Mercadores da Noite #278: Lidando com a Petrobras

28 de maio de 2022
Acho que o grande erro começou lá atrás, durante o segundo governo Vargas, com aquela patriotada de "O petróleo é nosso".

Caro(a) leitor(a),

Desde 1958, quando, aos 18 anos de idade, comecei a trabalhar no mercado financeiro, lidei com a Petrobras, seja fazendo negócios com a empresa, seja operando seus papéis.

Para início de conversa, hoje em dia não compro ações da companhia e desaconselho as pessoas a fazê-lo. Simplesmente não posso confiar em um papel cuja cotação varia de acordo com os humores, e atitudes, do ocupante da vez do Palácio do Planalto.

Mas voltemos ao início, quando comecei na profissão de mercador.

Naquela época, eu operava câmbio numa corretora de Belo Horizonte. A cotação  do dólar era livre, tal como hoje. Mais tarde, e durante muito tempo, seria tabelada pelo governo, até ser liberada de novo na administração FHC.

Eu comprava dólares dos exportadores, sendo a Cia. Vale do Rio Doce (atual Vale) meu maior cliente, e vendia para os importadores, dos quais a Petrobras era o principal.

Pudera. O Brasil só produzia, no Recôncavo Baiano, 20% do petróleo que consumia. O resto vinha de fora.

O normal seria eu fazer operações casadas: compra da Vale e venda para a Petrobras, ganhando apenas a corretagem.

Só que, com o tempo, percebi claramente os dias nos quais as duas empresas tinham mais chances de comprar ou vender divisas. E comprava (ou vendia) dólares de véspera, quando a cotação valia a pena.

Não seria exagero dizer que lancei o mercado futuro de dólares no Brasil, embora na ocasião os negócios fossem feitos apenas de boca, de maneira totalmente informal.

Quando, no início dos anos 1960, o câmbio passou a ser tabelado, tornei-me um simples (com todo respeito) despachante, carimbador e assinante de CCCs (Certificados de Cobertura Cambial).

No início de 1966 mudei para os Estados Unidos, onde estudei Mercado de Capitais (Portfolio  Management) na NYU.

Nessa ocasião, esqueci totalmente que a Petrobras existia.

De volta ao Brasil, vim morar no Rio de Janeiro. Fundei a Fator Corretora de Títulos S.A. (atual Banco Fator). Fui operar ações na Bolsa, como floor trader.

Certo dia (acho que foi em 1969) adquiri para mim um bom lote de ações ordinárias da Petrobras. Paguei algo como 80 centavos de cruzeiro pelo papel.

Acontece que o acionista que vendeu para mim, através da Bolsa, era estrangeiro. E estrangeiros não podiam ser acionistas da Petro.

Resultado: tive de entrar numa pendência burocrática com a Caixa de Registro e Liquidação da Bolsa, pendência essa que durou dois anos.

Quando as ações, finalmente, passaram para o meu nome, em pleno bull market de 1971, a Petrobras ordinária tinha subido para 12 cruzeiros, uma alta de 1.400% sobre o meu preço de compra.

Vendi todo o lote e adquiri uma cobertura duplex em Ipanema, com piscina e vista para o mar, um monomotor Cessna 180 e um Galaxie 500 (o carrão da época).

Ah, todas as semanas eu comprava um carro velho, pois praticava futebol de automóveis, esporte badaladíssimo na época. O autobol.

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Como sempre acontece, o bull market de ações chegou ao fim. Passei a trabalhar no open (over, para os íntimos), que por sinal rendia muito mais dinheiro do que a Bolsa de Valores.

Em 1977, quando tive de vender a Fator para pagar prejuízos de clientes que compraram comigo CDBs do banco Independência, que sofrera intervenção do Banco Central, desisti de operar no mercado brasileiro.

Fui ser broker e trader da corretora Shearson Lehman Brothers, em Chicago. Esqueci totalmente o mercado brasileiro. O confisco do Collor, por exemplo, não me afetou em nada.

No final de 1993, decidi escrever um livro. Aos poucos me apaixonei pelo projeto do que seria Os Mercadores da Noite.

Por fim, concluí que não dava para operar no mercado e ser escritor ao mesmo tempo. Optei então pela segunda hipótese, mas mantive meu dinheiro nos Estados Unidos, numa conta em San Juan de Puerto Rico.

Foi justamente em San Juan que voltei a me reencontrar com a Petrobras.

Durante o escândalo do Petrolão, as obrigações da Petro, emitidas em dólares e rendendo seis por cento ao ano, passaram a ser negociadas com um deságio tremendo no mercado americano.

Como eu sabia que a Petrobras jamais iria quebrar de fato (o governo não deixaria) apliquei todos os meus recursos nessas obrigações.

Com o deságio, e o P. U. (preço unitário) lá em baixo, a rentabilidade equivalia a uns 9% a.a. Em dólares, bem entendido. Isso numa época em que a taxa básica do FED estava próxima de zero.

Quando, já no governo Temer, e o Pedro Parente na Petrobras, as obrigações voltaram a negociar ao par, e até mesmo com ágio, liquidei tudo.

Aproveitei a lei do repatriamento, paguei 15% de IR, e mais 15% de multa, trouxe meu dinheiro para o Brasil e apliquei em blue chips da B3, boas pagadoras de dividendos.

Não pus um centavo sequer em ações da Petrobras, assim como no Banco do Brasil ou outras empresas controladas pelo governo.

Continuo com essa filosofia, cada vez com maior convicção.

Curiosamente, e por circunstâncias específicas, a Petrobras jamais me deu prejuízo. Muito pelo contrário, só tive experiências boas.

Acho que o grande erro começou lá atrás, durante o segundo governo Vargas, com aquela patriotada de O petróleo é nosso.

Se o Brasil tivesse licitado as áreas petrolíferas para empresas de qualquer país, inclusive as daqui, sem que nenhuma tivesse monopólio, teríamos hoje a seguinte situação: Com certeza estaríamos produzindo muito mais óleo e gás. Os preços nas bocas das plataformas e refinarias estariam flutuando de acordo com a lei da oferta e procura.

As empresas estariam concorrendo entre si e não haveria nenhum tipo de crise, mesmo com os preços altos, já que é esse o mercado. Como é o da soja, do milho, do trigo, do aço e dos fertilizantes.

Nunca ouvi ninguém gritar “o milho é nosso!

A Petrobras é um erro que começou no nascedouro e até hoje não foi corrigido.

E tenho lá minhas dúvidas se será um dia.

Um ótimo fim de semana para todos.

Ivan Sant’Anna

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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