Mercadores da Noite #311: Como (não) fazer uma revolução ou dar um golpe de estado

14 de janeiro de 2023
Para quem se espantou com a reação positiva do mercado à fracassada tentativa de dar um golpe de estado, gostaria de salientar que aqueles atos de puro vandalismo resolveram um impasse.

Olá, leitor(a),

Para quem se espantou com a reação positiva do mercado à fracassada tentativa de dar um golpe de estado (ou seja lá que nome se possa dar às cenas de puro vandalismo praticadas em Brasília no último domingo), gostaria de salientar que aqueles atos resolveram um impasse que prometia se prolongar por muito tempo.

Eleito presidente por margem ínfima, Luiz Inácio Lula da Silva foi beneficiado pela união de todos os governadores e da maioria dos parlamentares em torno de sua figura.

Fora o apoio de boa parte dos cidadãos, que não podiam deixar de se indignar com a selvageria que tomou conta da Praça dos Três Poderes e seus arredores, sob a complacência, e até estímulo, das forças policiais encarregadas da segurança da capital do país.

Tornou-se mais fácil para Lula governar, embora tudo indique que quem era bolsonarista continua bolsonarista. Mas agora com muito menor poder de atuação.

O que mais revoltou as pessoas foram os atos de destruição de símbolos históricos e obras de arte de valor incalculável, como o relógio que a corte de Luís XIV doou ao príncipe regente Dom João VI.

* * *

A partir de sete de novembro de 1917, quando operários e camponeses russos, liderados por Alexander Kerensky, atacaram o palácio de Inverno, ato que marcou o início da revolução comunista, não houve nenhum tipo de depredação.

Mesmo mais tarde, quando Vladimir Ilyich Ulianov, mais conhecido como Lenine, liderou os vermelhos, que derrotariam os brancos (nome que se dava às tropas czaristas), deixando entre sete e 12 milhões de mortos (inclusive toda a família imperial, fuzilada pelos revolucionários), os tesouros do Kremlin, assim como as obras do museu Hermitage, em Petrogrado (mais tarde denominada Leningrado e atualmente São Petersburgo) permaneceram incólumes.

A própria catedral de São Basílio, da igreja ortodoxa russa, situada na Praça Vermelha, em Moscou, não foi destruída pelos comunistas, embora tenham tornado o ateísmo obrigatório.

Esconderam a fé no íntimo das pessoas, mas não destruíram as relíquias expostas nas igrejas.

Vejamos como os militares deram o golpe de estado (ou fizeram a Revolução, como preferirem) no Brasil em 1964.

Antes de mais nada, em princípio a intervenção das Forças Armadas não era necessária, uma vez que no ano seguinte, 1965, haveria eleições presidenciais, para as quais o favorito era o ex-presidente Juscelino Kubitschek.

Só que havia medo de que João (Jango) Goulart e seu cunhado, o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, tentassem transformar o país em uma república sindical, ou mesmo em uma nação socialista nos moldes de Cuba, onde Fidel Castro assumira o poder (após vitória nas armas) cinco anos antes.

O que precipitou o golpe (ou revolução) foi um discurso de Jango no Automóvel Clube do Brasil, situado no Passeio Público, no Rio de Janeiro.

Isso aconteceu na noite de segunda-feira, dia 30 de março de 1964.

Na ocasião, João Goulart conclamou os cabos, sargentos e suboficiais das Forças Armadas a se insurgirem contra seus oficiais (nota: eu morava em Belo Horizonte e assisti o ato pela televisão).

Tal coisa provocaria a queda do governo em qualquer país do mundo, mesmo nos Estados Unidos. Só que, nesse caso, as Casas do Congresso tratariam de descobrir uma maneira constitucional (ou aparentemente constitucional) de fazê-lo.

Algumas coisas precisam ser ditas sobre o que aconteceu em 31 de março (ou 1º de abril) de 1964:

- Havia amplo apoio popular a favor da derrubada de Jango.

- O presidente norte-americano, Lyndon Johnson, aconselhado pelo embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Lincoln Gordon, apoiou o novo governo, mesmo sem saber quem seria o presidente da República.

Castelo Branco só seria eleito, indiretamente, pelo Congresso Nacional, onze dias mais tarde, recebendo inclusive o voto de Juscelino Kubitschek (então senador por Goiás) e de Ulysses Guimarães (que lideraria a oposição à ditadura por longos anos).

Ou seja, se o regime não foi totalmente legal, pelo menos vestiu uma capa de legalidade. Todos os presidentes militares que se seguiram a Castelo Branco foram eleitos pelo Congresso Nacional, embora os oposicionistas mais radicais tenham tido seus mandatos cassados e não participaram das votações.

Outra maneira de se eleger e manter um regime ditatorial é através do voto. Foi o que aconteceu com a Venezuela.

Em 1992, o coronel Hugo Chávez fracassou na tentativa de dar um golpe de Estado contra o governo de Carlos Andrés Pérez. Foi preso mas solto logo depois.

Extremamente popular, Chávez se elegeu legitimamente em 1998, trazendo consigo aproximadamente 80% das cadeiras do Congresso venezuelano. Com apoio do povo, e controle quase total do Parlamento, um presidente mal-intencionado consegue qualquer coisa.

Hugo Chávez obteve do Congresso o direito de legislar por decreto-lei e aumentou o número de juízes da Suprema Corte de modo que não sofresse nenhum obstáculo nem do Legislativo nem do Judiciário.

Com a alta dos preços do petróleo (única mas enorme riqueza da Venezuela, detentora das maiores jazidas do planeta), Chávez conseguiu reduzir o número de pobres do país de 49,4% (1999) para 27,8% (2010).

Quando as coisas começaram a desandar, seu poder (obtido agora através de milícias “bolivarianas”) se consolidara. E permanece hoje nas mãos de seu sucessor (o coronel Chávez morreu em 05.03.2013), Nicolás Maduro.

Voltando ao Brasil, grupos de protesto (mesmo que brandindo a bandeira brasileira e ostentando a camisa da seleção) não conseguem assumir o poder sem o aval do Congresso, do Supremo Tribunal e, principalmente, sem o reconhecimento dos demais países.

A própria tirania da Coreia do Norte depende do apoio da China.

Percebendo todas essas obviedades, o mercado de ações subiu logo após o 8 de janeiro, data que ficará marcada na história tal como o 6 de janeiro americano.

Isso não quer dizer que a B3 vá continuar subindo.

Resta agora Lula descer do palanque e começar a governar de fato, visando prioritariamente o equilíbrio fiscal.

Por enquanto, seu grande trunfo é o tempo que a malta de Brasília lhe deu, quem sabe até um auxílio com o qual ele contava para ter mais apoio político e popular.

Um ótimo fim de semana para todos.

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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