligados a João Pessoa divulgaram cartas íntimas trocadas entre Dantas e Anaíde.

Nada disso impediu que em todo o Brasil milhões de pessoas acreditassem que João Pessoa fora morto a mando do presidente da República, Washington Luís, acusação totalmente sem sentido porque Washington estava de saída do Catete para dar lugar a Júlio Prestes.

O clima de comoção que tomou conta do país permitiu a Getúlio Vargas dar início a vitoriosa Revolução de Trinta, que lhe permitiu ficar no poder por 15 anos seguidos. 

Evidentemente que não é só no Brasil que mortos ganham eleições.

Benazir Bhutto já fora primeira-ministra do Paquistão por duas vezes: de 1988 a 1990; de 1993 a 1996, sempre ameaçada por extremistas islâmicos, por dois crimes graves: ser mulher; ser mulher moderna e modernizante.  

Em 2007, após um longo período fora do país, Benazir resolveu se candidatar novamente. Antes se mudou para Dubai.

Foi alertada pelo presidente Pervez Musharraf de que corria enorme risco de vida se regressasse ao país, principalmente se voltasse candidata ao cargo de primeira-ministra.

As advertências se mostraram corretas quando a senhora Bhutto, pouco depois de desembarcar no aeroporto Jinnah, em Karachi, e embarcar em um caminhão, foi alvo de um ataque suicida que deixou 149 mortos, embora deixando-a ilesa.

Apesar do presságio, Benazir Bhutto insistiu na campanha. Mas passou a fazê-la em um carro blindado.

No dia 27 de dezembro de 2007, quando participava de uma carreata na cidade de Rawalpindi, Benazir não resistiu ao entusiasmo da multidão que a aclamava e mandou abrir o teto solar do carro. Foi o suficiente para que três tiros certeiros a atingissem. O assassino estava a mando do Talibã.

Morta, Benazir Bhutto tornou-se eleitoralmente invencível. Seu partido venceu facilmente as eleições que ela disputava.

Em outubro de 2008, eu estava percorrendo o Paquistão, pesquisando para uma ficção ambientada naquele país. Benazir morrera menos de um ano antes. Nessa viagem, eu tive a oportunidade de visitar o mausoléu da família Bhutto, na localidade de Garhi Khuda Bakhsh, distrito de Larkana, província de Sindh. Benazir está enterrada ao lado do pai, o presidente que morreu enforcado. Pela multidão que lá se encontrava, deu para perceber que eles ainda vão render muitos votos.

Não creio que a morte da vereadora carioca vá ter maior influência nas eleições de 2018. Mas os traders devem estar sempre atentos ao fato de que assassinatos e mortes violentas de políticos afetam as urnas. Principalmente se acontecerem perto das eleições.

Mortos, repito, eles são imbatíveis.

Você gostou dessa newsletter? Então escreva para mim contando a sua opinião no isantanna@inversapub.com. Aproveite e encaminhe para os seus amigos este link.

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

A Inv é uma Casa de Análise regulada pela CVM e credenciada pela APIMEC. Produzimos e publicamos conteúdo direcionado à análise de valores mobiliários, finanças e economia.
 
Adotamos regras, diretrizes e procedimentos estabelecidos pela Comissão de Valores Mobiliários em sua Resolução nº 20/2021 e Políticas Internas implantadas para assegurar a qualidade do que entregamos.
 
Nossos analistas realizam suas atividades com independência, comprometidos com a busca por informações idôneas e fidedignas, e cada relatório reflete exclusivamente a opinião pessoal do signatário.
 
O conteúdo produzido pela Inv não oferece garantia de resultado futuro ou isenção de risco.
 
O material que produzimos é protegido pela Lei de Direitos Autorais para uso exclusivo de seu destinatário. Vedada sua reprodução ou distribuição, no todo ou em parte, sem prévia e expressa autorização da Inversa.
 
Analista de Valores Mobiliários responsável (Resolução CVM n.º 20/2021): Nícolas Merola - CNPI Nº: EM-2240