Mercadores da Noite #287: Mil e uma crônicas para a Inv

30 de julho de 2022
O total de crônicas que publiquei no site da Inv já passou de mil. Foram textos para as colunas Os Mercadores da Noite, Warm Up Pro, Trading Journal (já extinta) e Relatório Especial. Decidi então hoje transcrever trechos de algumas mais antigas, entre as que tiveram maior repercussão entre os leitores.

Olá, leitor(a),

Esta semana, conversando com meu colega de trabalho José Inácio Pilar, ele me disse que o total de crônicas que publiquei no site da Inv já passou de mil.

Foram textos para as colunas Os Mercadores da Noite, Warm Up Pro, Trading Journal (já extinta) e Relatório Especial.

Decidi então hoje transcrever trechos de algumas das mais Mercadores antigas, entre as que tiveram maior repercussão entre os leitores.

Na Os Mercadores da Noite nº 1, Conversar com príncipe é outra coisa, me apresentei aos leitores. Entre outras coisas, escrevi:

(...) Certa ocasião, no início de 1976, Didi (o meio-campista mítico, bicampeão mundial em 1958 e 1962) era técnico do Fluminense e chegou a época de renovar contrato. Didi queria ganhar 30 mil dólares por mês (naqueles tempos de inflação galopante pagava-se em cruzeiros mas negociava-se em dólares para que o valor se mantivesse corrigido). O clube ofereceu 25 mil.

          O impasse persistia quando Didi recebeu um telefonema de um príncipe da Arábia Saudita, que queria que ele treinasse seu time particular. Enviou as passagens e lá se foi o técnico para conversar.

          Já em Riad, Didi não teve como não se inibir quando entrou no palácio digno das mil e uma noites. E o príncipe foi logo definindo: 'Você vai morar num condomínio de luxo, terá carro com chofer, três meses de férias por ano e poderá treinar a equipe na Europa ou no Brasil durante outros três meses. Contrate ou dispense o jogador que quiser.' Só não falou sobre salário e Didi não teve coragem de perguntar.

          Ao final da conversa, os dois já de pé, Sua Alteza informou: 'Serão 150 mil dólares mensais, isentos de despesas e impostos, mais prêmios por vitórias e títulos.'  

Contrato assinado, Didi veio ao Rio pôr seus assuntos particulares em dia e pegar suas coisas. Me encontrei com ele por acaso na sede do Flu. 'Seu Ivan, conversar com príncipe é outra coisa', o mestre me disse.”

* * *

A crônica “Calça de veludo ou…fez um tremendo sucesso.

Vejam essa parte:

            “Certa época em que eu era diretor da distribuidora de valores FNJ, no Rio, resolvemos criar um fundo fechado de alto risco. O próprio nome já dizia tudo: Fundo de Investimentos FNJ de Alto Risco.

            Para não sermos objetos de reclamações de investidores ('especuladores' seria o termo mais adequado para o perfil dos cotistas que desejávamos captar), no próprio termo de adesão o interessado tinha de declarar que sabia que poderia perder todo o dinheiro aplicado. E que as chances disso acontecer eram muito grandes.

            A estratégia era comprar calls e puts super out of the money (ou “fora do dinheiro”, como se abrasileirou agora) e com pequeno time value, portanto prestes a vencer. Nosso objetivo era ter um lucro fenomenal. Se não o conseguíssemos, paciência.

            Curiosamente, muita gente aderiu ao fundo. A maior parte dos cotistas era composta de traders da própria FNJ e de profissionais de outras instituições financeiras. Gente que topava arriscar uma merreca para tentar dar uma porrada.

            Logo o fundo ganhou um apelido, Calça de veludo ou bunda de fora, ou simplesmente Calça.

            ‘Como está a cota do Calça?’, um aplicador ligava perguntando.
            ‘Ih, ferrou, cara. A maior parte das calls e puts virou pó. A cota fechou ontem a dois centavos. O caixa que sobrou não dá pra aplicar em nada. Estamos aguardando a entrada de novos recursos para fazermos alguma coisa.’

            Como só tinha profissa, ninguém reclamava.

            Com o passar do tempo, o Calça deixou de ser novidade e a entrada de recursos diminuiu muito. Mas sempre vinha algum. Afinal de contas, era melhor pôr dinheiro ali do que, por exemplo, apostar na loteria esportiva.

            Então aconteceu.

            Eu havia aplicado todos os recursos do fundo numa opção de compra de Vale do Rio Doce que venceria no pregão seguinte. Para que desse exercício, precisaria que a Vale subisse no mínimo uns seis por cento.

