Mercadores da Noite #285: Inflação: lições do passado

16 de julho de 2022
Acho muito difícil que o Brasil, tendo aprendido tantas lições no passado, deixe fracassar mais uma moeda.

Olá, leitor(a),

 

Atualmente, a ordem do dia nos mercados nacional e internacional é inflação.

Começando pela nossa, ela tem tantas causas que é impossível determinar qual a que mais influencia.

“Inflação importada”, “pandemia da Covid-19”, “guerra da Ucrânia”, “perspectiva de eleição presidencial tumultuada, com ameaça de golpe”, “estouro do teto de gastos”, “supressão do teto de gastos”, “Lula gastador”, “Bolsonaro gastador”, ou mais provavelmente tudo isso combinado.

Em 2015, ocorrera a última inflação anual brasileira de dois dígitos: 10,67%, medidos pelo IPC.

A causa foi o processo e a concretização do impeachment de Dilma Rousseff, que antes de ser afastada fez o que podia e o que não podia para, digamos, amaciar os deputados com distribuição de cargos e verbas.

Sem contar que madame Rousseff, sendo economista formada, valia-se disso para ditar uma política monetária frouxa ao presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, que a obedecia bovinamente.

A inflação anterior de dois dígitos, mais precisamente em 2002, quando o IPC bateu 12,53%, deu-se por causa de Luiz Inácio Lula da Silva.

“Mas como por causa do Lula?", pode estar questionando um leitor mais atento, “se o presidente naquele ano era Fernando Henrique Cardoso. Lula só tomou posse em 1º de janeiro de 2003.”

Nada mais simples, eu respondo à pergunta imaginária.

“Ao longo de 2002, quando o mercado foi se conscientizando que Lula seria eleito, comprou dólares a rodo, elevando a cotação da moeda americana a quase quatro reais (3,9552), o que equivaleria hoje a aproximadamente R$ 10,00.”

Digamos que foi uma inflação defensiva, que provou-se desnecessária quando Lula iniciou seu governo com uma política monetária e cambial austera, tendo Antonio Palocci no ministério da Fazenda e Henrique Meirelles na presidência do Banco Central.

Antes de 1994, quando foi lançado o Plano Real, a inflação brasileira era crônica, variando entre galopante, hiperinflação e inflação represada, esta última quando o governo lançava algum (foram vários) plano heterodoxo.

Nos países desenvolvidos, do fim da Segunda Guerra Mundial para cá, também houve alguns períodos inflacionários, embora nada que se comparasse ao caso brasileiro.

Vou me ater aos Estados Unidos para o texto não ficar muito longo e complicado.

Havia tantos anos sem inflação em dólares, que as pessoas até tinham se esquecido que isso era possível, principalmente os mais jovens, que não conviveram com o dragão.

Na quinta-feira desta semana, dia 14 de julho, o Bureau of Labor Statistics dos EUA divulgou o PPI (Producer Price Index – Índice de Preços dos Produtores) de junho: 1,1% e o índice acumulado do ano: 11,3%.

Os níveis do PPI anual americano alcançados neste ano são os maiores desde 1981, por ocasião do Segundo Choque do Petróleo.

Por enquanto, embora em alta a cada reunião, a taxa básica praticada pelo FOMC (Federal Open Market Committee – Comitê Federal de Mercado Aberto do FED), está longe dos 19,83% fixados pelo lendário Paul Volcker, que simplesmente decapitou a inflação em seu país.

Isso aconteceu em janeiro de 1981, portanto há 41 anos.

Não fossem os riscos políticos, monetários e cambiais em um ano de eleições presidenciais, eu diria que o Brasil agora saiu na frente no combate à inflação.

Em 1973, após a guerra do Yom Kippur, o presidente Emilio Médici simplesmente ignorou a alta do petróleo, e seu governo, que terminaria em cinco meses, não adotou nenhuma providência drástica.

A bomba caiu no colo do sucessor de Médici, Ernesto Geisel, que tomou posse em março de 1974.

Daí em diante, e até o advento do Plano Real, o Brasil seria um caso à parte, com a inflação sempre fazendo novas máximas. Começou a ser medida diariamente, correção essa que era aplicada nos saldos das contas bancárias.

Como bem mais da metade dos brasileiros não tinha conta em banco, eles tinham de correr para o supermercado tão logo recebiam seus salários. As classes média e alta possuíam cartões de crédito de diversas bandeiras, para sempre ganhar dias (e dia era lucro) com suas compras.

De quando em vez surgia um choque heterodoxo que mudava o nome da moeda, cortava zeros e aplicava tablitas.

Nessas ocasiões, quem tinha algum tipo de crédito, inclusive caderneta de poupança, CDBs ou títulos do Tesouro, via desaparecer um naco de seu dinheiro.

Em contrapartida, aqueles que deviam, fossem prestações de casa ou de automóvel, viam suas dívidas virarem pó, como aconteceu comigo duas vezes.

Acho muito difícil que o Brasil, tendo aprendido tantas lições no passado, deixe fracassar mais uma moeda.

Um ótimo fim de semana para todos.

Ivan Sant’Anna
 

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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