Caro(a) leitor(a),
Como todo mundo sabe, voltamos a conviver com a inflação. O pior é que não é apenas aqui, no Brasil, mas na maior parte do mundo, inclusive nos países mais desenvolvidos.
No filme O Curioso Caso de Benjamin Button, o personagem interpretado por Brad Pitt nasce ancião decrépito e começa a remoçar até morrer bebê recém-nascido.
Será que o Brasil vai imitar a ficção do cinema, regredindo aos tempos de hiperinflação? Duvido! Nos diversos países, tanto ricos como pobres, esse fenômeno geralmente só ocorre uma vez. Foi o caso da Alemanha e Áustria, após a Primeira Guerra Mundial, da Hungria, depois da Segunda, do Zimbábue, no final da era Mugabe, e da Venezuela de Chávez e Maduro.
Tudo bem. Tenho profunda convicção de que o Brasil vai encarar inflação de dois dígitos (ao ano, bem entendido), mas jamais voltaremos a conviver com a hiper.
Se nos encaminharmos para lá, muito antes do pior se materializar, teremos alguma espécie de revolução, golpe de estado etc. Ou seja, a sociedade não vai admitir.
De minha parte, convivi muito bem com a hiper brasileira. Esta penalizava aproximadamente oitenta por cento dos brasileiros, mas quem tinha conta em banco, aplicava no open e na bolsa, raciocinava em dólares e operava com doleiros não era afetado pela queda vertiginosa do valor da moeda.
Vejam, por exemplo, como lidei com o problema de moradia. Em 1982, ano em que a inflação bateu 100%, decidi que era melhor manter meu dinheiro parte aplicado no open em cruzeiros e parte depositada em dólares no exterior e alugar um imóvel ao invés de adquiri-lo.
Assim tinha mais capital para especular no Brasil (inflação é ótima para isso). Quanto ao aluguel, no primeiro mês representava metade de minhas despesas mensais.
Acontece que a legislação só permitia reajustes anuais. Ou seja, a cada mês pagava menos, muito menos.
Em 1987, quando a inflação atingiu 218,52%, decidi alugar um apartamento de quatro quartos, duas salas, três banheiros e amplas varandas na praia da Barra da Tijuca.
No primeiro mês do primeiro ano de vigência do aluguel, este representou 90% do meu ganho mensal. Ao final, em 1990, quando o IPC bateu 4.116,26%, eu pagava algo como o preço de um McLanche Feliz.
Cartões de crédito: eu tinha Visa, Mastercard, Ourocard, Nacional, Diners Club e American Express. A cada cinco dias, vencia a fatura de um. Então era só saber usar o cartão ideal na hora da compra.
Raciocínio: só em dólares.
Compra e venda de imóveis: só em dólares.
Compra e venda de carros: só em dólares.
Se o caro amigo leitor se der ao trabalho de procurar na internet cadernos de classificados nos jornais dos anos 1980 e primeira metade dos 1990, verá que todos os anúncios eram em dólares.
Naquela ocasião, eu tinha duas empregadas domésticas. Uma trabalhava de domingo a quarta-feira, a outra de quarta a domingo. Portanto eu tinha um estafe fulltime. Toda semana o salário delas era reajustado de acordo com a inflação.
Em agosto de 1988, entrei numa crise de depressão, que durou até janeiro de 1990. Nessa ocasião, eu tinha sessões de análise, análise de grupo e psicanálise sete dias por semana.
Pois bem, quando percebi que estava curado, resolvi me dar alta, decisão da qual minha analista, L Z B M, discordou categoricamente.
“Mas eu já estou preparado”, disse para ela.
“Só que eu não estou”, respondeu L.
Pudera. Eu a convencera que a hiperinflação poderia trazer a reboque um desabastecimento total. Aliás, exagerava.
“Estamos em vésperas de uma grande fome.”
Resultado: a profissional decidiu estocar víveres em casa, destacando dois quartos para isso. Pior, acumulou galões e mais galões de álcool, combustível que a maioria dos carros utilizava naquela época, correndo riscos de uma grande explosão.
Ah, já ia esquecendo. Ao caminhar pelas ruas, a gente se deparava com moedas o tempo todo. Aliás, tenho dois amuletos em minha carteira. Um dólar de prata de 1922 e uma moedinha minúscula de mil cruzeiros, de 1993.
A primeira serve para demonstrar que, mesmo nos Estados Unidos, considerando-se o longo prazo, a moeda perde grande parte de seu valor. Os mil cruzeirinhos mostram que a moeda pode não valer nada.
Finalmente, uma última demonstração de como eram aqueles tempos. No supermercado, a gente olhava para o cara que usava a maquininha de etiquetas de preço para remarcar as mercadorias e tentava pegar os produtos antes que ele passasse por ali.
Se ele estava reajustando o chuchu, naquela noite eu comia suflê de cenoura.
Um forte abraço e um ótimo fim de semana para vocês todos.
Ivan Sant´Anna