            Passou de onze!!!

            Tudo por causa de uma inesperada maxidesvalorização do cruzeiro.

            Eu não me lembro exatamente dos números, mas a cota subiu algo como de cinco centavos para 25 cruzeiros. Ninguém ganhou uma fortuna porque ninguém aplicava muito. Mas muita gente pôde, com isso, comprar um carro zero ou passar férias na Europa. Por conta do Calça.”

* * *

Outra crônica que teve a maior repercussão, foi “A eguinha Energia”. Leiam essa parte:

Eu tinha uns 13 anos de idade, estudava em um internato de padres (na verdade, irmãos maristas) no Rio e nos fins de semana me dividia entre jogos no Maracanã e corridas de cavalos no Hipódromo da Gávea, estas últimas terminantemente proibidas por minha mãe, que tinha horror a jogo.

Essa proibição não se constituía em nenhum empecilho para mim. Era só dizer que estava indo ao futebol ou ao cinema, pegava um bonde (o 10, Gávea, ou o 11, Leblon) e descia no Jóquei.

            Como quase todo mundo que aposta nas patas dos cavalos, eu era um perdedor contumaz. Quase sempre deixava nos guichês do hipódromo toda a ‘mesada semanal’ (essa expressão não faz muito sentido mas era assim que a gente falava: ‘mesada’, paga todo sábado). Ao longo da semana, no internado dos padres, não tinha nem uns trocados para comprar um Grapette e um sanduíche de mortadela na cantina.

            Eis porém que numa dessas minhas idas ao Jockey apostei, por engano, cinco cruzeiros numa égua, número 4, chamada Energia. Quando voltei para o meu lugar nas gerais constatei meu erro. E fiquei desolado ao ver que a Energia pagava duzentos por um. E cavalo (ou égua) que paga 200 por um sempre tira último.

            Começou o páreo. De longe não dava para ver onde a égua estava mas o Jockey Club transmitia, na voz do lendário locutor Teófilo Vasconcelos, o andamento da corrida. Até que Vasconcelos começou a falar no nome de minha eguinha. E eu a vi atropelando por fora. Passou pelas gerais, em seguida pelas tribunas especiais e cruzou disco em primeiro em frente às sociais.

            Eu quase que não acreditei quando, no guichê, o pagador me deu uma nota de um 'Cabral' (um conto de réis). Eu ficara rico. E poderia realizar o grande sonho de minha vida que era o de ...”

* * *

Chevette Rosa Pantera”, publicada em maio de 2018, também me valeu dezenas de mensagens de leitores.

Vejam o que pincei da crônica:

           “Em meados dos anos 1970, época em que a importação de automóveis era proibida no Brasil, e os consumidores tinham de depender única e exclusivamente do vaivém do mercado interno, eu quis comprar mais um carro para a família.

            Minha intenção era adquirir uma perua Chevrolet Caravan. Rodei diversas concessionárias da General Motors aqui no Rio de Janeiro. O máximo que eles ofereciam para os clientes era a assinatura em uma lista de espera, mediante pagamento de um pequeno sinal.

Finalmente cheguei à Mesbla, no bairro de Botafogo, uma das representantes da GM.

            ‘Infelizmente, Caravans só para daqui a três ou quatro meses’, o vendedor abriu os braços desoladamente. ‘Mas temos Chevette. Aliás, apena um, o último.’

            Não era bem o que eu queria, mas antes um Chevette do que comprar um veículo usado, coisa que detesto. Gosto do cheirinho dos zero quilômetro.

            ‘Só tem um problema’, prosseguiu o vendedor. 'A cor do carro é rosa pantera.'
            ‘Rosa pantera?’, não tive como não achar graça. Mas resolvi dar uma olhada no Chevette. Era horrível. Parecia o carro da Barbie. Não sei como a General Motors tinha coragem de produzir uma obscenidade como aquela.

            Se o leitor acha que estou exagerando, entre no Google e digite 'Chevette Rosa Pantera'. A seguir clique em imagem….

Brevemente publicarei alguns trechos de crônicas que fizeram sucesso na série Warm Up Pro.

Um ótimo fim de semana para todos.

Ivan Sant’Anna
 

Nota do Editor: Além de assinar a Mercadores da Noite, que sai aos sábados aqui e em podcast nas plataformas Spotify e Deezer etc., Ivan Sant'Anna também escreve todas as segundas, terças e quintas-feiras a coluna Warm Up PRO, que você pode conhecer clicando aqui!

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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