Caro(a) leitor(a)
Antes de mais nada, não sou obrigado a votar, já que a lei dispensa quem tem mais de 70 anos. Mesmo assim fui às urnas em 2018. Mas foi a última vez.
Nas eleições municipais de 2020, não me dignei a atravessar a rua (a seção eleitoral fica numa escola pública em frente ao meu condomínio) para escolher o prefeito da cidade do Rio de Janeiro.
Desde 1960, quando votei pela primeira vez, com duas exceções, FHC e FHC, só escolhi péssimos nomes para a presidência da República.
Comecemos por Jânio Quadros, naquela minha estreia. Eu era udenista e fanático pelo jornalista e político carioca Carlos Lacerda. Pois bem, Lacerda escolheu Jânio e fui na onda dele. Foi uma vitória fácil.
Pudera, o adversário, general Henrique Teixeira Lott, do PSD, foi um dos políticos mais inábeis que o Brasil já teve, principalmente pelo modo como se exprimia.
Segundo o próprio Carlos Lacerda, na página 213 de sua autobiografia Depoimento, num comício para pecuaristas em Goiânia, Lott afirmou o seguinte:
”…O Brasil tinha que exportar carne, mas o brasileiro tinha mania de comer o ‘traseiro’ e o ‘traseiro’ é que dava dinheiro ao país, pois o ‘traseiro’ é que o estrangeiro queria comprar. Portanto, os brasileiros precisavam habituar-se a comer o ‘dianteiro’ e deixar o ‘traseiro’ para os estrangeiros comerem…”.
Talvez Lott tivesse sido um bom presidente. Isso jamais se saberá. O que se sabe é que Jânio só cometeu sandices. Preocupou-se com ninharias, como proibir concurso de miss, briga de galo, lança-perfume e, para implicar com os americanos, condecorou o argentino-cubano Che Guevara.
Como Fidel Castro e Gamal Abdel Nasser haviam renunciado ao cargo, respectivamente em Cuba e no Egito, e reconduzido nos braços do povo à chefia do governo, agora com poderes totais, Jânio Quadros achou que podia fazer o mesmo.
Em 25 de agosto de 1961, 206 dias após sua posse, Jânio, em quem eu havia votado, renunciou ao cargo. O povo não deu a menor pelota para a renúncia e assumiu o vice João (Jango) Goulart, que os militares não suportavam.
Após 500 dias de governo, nos quais houve um interregno parlamentarista, em 1º de abril de 1964 Jango fugiu para o Uruguai para não ser deposto, e provavelmente preso, pelos militares. Estes assumiram o cargo e nele permaneceram durante 21 anos.
Resultado: fiquei três décadas sem votar para presidente e, quando o fiz, em dezembro de 1989, cometi outra asneira. Me deixei levar por aquela história de combate aos marajás e pus meu X (o voto ainda era impresso) em Fernando Collor de Mello.
Dois anos e pouco após a posse, numa entrevista à revista Veja, em maio de 1992, Pedro, irmão do presidente, contou como era o esquema de caixa 2 de Fernando com seu tesoureiro de campanha, Paulo Cesar Farias.
Pela segunda vez na vida votara para presidente numa pessoa e surgira outra para ocupar o lugar. No caso, Itamar Franco, que certa ocasião foi descrito pelo economista Maílson da Nóbrega como tendo os pés no chão. Os quatro.
Após três ministros da Fazenda, Gustavo Krause, Paulo Roberto Haddad e Eliseu Resende, Itamar acertou na mosca. Pôs Fernando Henrique Cardoso no cargo e daí surgiu o Plano Real.
Olhem só. Já haviam se passado mais de trinta anos após meu primeiro voto para presidente, aquele do Jânio, e não conseguira emplacar um mandato inteiro.
Isso só foi acontecer em 1994. Ou seja, nas minhas mais de seis décadas de eleitor só acertei na mosca uma vez. Mais ou menos. Ao arrancar do Congresso a reeleição (sabe-se lá como), FHC criou também um novo estilo de governo.
Seja para presidente, seja para governador, seja para prefeito, o cara já assume pensando em continuar no cargo quatro anos depois. E trabalha única e exclusivamente em função desse objetivo.
Nas quatro eleições que se seguiram à de Fernando Henrique, meu voto foi vencido.
Deu PT em 2002, 2006, 2010 e 2014.
Pra me livrar dos petistas, cujo candidato em 2018 recebia instruções diretamente de uma cela em Curitiba, votei (no segundo turno, bem entendido) em Jair Messias Bolsonaro.
Relevei os incontáveis defeitos do candidato e fui na esperança do “Mais Brasil, Menos Brasília”, do encolhimento brutal da máquina do Estado e das privatizações em massa.
Quando vejo as coisas que estão acontecendo no momento, e antevejo o segundo turno de 2022, fico feliz em não ser mais eleitor.
Não voto nem para síndico aqui do prédio.
Rasguei meu título simplesmente porque não sei votar.
Um forte abraço e um ótimo fim de semana para todos.
Ivan Sant’Anna