Olá, leitor(a),
Exatamente nesse dia e nessa hora eu me sentei, com meus pais e irmãos, numa arquibancada armada no The Mall, em Londres, para assistir, seis ou sete horas mais tarde, a passagem da rainha Elizabeth II, em sua carruagem dourada, para a abadia de Westminster.
Um ano e quatro meses após o falecimento de seu pai, rei George VI, que reinara durante a Segunda Guerra Mundial, Elizabeth seria coroada rainha da Grã-Bretanha.
Minha família morava em Londres. Meu pai fazia doutorado na London School of Economics. Os três filhos estudavam em colégios particulares locais.
1953 foi um ano importante por diversas razões. Em Moscou, morreu Joseph Stalin, após governar a União Soviética por três décadas. O Everest foi conquistado pela dupla Edmund Hillary (neozelandês)/Tenzing Norgay (nepalês). Terminaram os combates na guerra da Coreia, através de um cessar-fogo que dura até hoje.
Curiosamente, Elizabeth II foi a chefe de estado que mais vi em minha vida, incluindo os brasileiros.
Em Londres, eu morava em Olympia, numa pequena rua transversal à Hammersmith Road. Certo dia, ao sair de casa, encontrei policiais e soldados na rua principal, postados a aproximadamente 100 metros um do outro.
Deduzi imediatamente que a rainha iria passar por ali e fiquei aguardando. Não deu outra coisa. Logo ela surgiu num Rolls-Royce, ou Bentley, fechado, acenando com a mão enluvada para os súditos que estavam na calçada esperando para vê-la, gesto que iria fazer ao longo de toda a sua vida.
Ainda naquele ano, nós estávamos na Princes Street, em Edimburgo, Escócia. Dessa vez ela passou num carro aberto com o marido, Phillip, e os dois filhos pequenos, Charles e Anne.
Passaram-se 15 anos e Elizabeth veio ao Rio de Janeiro, durante o governo Costa e Silva. E não é que a vi três vezes. Duas no Maracanã, num amistoso Rio/São Paulo em sua homenagem, com a presença de Pelé e Gerson, capitães dos dois times.
Minha cadeira perpétua ficava ao lado da tribuna de honra e fiquei a uns 15 metros da soberana durante quase duas horas. Quando acabou o jogo, eu a vi saindo do estádio, agora num carro fechado e tendo ao lado, correndo a pé, um pelotão de seguranças.
Na véspera, eu tinha visto o casal real saindo do monumento aos pracinhas no Aterro do Flamengo, quando passei ali por acaso. Meu filho mais velho, que tinha dois anos de idade, ficou deslumbrado com o aparato em torno da rainha.
Imagino agora a logística do funeral, que provavelmente será o mais visto, pessoalmente e na TV, de todos os tempos. Calculo a quantidade de chefes de estado, e ex-chefes de estado, que irão a Londres para os funerais.
Esse deslocamento em massa ocorreu em 1963, por ocasião das cerimônias fúnebres do presidente John Kennedy, em Washington DC, e se repetiu com as mortes de Nelson Mandela, na África do Sul, em 2013, e do papa João Paulo II, na praça São Pedro, Roma, em 2005.
Quem vai se dar bem com o falecimento da soberana será a primeira-ministra Liz Truss, que poderá trabalhar sossegadamente durante um bom tempo, com todas as atenções dos britânicos voltadas para os funerais da rainha e com os primeiros atos do rei Charles III. Isso se ele não quiser mudar de nome, uma das prerrogativas dos soberanos ao assumir o trono.
Acho também que o Reino Unido vai se beneficiar com o fato da rainha Elizabeth ter escolhido o castelo de Balmoral, na Escócia, para viver seus últimos dias.
Os escoceses devem ter se sentido honrados com isso e, se realmente for convocado um plebiscito sobre a separação Escócia/Inglaterra, como quer a primeira-ministra escocesa Nicola Ferguson Sturgeon, acho que a união deverá permanecer, tal como aconteceu na consulta popular anterior.
Elizabeth foi uma pessoa notável. E não digo isso apenas porque acabou de morrer. Ao lado de sua irmã, princesa Margaret, ambas ainda jovenzinhas, trabalhou como mecânica de caminhões durante a Segunda Guerra Mundial.
Nessa ocasião, a família real cumpriu todos os rigores do racionamento de gêneros, recebendo os mesmos cupons dos súditos. Ou seja, comendo batata com carne de carneiro, dia sim, o outro também.
Durante seus 70 anos de reinado, Elizabeth II jamais deixou de cumprir, com rigorosa eficiência, suas funções monárquicas. Vai deixar uma responsabilidade enorme para Charles e, mais tarde, para William.
Caso contrário, a monarquia britânica deixará de existir e o país se tornará uma república. Para isso, basta uma votação por maioria simples no Parlamento.
The Queen is Dead; God save the King.
A última vez que esse comunicado-saudação, com exatamente essas palavras, foi bradado aos quatro ventos aconteceu em 22 de janeiro de 1901, por ocasião da morte da rainha Vitória, sucedida por seu filho, Eduardo VII.
Um ótimo fim de semana para todos.
Ivan Sant’Anna