Mercadores da Noite #284: Homenagem a um broker

9 de julho de 2022
Seu nome, Eduardo Belisário Bouchardet. Mas os familiares e amigos o chamavam de Bituca. Nos últimos tempos, eu o via uma ou duas vezes por ano. A última foi no aniversário de 70 anos de sua irmã, que por sinal foi minha primeira mulher.

Olá, leitor(a),

Seu nome, Eduardo Belisário Bouchardet. Mas os familiares e amigos o chamavam de Bituca. Tinha 81 anos de idade ao morrer, na última terça-feira, após oito meses de sofrimento num hospital de Belo Horizonte.

Foi enterrado na quarta, no cemitério de Pedro Leopoldo, cidade próxima de BH, onde agora repousa junto aos seus pais e parentes.

Conheci o Bituca em 1958, quando ambos tínhamos 17 anos (ele era três meses mais moço do que eu). À época, minha família havia se mudado para a capital mineira, onde meu pai foi ser diretor da Usiminas.

Logo arranjei emprego numa corretora de câmbio e valores, enquanto ele foi trabalhar na Caixa Econômica.

Só que nossa praia era a aviação. Juntos, tiramos brevê no aeroclube do Carlos Prates.

Como me dei muito bem no mercado de câmbio, releguei a aviação a hobby. Mas Eduardo resolveu fazer carreira. Após o brevê de piloto privado, obteve licença comercial.

Primeiro trabalhou como copiloto de um bimotor Beechcraft Baron. Mas tarde se associou comigo e outros dois sócios em uma empresa de táxi aéreo, se é que se pode dar esse nome a uma companhia de um único avião Cessna monomotor.

Certa ocasião, após um pouso desastrado com tesoura de vento no aeroporto da Pampulha, Bituca me pediu para conseguir emprego na corretora em que eu trabalhava.

Foi contratado. Só que, como não conhecia nada de mercado, sua primeira função foi a de fazer liquidações de títulos em São Paulo. Passou a viajar quase todas as noites de BH para São Paulo e de São Paulo para BH em ônibus da Cometa. Melancólico desfecho para um piloto comercial.

Foi quando consegui uma bolsa de estudos, paga pelo governo dos Estados Unidos, para estudar mercado de capitais em Nova York.

Enquanto eu estava lá, o Eduardo saiu da liquidação e começou a atender clientes no escritório da corretora. Revelou-se excelente profissional.

Numa época em que se negociava tête-à-tête, ele recebia os investidores em sua mesa.

Logo conhecia os hábitos e tendências de cada um deles. Havia os conservadores, os ousados e até mesmo os especuladores de alto risco.

Quando regressei de Nova York, vim trabalhar no Rio. Primeiro no grupo Ducal, depois na corretora Fator, fundada por mim.

Volta e meia ia a Belo Horizonte. Bituca agora tinha sua própria sala e uma vasta carteira de clientes, que o consideravam um amigo íntimo.

Ah, antes que eu me esqueça, no inverno (do Hemisfério Norte) 1971/1972 fizemos uma viagem a Madrid, Toledo, Roma, Nápoles, Florença, Veneza, Salzburg e Paris com as respectivas.

Eduardo Bouchardet trabalhou como broker durante aproximadamente vinte anos. Até que um dia se cansou e decidiu montar uma marmoraria.

Deu certo por algum tempo. Depois vendeu o negócio e se aposentou pelo INSS. Comprou uma casa, mais tarde trocou por um apartamento, onde seu único hobby era literatura. Devorava um livro atrás do outro.

Percorria os sebos de Belo Horizonte comprando livros, de preferência antigos, principalmente em francês, língua que aprendeu sem professor. Apenas lendo, com um dicionário ao lado.

Nos últimos tempos, eu o via uma ou duas vezes por ano. A última foi no aniversário de 70 anos de sua irmã, que por sinal foi minha primeira mulher.

Eduardo estava abatido pois tivera de retirar um tumor maligno de um dos pulmões.

Há aproximadamente um ano sofreu uma infecção pulmonar, passou uns cem dias entubado no CTI de um hospital, de onde conseguiu sair para um quarto. Mas nunca mais teve alta.

Não sei se teve oportunidade de ler meu último livro, Coração de Trader, do qual lhe enviei um exemplar.

Esta semana ele se foi, deixando uma legião de amigos.

Aviador, pequeno comerciante, broker… foi nessa terceira função que ele se destacou mais. Seus clientes seguiam todas as suas recomendações, sem pensar duas vezes.

A propósito de sua morte, recebi de sua irmã o seguinte texto:
 

Se você quiser me encontrar,
não vá mais aos lugares por

onde andei ou morei.

Já não moro mais em minha

casa, nem viajo mais por aí.

Se você quiser me encontrar,
pare um pouco e,

em silêncio, pense em mim.

Se você quiser me encontrar,
olhe bem dentro de você.

Sinta seu coração bater forte,

sinta-se feliz e não

procure mais por mim.

Eu estou aí…

Dentro do seu coração!

 
Ivan Sant’Anna

 

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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