Mercadores da Noite #243: Ele manda, eu obedeço

25 de setembro de 2021
Meu assunto hoje são as reuniões acontecidas esta semana dos colegiados do FOMC e do COPOM.

Olá, leitor(a),

Não, caros amigos, não estou me referindo ao ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello. Este, ao adotar uma medida contrária às recomendações da Anvisa e da Organização Mundial de Saúde, disse que o presidente Jair Bolsonaro dava as ordens e ele se limitava a cumpri-las.

Meu assunto hoje são as reuniões acontecidas esta semana dos colegiados do FOMC (Federal Open Market Committee – Comitê Federal de Mercado Aberto do FED) e do COPOM (Comitê de Política Monetária do Banco Central do Brasil).

Raramente acontece uma novidade nesses encontros, já que, tanto nos Estados Unidos como no Brasil, as autoridades monetárias dificilmente deixam de cumprir o que o mercado está esperando.

É por essa razão que os players das Bolsas e mesas de renda fixa ficam mais atentos à entrevista coletiva que o chairman do FED concede após a reunião e à ata que o COPOM brasileiro divulga uma semana após o encontro que definiu as taxas.

Nesses momentos, é preciso prestar muita atenção na terminologia usada para se detectar o que os integrantes do FOMC e do COPOM estão pensando sobre a situação atual e planejando para os movimentos futuros.

Eles nunca usam superlativos ou declarações contundentes. Do tipo:

“Se os preços de bens e serviços continuarem subindo, nós vamos acabar com essa farra de uma vez por todas”.

Jerome Powell jamais diria isso. Aliás, provocaria um crash no mercado de ações, tal como Alan Greenspan fez com as dot.com com o seu bem mais moderada “exuberância irracional”.

As atas do Copom também costumam se expressar em economês suave. O BC, mesmo sendo agora autônomo (eu preferia “independente”), não seria capaz de dizer que “o esbanjamento de dinheiro nos três poderes é fator de aceleração inflacionária, nos obrigando a elevar a taxa Selic muito além do que seria razoável num ambiente de seriedade”.

A ata a ser divulgada na semana que vem provavelmente virá com as palavras de sempre, nessa época de política monetária hawkish. Filhote de hawk, poderíamos dizer, já que a taxa Selic praticamente terminará o ano empatada com a inflação, isso se não perder por um ponto de diferença.

Mas, como digo no título desta crônica, o mercado irá definir o que se fará e o que não se fará. Os monetaristas chapa-branca se encarregarão apenas da redação dos comunicados.

Tanto nos EUA como aqui essas reuniões cíclicas do FED e do BC nem sempre tiveram tanta importância.

Quando eu especulava nos mercados internacionais o que influenciava as cotações, principalmente dos Treasury Bonds e das bolsas de valores, eram os bancos diminuindo ou elevando a prime rate.

Já vi grandes rallies do S&P500 logo após surgir, por exemplo, no meu terminal de notícias a seguinte legenda:

Bank of America raises prime rate in half a point do 7 ½.

Aqui no Brasil, na época da hiperinflação, a taxa era alterada todos os dias (para cima, é claro) pela mesa de operações do Banco Central, por volta das 17 horas.

Quando o ritmo de aumento aumentava (com minhas desculpas pela redundância), a gente sabia que o dragão estava expelindo mais fogo. Se por acaso diminuía...  não, isso nunca aconteceu.

Com o advento do Plano Real e a subida ao poder de FHC, a atuação do Banco Central se tornou mais séria. Mas qualquer alteração relevante de política monetária era previamente submetida ao ministro da Fazenda, Pedro Malan, e ao próprio presidente Fernando Henrique.

A autonomia de fato começou no governo Lula que, para ter credibilidade nos meios financeiros nacional e internacional, convidou para dirigir o Banco Central o economista Henrique Meirelles, que fora presidente mundial do BankBoston.

Meirelles tinha tanto prestígio internacional que, certa ocasião, numa reunião de presidentes de bancos centrais de todo o mundo, seus pares manejaram para que ele chegasse ao local depois dos outros para que pudessem aplaudi-lo de pé na entrada.

Veio então Dilma Rousseff e melou tudo. Formada em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, era ela, e não os mercadores, quem ditava a política econômica e seu presidente do BC, Alexandre Tombini, obedecia bovinamente. Resultado: inflação e taxa Selic represadas.

A normalidade voltou com Michel Temer e Ilan Goldfajn na presidência do Banco Central. Pelo que se percebe, Jair Bolsonaro pode até receitar poções mágicas contra a Covid, mas não interfere nas decisões do BC.

Sob a direção de Goldfajn e agora de RCN, o COPOM voltou a se pautar pelo que o mercado diz que tem de ser feito.

Se continuar assim, a inflação será domada.

Um forte abraço e um ótimo fim de semana.


Ivan Sant´Anna

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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