Que venham as águas
Por Ivan Sant´Anna
Esta semana faltou energia por duas vezes na cidade do Rio de Janeiro. Ou foi apenas em meu bairro, ou mesmo no quarteirão onde fica meu condomínio.
Isso eu não tenho certeza. O que garanto é que as luzes de minha casa apagaram. Nada dramático. Foram dois (para usar o jargão popular) “apagõezinhos”.
Fui até a varanda para detectar a abrangência do blackout e não pude deixar de achar graça ao ver diversos vizinhos em seus apartamentos gritando:
“Fora Bolsonaro!”
O presidente pode ter suas culpas, mas entre elas certamente não inclui a estiagem prolongada dos últimos anos, com decréscimo constante dos níveis dos reservatórios das hidrelétricas.
Em grande parte do sudeste (excluindo o litoral) e sudoeste brasileiros o período de chuvas vai do início de outubro até o começo de abril. O resto do tempo é estiagem.
Nos últimos dois anos, gregorianamente falando, o padrão de precipitação pluviométrica caiu de 1.700 para 1.300 milímetros. Ou seja, quando as chuvas vierem desta vez, já irão encontrar os reservatórios em níveis muito baixos, alguns até vazios.
Essa próxima estação das águas terá de ser parruda para não causar graves prejuízos à indústria e à agricultura no ano que vem.
Quando eu tinha 14 anos, falta d'água e de luz eram rotina. Me lembro até hoje de uma marchinha, Vagalume, do carnaval de 1954 de autoria de Vitor Simon e Fernando Martins. Uma das estrofes dizia assim:
“Rio de Janeiro
Cidade que nos seduz
De dia falta água
De noite falta luz”
O termo “apagão” surgiu em 2001, quando o governo precisou implantar um regime de racionamento de energia por falta de combustível (água nos reservatórios).
De lá para cá, teríamos tido diversos déficits de energia não fosse a instalação de inúmeras termoelétricas. Apesar de poluentes e de produzirem um quilowatt bem mais caro, foram, literalmente, a salvação da lavoura e das fábricas.
Uma nova decepção hídrica irá ter efeitos perversos na economia e, por via de consequência, no mercado de ações.
Ah, antes que eu me esqueça, no carnaval de 1950, Emilinha Borba cantava:
“Tomara que chova
Três dias sem parar
Tomara que chova
Três dias sem parar
A minha grande mágoa
É lá em casa
Não ter água
Eu preciso me lavar.”
Tomara mesmo!