Ficção em três atos - Ato 2
Por Ivan Sant’Anna
Só para lembrar aos caros amigos leitores: esta é uma obra de ficção, segunda parte de uma série de três crônicas, ou atos, tendo como tema as eleições presidenciais de 2022.
Sábado, 7 de abril de 2018. Uma multidão se encontrava na porta do prédio onde morava o ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.
Em meio ao povo, Vladimir Ferreira, o Vlad, petista roxo desde que se entendia por gente, se propunha a defender Lula da execução de um mandado de prisão.
O contingente da Polícia Federal, designado para cumprir a missão, queria fazê-lo sem mortes, sem feridos, e mesmo sem um empurra-empurra a não ser o tradicional dos repórteres.
Emissários da PF iam e vinham ao prédio de Lula, tentando convencê-lo a obedecer à ordem judicial sem resistência.
Finalmente saiu um acordo. Lula disse que iria até a viatura policial desde que não fosse algemado nem submetido a nenhum tipo de constrangimento ou humilhação.
Tudo se passou tal qual o combinado. A única vítima do evento foi Vlad que, na ânsia de dar uma última espiada em seu ídolo, acabou sendo atropelado por um carro da imprensa que tentava perseguir a SUV que transportava o ilustre prisioneiro.
Vladimir foi colhido pelo capô e lançado para cima. Rolou sobre o teto e caiu de cabeça no asfalto, por trás do veículo. Sofreu seriíssima hemorragia cerebral. Entrou em coma irreversível.
Só que reverteu. Inacreditavelmente, Vlad acordou 1.730 dias mais tarde, em uma cama de enfermaria do Hospital das Clínicas.
Vários médicos e enfermeiros correram para vê-lo.
“Milagre!”, “impossível!”, cada um exclamou de seu jeito.
Vladimir Ferreira não deu a menor bola para a agitação ao seu redor. Seus olhos estavam concentrados num monitor de televisão que transmitia imagens do Rolls-Royce presidencial trafegando pelo Eixo Monumental, em Brasília, a caminho do Congresso Nacional.
De pé, Lula, ao lado de uma mulher que Vlad jamais vira na vida, acenava para o povo.
“Como é que ele fez para se tornar presidente? Não tinha sido preso? Não era inelegível? Como reverteu tudo em tão pouco tempo? A última imagem que tenho dele foi ao ser preso em São Bernardo do Campo (SP). Iam levá-lo para uma prisão em Curitiba.”
“Quando foi isso?”, interessou-se um dos médicos.
“Maio... não, abril, abril. Tem uns seis ou sete meses”, respondeu o paciente.
“Pois o senhor está aqui há quase cinco anos. Nesse período, uma epidemia matou mais de meio milhão de pessoas no Brasil, Jair Bolsonaro foi eleito, governou durante um mandato, fez de tudo para se reeleger mas Lula o derrotou no primeiro turno. Agora está indo para o Congresso tomar posse.”
“Cinco anos? Bolsonaro? Aquele que...? o paciente quase se ergueu na cama. Só não o fez porque não encontrou forças. “Ainda bem que eu dormi durante todo esse tempo. Foi Deus que me poupou de tanto sofrimento.”,
Vladimir Ferreira, o Vlad, nem se lembrou que era ateu.
Um abraço,
Ivan Sant'Anna