Mercadores da Noite #234: Maioria móvel

24 de julho de 2021
Não pude deixar de comparar a mecânica atual da bolsa com aquela na qual eu lidava no final da década de 1960 e início dos anos 1970.

Caro(a) leitor(a)  

Notícias divulgadas esta semana (ainda não confirmadas no Diário Oficial no momento em que escrevo este texto) dão conta de uma minirreforma ministerial.

Segundo elas, o senador Ciro Nogueira irá assumir a Casa Civil, cujo titular, general Luiz Eduardo Ramos, será deslocado para a Secretaria-Geral da Presidência, ocupada pelo ministro Onyx Lorenzoni.

Para não deixar Onyx órfão de um carguinho (ele é pau pra toda obra), será recriada a pasta do Trabalho e Previdência, da qual será o titular.

Esse remanejamento, dando um posto importante para o Centrão (do qual Nogueira é um dos líderes), põe fim a uma das últimas promessas de campanha de Bolsonaro: a de não negociar cargos com o Congresso.
    
Agora vejamos do que se trata a “Maioria móvel”, da qual o presidente irá precisar até o fim de seu mandato.

Em seu livro Tudo a declarar (Editora Nova Fronteira, 1989) o ex-ministro da Justiça Armando Falcão costumava dizer que o governo Juscelino Kubistchek, que não tinha maioria no Congresso, precisava negociar com a Oposição composta por extremos: a UDN, de direita, e o PTB, de esquerda.

Falcão e JK chamavam isso de “maioria móvel”. Se, por exemplo, o presidente queria aprovar uma lei que favorecia os petroleiros, ele se unia ao PTB para conseguir os votos necessários.

Por outro lado, se o propósito era beneficiar os empresários, com algum tipo de vantagem tributária, a UDN era o parceiro ideal.

Nos últimos anos, o Congresso teve dois expoentes em termos de bons negociadores, parlamentares que jamais deixavam de cumprir um acordo. Estou me referindo ao deputado Inocêncio de Oliveira, que chegou à presidência da Casa, e ao senador Romero Jucá, que servia a todos os governos, fossem de Centro, Direita ou Esquerda.

O próprio Jair Bolsonaro, que exerceu diversos mandatos, sempre militando no baixo clero, cansou de negociar com opositores.

Só como exemplo, digamos que o capitão precisasse de assinaturas para emplacar um projeto de financiamento da Caixa Econômica, com juros subsidiados, para construção de casas para agentes penitenciários, e queria o voto de Vicentinho, do PT. Recebia a seguinte contraproposta:
    “Eu assino desde que você assine esse meu, diminuindo a carga horária de trabalho dos mergulhadores de plataformas submarinas.”

Gostaria de salientar que o encontro acima foi invenção minha, apenas para explicar como a maioria móvel funciona.
    
Jânio Quadros, que sucedeu JK, não gostava de negociar com o Congresso, nem mesmo por intermédio de terceiros. Seu sucessor, João Goulart, só conseguiu assumir o cargo após a implantação do parlamentarismo e a nomeação de Tancredo Neves para primeiro-ministro.

Tancredo foi um dos maiores negociadores políticos que o Brasil já teve. 

Um plebiscito pôs fim ao novo regime e Jango pôde ser presidente de fato. Mas jamais teve o Congresso na mão.
     
Durante os governos militares, maioria móvel tornou-se letra morta. Bastava o general da vez cassar, através de Ato Institucional, parlamentares que se opunham com muita garra ao Planalto.

José Sarney, que caiu de paraquedas na presidência, conseguiu, nas eleições parlamentares de 1986, que seu partido, o PMDB, elegesse maioria absoluta no Congresso.

Foi a maior chance (por sinal, não aproveitada) que um presidente da história recente do Brasil já teve. Mas Sarney não soube aproveitá-la. Preferiu negociar com o Congresso o acréscimo de um ano em seu mandato: de quatro para cinco.

Fernando Collor de Melo não gostava de lidar com parlamentares, a não ser os de seu círculo íntimo. Em vias de ser cassado, o máximo que se dignou a fazer foi comparecer a um jantar na casa do deputado Onaireves de Moura.

Collor saiu-se tão mal no rega-bofe que o próprio Onaireves acabou votando a favor da aceitação do pedido de cassação.

Itamar Franco era outro que não apreciava um acordo. Felizmente, um dos seus ministros, Fernando Henrique Cardoso, primeiro nas Relações Exteriores, mais tarde na Fazenda, fazia isso por ele.

FHC talvez tenha sido o presidente que melhor soube administrar usando o método de maioria móvel. Conseguiu aprovar quase todas as suas propostas, inclusive a de reeleição.

Em seu primeiro mandato, Lula, através de seu chefe da Casa Civil, José Dirceu, simplesmente comprava os votos que precisava, pagando em cash. Foi o propalado Mensalão. Reeleito, Lula apelou para o Petrolão.
    
Tal como Fernando Collor, Dilma Rousseff também tinha ojeriza a deputados e senadores. Não foi por mero acaso que ambos terminaram cassados.

Certo ou errado, Jair Bolsonaro acabou se rendendo aos fatos "republicanos" de um país multipartidário.

Com Ciro Nogueira atravessando a Praça dos Três Poderes para lá e para cá, indo e vindo entre o Congresso e o Planalto, o governo terá maior poder de “persuasão” na cuia virada para cima e na cuia virada para baixo.

O mercado de ações, que consegue superar em pragmatismo senadores e deputados, gosta disso.

Se a coisa funcionar, e alguns projetos importantes forem aprovados, teremos Bolsa pra cima e dólar pra baixo.
    
Um forte abraço e um ótimo fim de semana.

Ivan Sant’Anna



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