Mercadores da Noite #7 - Azar de principiante

21 de junho de 2017
Fale pouco e escute muito.

Mercadores da Noite

Caro leitor, 

No início da noite de 29 de janeiro de 1971, eu estava no ônibus da delegação do Fluminense, em São Paulo, indo para o Pacaembu onde o Flu enfrentaria o Palmeiras pela Libertadores. Ao meu lado sentava-se o Zagallo, que se sagrara campeão do mundo como técnico no ano anterior, dirigindo a seleção brasileira na Copa do México, e que acabara de assumir o cargo de treinador do Fluminense.
          
Para minha surpresa, o “Velho Lobo” me consultou sobre a escalação do time. Fiquei encabulado. Mas, como o Zagallo insistiu, acabei dando meus “pitacos”. E, também a pedidos, fiz a mesma coisa nos dois jogos seguintes, contra o Deportivo Galicia e o Deportivo Italia, ambos em Caracas (eu assistia todos os jogos do Fluminense, jogasse onde jogasse).

A partir do quarto jogo, contra o Galicia no Maracanã, Zagallo parou de pedir minha opinião. Já se familiarizara com o elenco e, evidentemente, conhecia 100 vezes mais de futebol do que eu. Só mais tarde vim a saber que Zagallo ouvia inúmeras pessoas e que eu fora apenas uma delas.

Antes de se mudar para os Estados Unidos, e de se dedicar mais aos mercados internacionais, Alfredo Grumser era um mítico operador de opções na bolsa de valores do Rio de Janeiro, principalmente de opções da Cia. Vale do Rio Doce. Era tão bom que até um cavalo que brilhava no hipódromo da Gávea fora batizado com o nome de Grumser Vale.

Pois bem, sempre que se aproximava um vencimento de opções, Alfredo me ligava perguntando o que achava do mercado. Só que ele, tal como o Zagallo no futebol, fazia isso com dezenas de traders antes de tomar suas decisões, que costumavam ser tão precisas que, no dia em que as opções expiravam, o preço do papel fechava acima do strike no qual o Alfredo estava comprado e abaixo do strike no qual ele estava vendido. Ou seja, ganhava no long e no short. Era, ao mesmo tempo, touro e urso vencedores.

Jesse Livermore foi um dos maiores operadores de ações de todos os tempos. Ninguém acertou tanto na bolsa de Nova York quanto ele nos “Esfuziantes Anos Vinte” (The Roaring Twenties), inclusive antecipando o crash de outubro de 1929. Eu conto isso em meu livro “1929”. Antes de se posicionar na bolsa, Livermore consultava inúmeras pessoas. Só então decidia o que fazer.

Eu tenho um amigo que administra fundos múltiplos. Só aceita aplicações de grandes valores. Numa conversa na semana passada, ele me disse que lê no mínimo cinco horas por dia. E não estava falando de romances ou livros de não-ficção. Referia-se a balanços de empresas, relatórios dos departamentos econômicos dos grandes bancos nacionais e estrangeiros, boletins sobre as economias dos Estados Unidos, da Europa, da China e do Japão, análises de oferta e consumo de petróleo e outros temas que influenciam as taxas de juros e as cotações das bolsas. Não é à toa que suas carteiras costumam apresentar um desempenho muito maior do que aqueles alcançados pelos fundos administrados pelos bancos.

Num livro que acabo de ler, “Os olhos de Bergman”, sobre a vida do genial cineasta sueco, descobri que ele não filmava uma única cena sem pedir a opinião de seus fotógrafos, sendo Sven Nykvist o mais influente deles.

Resumindo: os gênios, os craques, os espadas, todos pedem um parecer de terceiros antes de firmar seus conceitos ou de adotar suas posturas. São bem-sucedidos porque falam pouco e escutam (ou leem) muito.

Há algum tempo, numa época de bolsa em alta, uma amiga me contou que seu filho iria vender um apartamento para “jogar” na bolsa. Nessa mesma ocasião, um vizinho que acabara de se aposentar e de receber um gordo FGTS me informou que iria aplicar tudo em ações.  

O grande risco é de que essas pessoas, sem consultar ninguém, acertem na primeira arriscada, o que eu chamo de “azar de principiante”. Sim, porque o cara (ou a cara) vai achar que ganhou porque analisou bem o mercado e a conjuntura e não porque ele ou ela tiveram a sorte de comprar um papel que subiu.

Se você vai a Las Vegas e aposta na roleta no preto ou vermelho, no par ou ímpar, no alto ou baixo, suas chances são de 47.4 por cento. Não são de fifty/fifty porque além dos 36 números há também o zero e o duplo zero, cujas casas são verdes. Quando a bolinha cai numa delas perde todo muito que apostou nas “chances”: preto/vermelho, par/impar, etc. Claro que você pode comprar duas puts, apostando uma merreca no zero e outra no duplo zero. Nesse caso, perder tudo não vai. Mas o seguro (put) tem custo e suas chances, na lei dos grandes números, serão sempre menores do que as do cassino.

Por causa desses detalhes atuários, além de outros psicológicos (perdedor insiste em recuperar e ganhador não para até perder), uma coisa é certa: os apostadores perdem e o cassino lucra. Caso contrário, eles não construiriam aqueles prédios suntuosos nem ofereceriam bebida de graça aos otár... ooopss, aos apostadores.

Mas vamos esquecer Las Vegas, ou ir lá apenas para ver os shows e se distrair com 100 ou 200 dólares nos cassinos, e voltar para o que interessa: o mercado de valores.

Se você não sabe, faça como o Zagalo, o Alfredo Grumser, o Jesse Livermore ou o meu amigo administrador de fundos. Pergunte a quem sabe, assine publicações isentas, leia sem parar. Você irá agregar o conhecimento de todas essas pessoas.            

Jamais atue na base do feeling ou do “palpitômetro”. Não compre apenas porque caiu muito, não venda porque subiu demais. E, se fizer isso, tomara que perca antes de vender a casa para “jogar” na bolsa. Nesse caso, se for para atuar totalmente às cegas, é melhor comprar uma passagem para Las Vegas e fazer apenas um lance. Aposte a casa no preto ou no vermelho. Você terá os 47.4 por cento de chance. Se ganhar, saia correndo do cassino e jamais volte lá.

Curiosidades: O Fluminense ganhou os três jogos nos quais buzinei no ouvido do Zagalo: 2 a 0 contra o Palmeiras, 3 a 1 contra o Deportivo Galicia e 6 a 0 contra o Deportivo Italia. Depois se ferrou nos jogos de volta, em casa, e foi eliminado. Mas em Las Vegas eu perdi até as calças.

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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