Quem paga para o BC segurar o dólar?

29 de setembro de 2021
Ficar intervindo no mercado de câmbio por meses e com um volume relevante pode parecer uma boa ideia à primeira vista, mas você acaba criando consequências. Quem pagará por isso?

Quem paga para o BC segurar o dólar?

Por Rodrigo Natali
 

Na sexta-feira passada, logo após o fechamento do mercado, o Banco Central anunciou que passará a fazer leilões de venda de 700 milhões de dólares, duas vezes por semana, até o final do ano. Somando todos os leilões, chegaremos a um volume de 18,1bi de dólares.

O motivo para isso seria fazer contrapartida aos fluxos de saída de câmbio que temos normalmente no final do ano. No entanto, o timing é um pouco curioso, uma vez que esses leilões, no ano passado, foram anunciados em meados de Novembro, e não em setembro.

Some a isso as diversas falas do ministro da economia, onde ele dizia em que patamar o dólar deveria estar (muito abaixo de R$ 5,30), mais o fato da inflação ter vindo acima das expectativas do mercado e do governo e ainda a recente reversão nos preços das commodities que vinham caindo a passaram a subir e começa a fazer sentido questionar se o anúncio não teve a ver com o nível de preço que chegamos, R$ 5,44 enquanto escrevo esse relatório.

Esse cenário se torna ainda mais razoável depois que o BC anunciou ontem à noite um leilão extra de 700 milhões de dólares sem haver fator técnico ou específico do nosso mercado que demonstrasse uma disfuncionalidade pontual que exigisse tal medida extra intempestiva.

Ontem, tivemos uma saída de estrangeiros da bolsa de apenas 25 milhões de dólares. Ontem também, o dólar atingiu o maior nível do ano na comparação com a cesta de moedas das economias desenvolvidas. E ontem, ainda, todos os ativos brasileiros, como taxas pré-fixadas e índice Bovespa, deterioraram, por ter sido um movimento macro, não específico do câmbio. Logo, nada de extraordinário aconteceu.

Na hipótese do Banco Central conseguir segurar o dólar, mas o resto dos ativos continuar piorando, você criará uma pressão vendedora muito mais forte nas ações brasileiras. Isso porque hoje a nossa bolsa tende a operar em linha com as bolsas mundiais. Num dia, por exemplo, em que todas as bolsas do mundo caem 3% em dólar, normalmente aqui dentro teríamos uma queda de 2% no Ibovespa e um alta de 1% no dólar. No entanto, se nesse dia o BC vender 5 bilhões de dólares e fizer a moeda cair 1,5%, a bolsa, para compensar, deverá cair 3,5%, para continuar caindo 2% em dólar e assim ficar em linha com os outros países.

Ficar intervindo no mercado de câmbio por meses e com um volume relevante pode parecer uma boa ideia à primeira vista, mas como em tudo em economia, você acaba criando consequências a um custo não desejado e que fatalmente vai ser pago por alguém. Se você errar a mão, quem tende a pagar por essa tentativa de segurar a inflação na marra será o acionista minoritário das ações na B3.

Conheça o responsável por esta edição:

Rodrigo Natali

Estrategista-Chefe

Rodrigo Natali tem graduação e MBA pela FGV. É especialista em câmbio e macroeconomia, tem 25 anos de experiência no mercado financeiro, tendo passado por diversas instituições nacionais e internacionais onde exerceu a profissão de trader e gestor de fundos de investimento multimercado.

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