Mercadores da Noite #229 - FED e BC de mãos dadas

19 de junho de 2021
Por que desta vez as bolsas, aqui e nos Estados Unidos, caíram, se as autoridades monetárias cumpriram exatamente o que delas se esperava?

Caro(a) leitor(a),

Na quarta-feira desta semana, dia 16 de junho, os integrantes do FOMC – Federal Open Market Committee (Comitê de Mercado Aberto do FED) e do COPOM (Comitê de Política Monetária do Banco Central do Brasil) reuniram-se, em sessão regular, para deliberar sobre política monetária.

Com relação a taxa básica de juros, o FED manteve a banda que dele se esperava: entre 0,00% e 0,25% ao ano.

Já para o COPOM, aproximadamente três quartos dos economistas das instituições financeiras estimavam uma alta de 0,75%, de 3,5% para 4,25% a.a. O restante aguardava um aumento maior, de 1%, fixando a taxa Selic em 4,5% ao ano.

Se aconteceu o que era esperado nas duas praças, o normal é que as Bolsas de Valores nos dois países no mínimo se mantivessem estáveis.

Mas não foi isso que aconteceu.

Tanto o Dow Jones como o Ibovespa sofreram quedas consideráveis na quinta-feira, dia 17.  O Dow caiu 210,22 pontos (- 0,62%). O tombo do Ibovespa foi bem maior: - 0,93% (1.202 pontos).

Caramba: se as autoridades monetárias dos dois países agiram de acordo com o consenso do mercado, por que as Bolsas caíram?

Aqui vale a pena um pouco de história:

Houve uma época na qual o único dado estatístico que se aguardava com grande expectativa todos os meses no mercado americano era o resultado da balança comercial. O certo é que ela fosse chamada de trade balance. Só que, como sempre dava déficit, os analistas a tratavam de trade deficit.

Essa divulgação mexia com a Bolsa, com a cotação do dólar frente as demais moedas fortes (naquela época não existia o euro) e com as taxas de juros.

Isso porque o pessoal sabia que, sendo grande o déficit comercial, isso era ruim para o dólar, que se enfraquecia (dizia-se até que era uma moeda irremediavelmente doente). Vinha então a compensação: com a desvalorização do US$, os Estados Unidos ficavam mais competitivos no comércio internacional.

Depois, embora o déficit comercial continuasse a crescer (por causa da entrada da China no jogo dos grandes parceiros), o mercado passou a olhar para as taxas de juros. Mas não pelas fixadas pelo FOMC.

Naquela ocasião, o que valia mesmo era a PRIME RATE que, como o próprio nome indica, era a taxa de juros cobrada pelos grandes bancos dos clientes preferenciais.

Não havia dia nem hora marcada para a mudança da PRIME. De repente, surgia a informação no monitor de notícias:
    “Bank of America (por exemplo) raises prime from 7 to 7 ½ %.”
Ao longo das próximas horas, mais ou menos 95% dos bancos acompanhavam a instituição que se manifestara primeiro.

Houve exceções vexatórias.

Na sexta-feira dia 16 de outubro de 1987, um dos bancões americanos (já não me recordo qual foi) elevou a prime. O normal seria os demais acompanharem.

Acontece que, no dia útil seguinte (segunda-feira, 19), a Bolsa de Nova York sofreu um crash. O Dow Jones e o S&P500 perderam um quarto de seu valor.

Para evitar que o tombo iniciasse uma período de depressão, tal como acontecera em 1929, o Federal Reserve Bank inundou o mercado de liquidez.

Resultado: todos os bancos reduziram a Prime Rate. E aquele afobado, que a aumentara na sexta-feira, se viu obrigado a baixá-la em dobro.

Algum tempo depois, o mercado passou a considerar as reuniões do FOMC como base para suas decisões. É o que prevalece até os dias de hoje.

Voltando ao início do artigo, por que desta vez as Bolsas, aqui e nos Estados Unidos, caíram, se as autoridades monetárias cumpriram exatamente o que delas se esperava?

A resposta é simples: pelo que disseram depois. Em sua coletiva o chairman do FED, Jerome Powell, disse que a taxa básica voltará a subir em 2023 e não mais em 2024, como proclamara antes.

Isso significa que as perspectivas inflacionárias são mais sérias do que se esperava e que a economia irá se recuperar mais rapidamente dos danos provocados pela Covid-19.

Já o comunicado do COPOM abriu nas entrelinhas (e na linguagem meio cifrada que seus integrantes costumam usar) espaço para um aumento de 1% na reunião de agosto, seguido de outros de meio ponto até que a taxa Selic se eleve a 6,5%.

Acho pouco. Acho pouco porque 2022 será ano eleitoral.
    
Tal como acontecia nos últimos anos de cada mandato petista, quando o governo não media despesas, nos meses que precederem as eleições presidenciais vai haver gastança desmesurada.

Em minha opinião, a época de inflação baixa e de Selic a 2% a.a. ficou no passado. Terá sido um período de exceção na história econômica do Brasil.

Isso não significa que a B3 irá iniciar um prolongado bear market.

O mercado de ações, como todo mundo sabe, trabalha com juros reais.
Enquanto a renda fixa for negativa em relação à inflação, seja qual for o número da Selic, os investidores, passado esse período de susto, vão voltar a pôr seu dinheiro em renda variável.

Pelo menos foi sempre assim que a coisa funcionou. E não vejo por que desta vez será diferente.

Um forte abraço e um ótimo fim de semana!
 


Ivan Sant’Anna

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Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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