Mercadores da Noite #307: Como formar um gabinete

17 de dezembro de 2022
Mesmo que quisesse montar um ministério enxuto, com poucas Pastas, Lula não conseguiria, tantos são os grupos políticos que precisa agradar para cumprir acordos e promessas de campanha.

Olá, leitor(a),

Mesmo que quisesse montar um ministério enxuto, com poucas Pastas, como fizeram Fernando Collor e Jair Bolsonaro, pelo menos no início de seus mandatos, Luiz Inácio Lula da Silva não conseguiria, tantos são os grupos políticos que precisa agradar para cumprir acordos e promessas de campanha.

Para piorar as coisas, os companheiros de partido, que ficaram no ostracismo (alguns, na cadeia) durante seis anos, se julgam merecedores dos melhores postos da Esplanada e do círculo íntimo do Planalto, estes mais conhecidos como ministros da Casa.

Cada petista que abocanha uma Pasta gorda, com boa dotação orçamentária e grande exposição popular, significa uma vaga a menos para as bocarras do Centrão, grupo parlamentar sem o qual não se aprova a liberação de verba para construção de um mata-burro no município de São João das Couves, curral eleitoral de uma das centenas de Suas Excelências.

Pô, e tem de desencavar um ministério para Simone Tebet, pessoa sem cujo apoio Lula poderia não ter derrotado Bolsonaro em 30 de outubro. E outro para Marina Silva, este ligado às causas mais gratas à defensora, mundialmente conhecida, do meio ambiente.

Fora isso, é preciso que haja forte presença feminina, multirracial, representantes da comunidade LGBTQIA +, índios (oopss, povos originais).

Se os ministros iniciais de Collor e Bolsonaro cabiam numa van, esses de Lula vão precisar de um BRT para comparecerem juntos a uma solenidade em palácio. Pois, se forem em seus respectivos carros oficiais, vão engarrafar a Praça dos Três Poderes.

Nos gabinetes dos anos 1950 e 1960, as pastas eram, por exemplo, Educação e Saúde, Viação e Obras Públicas, tudo aglutinado, tudo enxuto. Isso permitia que o presidente da República despachasse semanalmente com cada um de seus ministros, cujos nomes os brasileiros sabiam de cor.

Hoje em dia, a gente só conhece os onze do STF.

Mas vejamos como outros países tratam o problema.

Começando com nossos hermanos del sur, que por sinal amanhã poderão se tornar tricampeões mundiais de futebol, lá todos son peronistas, o que pelo menos facilita a montagem do Gabinete.

Se o sistema eleitoral americano é complicadíssimo, pelo menos a formação do Secretariado (forma deles denominarem o Ministério) é bastante simples.

Antes de mais nada, são apenas 15 Secretarias. Caso o eleito para a Casa Branca seja um democrata, ele escolhe seus secretários nos quadros do partido, abrangendo também os simpatizantes.

Na hipótese de uma vitória republicana, acontece a mesma coisa. O critério geralmente é a capacidade administrativa. Robert McNamara, por exemplo, que era presidente da Ford Motor Company, foi escolhido por John Kennedy para ser secretário de Defesa.

Dois detalhes importantes: Nos Estados Unidos, a maioria dos funcionários públicos é de carreira e os nomeados para as secretarias pouco mexem nos quadros administrativos.

Os Secretários têm de ter seus nomes aprovados pelo Senado. Portanto se há alguma acusação pendente contra ele, nem que seja a de ter contratado uma faxineira imigrante ilegal para trabalhar em sua casa, seu nome nem é submetido à Casa Alta do Capitólio.

No Reino Unido, dois partidos se alternam no nº 10 de Downing Street (residência oficial do primeiro-ministro): Conservador e Trabalhista. Há outros, mas possuem bancadas pequenas.

Como todos os ministros têm de ser membros do Parlamento (House of Commons), a escolha do Gabinete é feita através de negociações internas.

Se numa eleição geral (lá, o voto é distrital) a maioria das cadeiras vai para a oposição, todos os ministros são substituídos por parlamentares da bancada oposta.

Na França, o sistema eleitoral é engenhoso. Primeiro se vota para presidente, em dois turnos, numa eleição solteira.

Após o presidente ter sido escolhido e confirmado, é realizada a eleição para o Parlamento (Assembleia Nacional). Sendo assim, os eleitores já sabem se estão votando na situação ou na oposição.

Desde a República de Weimar (anos 1920), e com exceção da época do nazismo no poder (1933/1945), a Alemanha tem dezenas de partidos políticos.

O vencedor das eleições – a não ser que obtenha maioria absoluta, o que é bastante raro – precisa formar coalizões para poder governar. O processo só é facilitado por causa da obrigação de fidelidade partidária.

Poucos países democráticos têm um sistema eleitoral tão confuso quanto Israel. Prova disso é que nos quatro anos compreendidos entre 2019 e 2022 o país teve cinco eleições legislativas.

Para governar, o primeiro-ministro israelense é obrigado a fazer alianças com partidos tão díspares como o dos judeus ultraortodoxos e os socialistas. Isso acaba terminando em desentendimentos e o Parlamento (Knesset) é dissolvido.

O que realmente torna o Brasil mais complicado do que todos os países acima é a quantidade de ocupantes de cargos “de confiança” que mudam a cada troca de governo. São milhares deles.

Enquanto isso não for resolvido, e parece que ninguém em Brasília está interessado no assunto (muito antes, pelo contrário), não haverá transição sem os complicadores que estamos testemunhando no momento atual.

O presidente Washington Luís (1869/1957) dizia que “governar é abrir estradas”. Há muitos anos que o lema foi oficiosamente substituído por “governar é nomear desde um ministro de estado até o assessor do auxiliar do aspone.

Antes de terminar, e só porque me lembrei do assunto neste momento, nos onze meses nos quais trabalhei numa empresa pública estadual, como diretor financeiro e administrativo, certa vez um funcionário, com um papelucho às mãos, me disse, na maior cara de pau, num final de quinta-feira:

Doutor Ivan (é assim que eles me chamavam), o médico me prescreveu três dias de repouso: “sexta, segunda e terça.”

Um ótimo fim de semana para todos.

Ivan Sant’Anna

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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