Mercadores da Noite #279: Jogo Brasil - trecho inédito

4 de junho de 2022
Há duas semanas, publiquei aqui um trecho inédito de meu livro “Jogo Brasil”, o tal que ninguém quis lançar por ser politicamente incorreto. Só que há trechos que escapam a essa suposta incorreção. Aqui vai mais um deles.

Caro(a) leitor(a),

 

Há duas semanas, publiquei na “Mercadores da Noite” um trecho inédito de meu livro “Jogo Brasil”, o tal que ninguém quis lançar por ser politicamente incorreto.

Só que há trechos que escapam a essa suposta incorreção e aqui vai mais um deles:
                     

A base do negócio

“Augusto Pires venceu Sereno Pessoa por uma diferença de quatro milhões de votos. Na segunda-feira 30 de outubro de 2006, dia seguinte ao do segundo turno das eleições, a bolsa de valores subiu quase 10%. Na contramão, o dólar caiu violentamente.

Dizer que o mercado financeiro gostou da vitória de Pires é pouco. O mercado simplesmente exultou. Os riscos Sereno e Sebastiana, que haviam prometido criar novos impostos para o que chamavam de ‘jogatina das bolsas’, estavam adiados por, no mínimo, mais quatro anos.

À noite, Simone saiu com o pessoal da mesa para comemorar a ‘vitória do capitalismo’. Sérgio Vilhena não quis ir. Não porque fosse socialista, marxista, trotskista, maoísta ou qualquer ‘ista’ do dicionário da esquerda. Muito menos votara em Sereno ou Sebastiana. Vilhena não aderiu ao convescote porque ‘não quis ver a guria confraternizando com os outros moleques’. Isso foi o que ele pensou, mas não o que disse.

“Já tenho um compromisso, gente”, desculpou-se, e deixou o escritório às pressas. Foi roer pé de mesa no Alvaro’s, justamente o restaurante que o pessoal acabou escolhendo para a comemoração.

Como seu compromisso não apareceu, porque não existia, Vilhena acabou se juntando aos colegas. Bebericando seu Jack Daniel's, relaxou. Aos poucos, cada um foi saindo e a mesa encolheu. Até que sobraram Simone e Sérgio, ele porque não resistiu à tentação de ficar a sós com ela, Simone porque julgou que já o tinha tentado suficientemente.

Tal como dois artistas obedecendo à rubrica de uma das cenas de um script, sem margem para improvisações, eles se deram as mãos e roçaram as coxas.

“Isso não vai dar certo”, Sérgio ciciou no ouvido de Simone.

“Eu sei que não vai”, ela murmurou de volta. “Mas, quem sabe, dá certo hoje. Eu tava louca pra ficar com você de novo.”

O amanhã foi igual ao hoje. Simone Ferreira e Sérgio Vilhena iniciaram um caso. Que, como sempre acontece nessas situações, acabou não sendo segredo para ninguém. Só que o pessoal da mesa de operações do EME não deu a mínima. Como não daria a mínima se Simone namorasse um beque do Olaria, nem se Sérgio tivesse um affair homossexual com o protagonista da novela das nove.

Simone contou para a mãe, Luísa, que não gostou.

“Puxa vida, minha filha. Pelo que você tá falando, ele já é um senhor de idade.”


“Que senhor de idade, mamãe? O Sérgio tem 48 anos. É maduro, bem resolvido na vida. E estamos apenas namorando. Não significa que nosso relacionamento atual vai virar um compromisso mais sério.”


“E vocês estão…?”


“Não, mamãe. Nós estamos namorando de mãos dadas num banco da pracinha, acompanhados de uma chaperone.”

Luísa deu a notícia ao marido, Mário.

“Isso de se interessar por um homem mais velho é coisa passageira”, Mário Ferreira brandiu um indicador profético. “Já, já, ela vai se cansar dele”, o tom de voz de Mário revelou firmeza. “Só espero que ela tome as devidas precauções.”

Na segunda quinzena de novembro, Augusto Pires, que vinha escolhendo aos poucos sua equipe de governo, indicou Rodrigo Telesca para a presidência do Banco Central. Numa cortesia com o sucessor, o presidente ainda em exercício, Jonas Fernandes, encaminhou o nome de Telesca para ser apreciado pelo Senado.

“Você conhece esse sujeito?”, Celso Millani perguntou a Sérgio Vilhena.

“O Telesca? Muito”, Vilhena não hesitou. “Foi meu colega na PUC. É um cara super hiper ortodoxo. Desses que acham que o FED e o FMI são mãos fracas. Um economista brilhante. Nós tínhamos ótimas relações na faculdade. Ele foi chefe da mesa de operações do Banco Central. Mais tarde se mudou para Brasília, já como diretor de Política Monetária do BC. Ah, antes disso, naquele ano em que eu tirei meu período sabático em Canoa Quebrada, ele também passou um tempão lá. Acho que estava de licença no banco.”

“Então vocês puderam reforçar a amizade”, Celso Millani se interessou vivamente. Ter um funcionário amigo da maior autoridade monetária do país era sempre um ativo importante.

“Com certeza. O curioso é que, outro dia, lendo o currículo de Telesca num jornal, vi que em 1998 ele fez um curso de um ano na London School of Economics. Isso é impossível. Nessa época, ele estava em Canoa. Que nem um hippie. Descalço o dia inteiro, sem camisa, de bermudão colorido e barba crescida. Eu mesmo custei a reconhecê-lo.”

Millani não perdia uma palavra.

“Apesar disso tudo, Celso”, Vilhena prosseguiu, “posso lhe garantir que ele vai dar um ótimo presidente do Banco Central. Pode apostar numa política econômica austera.”

“É isso que é importante”, Millani fingiu se dar por satisfeito. “Mas, quem sabe, essa história de hippie no Nordeste e esse convívio de vocês rendem alguma coisa pra gente no futuro. Sem falar nesse lance da London School. Você sabe, informações são a base do nosso negócio. Bem aproveitadas, podem render uma grana roxa.”

Sérgio Vilhena respondeu com um sorriso enigmático que não dava a menor pala sobre o que ele estava pensando.

A sabatina no Senado foi mera formalidade e o nome de Rodrigo Telesca foi aprovado sem maiores restrições.

Um ótimo fim de semana a todos,

Ivan Sant’Anna

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

A Inv é uma Casa de Análise regulada pela CVM e credenciada pela APIMEC. Produzimos e publicamos conteúdo direcionado à análise de valores mobiliários, finanças e economia.
 
Adotamos regras, diretrizes e procedimentos estabelecidos pela Comissão de Valores Mobiliários em sua Resolução nº 20/2021 e Políticas Internas implantadas para assegurar a qualidade do que entregamos.
 
Nossos analistas realizam suas atividades com independência, comprometidos com a busca por informações idôneas e fidedignas, e cada relatório reflete exclusivamente a opinião pessoal do signatário.
 
O conteúdo produzido pela Inv não oferece garantia de resultado futuro ou isenção de risco.
 
O material que produzimos é protegido pela Lei de Direitos Autorais para uso exclusivo de seu destinatário. Vedada sua reprodução ou distribuição, no todo ou em parte, sem prévia e expressa autorização da Inversa.
 
Analista de Valores Mobiliários responsável (Resolução CVM n.º 20/2021): Nícolas Merola - CNPI Nº: EM-2240