Mercadores da Noite #271: O mercado e a guerra

9 de abril de 2022
Deu tudo errado para Putin e tudo certo para Zelensky. E como o mercado se comportou perante tudo isso? Foi prático, pragmático e dedutivo, como sempre é.

Caro(a) leitor(a),

Quando tropas russas começaram a se concentrar nas proximidades da fronteira ucraniana, o presidente norte-americano Joe Biden denunciou:
“Eles estão preparando uma invasão.”

Mais do que depressa, e com a maior desfaçatez, Vladimir Putin negou:
”Estamos apenas fazendo exercícios militares de rotina!”

Com efeito, logo depois algumas tropas se afastaram da divisa. Mas, em poucos dias, voltaram com força total, invadiram o país vizinho, não apenas a parte sul, no litoral do mar Negro, como se temia, mas também a região norte, mais próxima à capital, Kiev.

Os primeiros objetivos de Putin eram ambiciosos. Ele queria que o presidente Volodymyr Zelensky fosse deposto pelos militares, que o país se desarmasse e se declarasse um estado neutro. Ah, que também renunciasse, através da Constituição, a qualquer intenção de, no futuro, participar da OTAN.

Deu tudo errado para Putin e tudo certo para Zelensky.

“Mas como tudo certo?”, alguém poderia questionar, “se o país está sendo destruído por tropas terrestres, tanques, mísseis, aviões e drones russos.”

Deu certo porque eles estão resistindo ao inimigo dez vezes mais forte e conquistando a opinião mundial. O próprio Papa Francisco apareceu esta semana numa sacada do Vaticano empunhando uma bandeira ucraniana.

E como o mercado se comportou perante tudo isso? Foi prático, pragmático e dedutivo, como sempre é.

As bolsas de valores, por exemplo, estão muito mais interessadas na inflação e nas taxas de juros americanas do que nos males causados pela guerra.

Por outro lado, as commodities diretamente influenciadas pelo conflito dispararam de preço. Estou me referindo ao petróleo, gás natural, trigo, níquel, fertilizantes etc., produtos que dependem do fornecimento dos países em guerra.

Evidentemente essas matérias-primas, quando encarecidas, influenciam a inflação mundial e, esta, por sua vez, as taxas de juros
usadas para combatê-la.

Mas não é um raciocínio simplista. “Há uma guerra em andamento. Vou cair fora da Bolsa e comprar títulos do Tesouro dos Estados Unidos.”

Se há um conflito armado (mesmo que seja um movimento revolucionário interno) envolvendo, digamos, a Costa do Marfim (Côte d’Ivoire), maior país produtor mundial de cacau, prejudicando suas exportações, é evidente que o preço do produto dispara nas bolsas de Nova York e Londres.

Mas ninguém quer saber se mulheres e crianças estão morrendo no conflito. O que vale é o cacau. E não há de ser eu, Ivan Sant'Anna, que vou modificar o mundo. Me limito a analisar friamente os fatos e suas consequências. Às vezes, com êxito. Em outras, erradamente.

Após o Iraque ter invadido o Kuwait, em agosto de 1990, o preço do barril de petróleo subiu de 18 para 40 dólares, antes da coalizão liderada pelos Estados Unidos ter posto os iraquianos para correr.

Já a guerra Irã/Iraque, que durou oito anos, de 1980 a 1988, e deixou meio milhão de mortos, cansou o mercado. 

No início, o petróleo subiu. Mas logo os países consumidores se adaptaram à ausência de parte da produção das duas nações beligerantes e buscaram, com sucesso, fornecedores e fontes alternativas.

A deflagração da Grande Guerra (mais tarde chamada de Primeira Guerra Mundial) fechou a Bolsa de Valores de Nova York por quase quatro meses. Havia medo de que o mercado sofresse um crash no qual a própria Bolsa fosse à falência.

O comportamento do índice Dow Jones durante a Segunda Guerra foi quase inacreditável.

Quando Adolf Hitler invadiu a Polônia, em 1939, dando início ao maior morticínio de todos os tempos, o Dow subiu 10% logo no primeiro dia.

Ao longo de toda a guerra, a bolsa de Nova York se valorizou 50%, uma média anual de sete por cento.

Suponho que os analistas mais argutos perceberam que os EUA sairiam dali como uma nação extremamente fortalecida, como realmente aconteceu.

A guerra do Yom Kippur, que durou apenas 20 dias, teve consequências nefastas ao longo de quase uma década: inflação americana de dois dígitos, alta de 500% no preço do barril do petróleo em apenas dois meses, recessão mundial.

Portanto, caro amigo assinante, em termos de mercado, guerra não quer dizer nada. Ou, melhor, pode querer dizer tudo. O que vem a dar na mesma.

Cada guerra tem suas características e suas influências específicas em commodities e papéis de renda fixa e variável.

Por outro lado, se eu fosse russo, teria certeza de que meu país iria perder feio, mesmo que ganhe no teatro de batalha.

Vladimir Putin calculou mal o desfecho de sua ousadia e vai se dar mal, levando seus concidadãos com ele.

Um ótimo fim de semana para vocês.

Ivan Sant’Anna
 

Nota do Editor: Além de assinar a Mercadores da Noite, que sai aos sábados aqui e em Podcast nas plataformas Spotify e Deezer etc., o Ivan Sant'Anna também escreve todas as segundas, terças e quintas-feiras a coluna Warm Up PRO, que você pode conhecer clicando aqui!

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Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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