Mercadores da Noite #212 - C F D C P L D C R

20 de fevereiro de 2021
no mercado como na vida, você jamais será um touro ou um urso bem-sucedido não tiver regras e disciplina.
  • Nota do editor: o Ivan Sant'Anna, que está em férias em fevereiro, nos deu acesso exclusivo a seu acervo inédito de crônicas sobre o mercado. Esta que você lê agora é uma delas. Aproveite-a! Ao longo do mês, publicaremos mais ‘relíquias literárias’ do mestre, escritor e trader nas próximas edições da Mercadores da Noite.

 

Caro(a) leitor(a),

Se você não faz a menor ideia do significado da sequência de letras acima, não se dê ao trabalho de procurar no Google, muito menos na Wikipédia. Não vai achar absolutamente nada. Nem mesmo o nome de um beque da seleção da Sérvia.

C F D C P L D C R são as iniciais de uma checklist que eu fazia antes de sair de casa lá pelos idos de 1970. Referem-se a Cigarros, Fósforos, Dinheiro, Chaves, Pente, Lenço, Documentos, Caneta e Relógio.

Hoje em dia não fumo (fora cigarro e fósforos!), raspo a cabeça (fora pente!), não uso mais lenços e, no lugar do relógio, tenho sempre no pulso um Fitbit, monitor de frequência cardíaca que já salvou minha vida pelo menos uma vez. Explico: sofro de arritmia cardíaca, e o dispositivo me avisou que o coração batia 182 vezes por minuto, o que me levou diretamente para um CTI, onde fui submetido a um desfribilador.

Criei essa sigla baseada em outra que fora concebida justamente para salvar vidas. Refiro-me a CIGEMAF.

CIGEMAF? Também não está no Google nem na Wikipédia. Trata-se de uma checklist que a gente usava no final dos anos 1950 no aeroclube do Carlos Prates, em Belo Horizonte, sempre antes de decolar no comando de um Paulistinha, monomotor que as escolas de pilotagem usavam na ocasião.

C - Comandos livres: com movimentos de pés e mãos, o piloto testava se os ailerons, os lemes (profundor e de direção), o estabilizador e os pedais estavam livres. Já houve casos nos quais o aviador morreu porque ele, ou o mecânico que o atendia, se esqueceu de retirar o calço do aileron ou de um dos lemes. Algemada, a aeronave se desgovernou na decolagem.

I - Instrumentos: A gente checava se nenhum daqueles reloginhos analógicos do painel acusava alguma anormalidade. Superaquecimento das cabeças dos cilindros, por exemplo.

G - Gasolina: aqui é simples: decolar com o tanque quase vazio (totalmente vazio não tem problema, porque não decola) é certeza de se espatifar logo após passar pela vertical da cabeceira, justamente uma das horas mais críticas do voo. À guisa de curiosidade, explico como funcionava o marcador de combustível dos aviões jurássicos de minha época. Uma rolha espetada em um arame boiava na gasolina. Como o tanque ficava logo à frente do piloto, quase no seu colo, à medida que a ponta superior do arame ia descendo por um furinho, ele sabia que o combustível estava se esgotando.

E - Estabilizador: tem três posições: cabrada (forçando o avião para subir), picada (para descer) e neutra. Tem de estar na última antes da corrida de decolagem. Já houve um DC-8 da Panair do Brasil que varou a cabeceira sul do aeroporto do Galeão, atravessou uma avenida e as pedras do quebra-mar e foi cair dentro d'água. Motivo: estabilizador picado.

M - Magnetos: aviões têm sistemas redundantes. No caso das aeronaves com motores a pistão, o piloto checa cada um dos magnetos isoladamente para ver se todas as velas de ignição (duas para cada cilindro) estão funcionando.

A - Ar quente do carburador: num clima tropical, tem de estar desligado na decolagem, para evitar superaquecimento do motor. Só é ligado quando a aeronave está numa zona de ar frio, em maiores altitudes.

F – Freios: o piloto pisa em ambos os pedais dos freios (um para cada roda), acelera o motor e verifica se o avião permanece imóvel, hipótese em que os freios estão funcionando.

Um trader deve também ter o seu C F D C P L D C R ou seu CIGEMAF. Que tal o FASOL?

Bem, FASOL é um nome destituído de qualquer apelo de marketing. Parece marca de xampu anticaspa. Mas C F D C P L D C R também não é lá essas coisas. Ambos me lembram as siglas das estatais que o PT costumava criar, a que fazia o projeto de estudo de viabilidade do trem-bala Rio/São Paulo, por exemplo.

A CIGEMAF, por outro lado, salvou vidas.

Quem sabe FASOL irá salvar sua carreira de home trader?

Portanto, alinhe seu teco-teco na cabeceira, oops... ligue seu computador e faça o FASOL antes de iniciar uma posição na bolsa, no mercado futuro ou nas opções. Balbucie repetidamente o solilóquio:

FASOL, FASOL, FASOL...

F - Fundamentos: só entre no mercado, seja como touro, comprando, seja como urso, vendendo, se os fundamentos estiverem a favor. Compre milho na BM&F se houver quebra na oferta ou pressão na demanda. “Shorteie” o Ibovespa se a recessão estiver se agravando ou se o Copom avisar que o viés da taxa Selic agora será de alta.

A - Análise técnica: confira. O que dizem os gráficos? Qual é a tendência? Ela aponta na direção de seu trade? Você quer comprar ações da Vale do Rio Doce e elas estão fazendo um fundo redondo? Ou completou uma cabeça e ombros invertida?

S - Stop: jamais ouse entrar no mercado sem prévia definição do ponto de stop. Mesmo que você não saiba quanto vai ganhar, e importantíssimo saber quanto está disposto a perder. Caso contrário, quem vai ser “stopado” será você.

O - Objetivo: você tem de ter um objetivo. E sugiro que esse objetivo seja no mínimo, aproximadamente, cinco vezes maior do que o prejuízo do stop.

L - Lote: defina bem seu lote. Não queira ser um Warren Buffett aos 22 anos. Um lote grande demais vai forçá-lo a ter um stop excessivamente curto. Lote muito pequeno poderá significar o desperdício da oportunidade de sua vida.

É óbvio que, nos sofisticados jatos comerciais de hoje, os CIGEMAF foram substituídos por extensas checklists, cujos itens são lidos de uma planilha pelo copiloto e repetidos pelo comandante da aeronave. Já para os profissionais de mercado, e mesmo para os investidores mais robustos, esse meu FASOL é muito rudimentar. Serve apenas para mostrar que, sem regras e sem disciplina, você jamais será um touro ou um urso bem-sucedido.

Hoje os traders usam critérios tais como volatilidade, RSI, algoritmos e informação, muita informação.

Você pode também seguir um bom analista, um cara que tenha um histórico de sucesso no mercado e que fará o CIGEMAF para você. Sua decolagem será perfeita, assim como seus voos de subida, cruzeiro e descida. Melhor: irá aterrissar exatamente no objetivo programado.

O mercado é simples. Nós é que o complicamos.

Abraço e um ótimo fim de semana,

Ivan Sant’Anna

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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