Caro leitor,
Na primeira semana de abril de 1962, o presidente da República do Brasil, João (Jango) Goulart, fez uma visita oficial aos Estados Unidos durante o governo John Kennedy.
Numa demonstração de apreço, Kennedy foi pessoalmente à base aérea de Andrews, em Washington D. C., receber Jango. De lá, os dois chefes de Estado seguiram no mesmo helicóptero até a Blair House, casa oficial de hóspedes do governo americano.
João Goulart e John Kennedy tinham algumas coisas em comum. Ambos se chamavam João. Ambos tinham 44 anos de idade. Ambos eram casados com mulheres bonitas. Ambos tinham problemas físicos: Jango mancava de uma perna, mais curta do que a outra; Kennedy padecia de fortes dores na coluna, resultado de um ato de bravura durante a 2ª Guerra, após a explosão de sua lancha contratorpedeira.
Tanto aqui como nos Estados Unidos, João Goulart era suspeito de querer “cubanizar” (Fidel Castro assumira o poder revolucionário em Havana em 1º de janeiro de 1959) o Brasil. Como que querendo provar que tal conceito era falso, Jango escolheu sua comitiva a dedo.
Menos insuspeitos, impossível, a começar pelo embaixador brasileiro em Washington, Roberto Campos. Junto com Goulart estavam também seu ministro da Fazenda, o banqueiro Walter Moreira Salles, e o chanceler San Tiago Dantas, reconhecidamente anticomunistas.
No dia seguinte ao da chegada, Roberto Campos foi testemunha da conversa entre Kennedy e Jango no Salão Oval da Casa Branca. “Pretendo adotar para o Brasil uma política externa independente”, disse Goulart para Kennedy.
A resposta foi um misto de sinceridade e ironia.
“Eu o invejo, presidente. Toda vez que preciso deliberar algo importante em política externa, tenho de consultar os governos da Grã-Bretanha, da França e até da União Soviética. Sim, da União Soviética. Dependendo do assunto, o próprio secretário-geral Nikita Khrushchev tem de ser ouvido.”
Nem sempre os Estados Unidos tinham agido com tanta elegância e diplomacia. Durante o governo Theodore Roosevelt (1901 a 1909), a política era do Big Stick(porrete comprido, numa tradução livre).
Bastava um país, principalmente se fosse da América Central ou do Caribe, ou mesmo a Venezuela, contrariar os interesses americanos, e Roosevelt (não confundir com Franklin Delano Roosevelt) mandava os fuzileiros resolverem o problema.
O governante da nação “insubordinada” era deposto e substituído por um títere dos americanos.
A multinacional United Fruit, por exemplo, mandava e desmandava no amplo quintal dos Estados Unidos. Daí a expressão “República de Bananas”, ou “Banana Republic” no original.
Agora, Donald Trump está revivendo essa política. Só que seu stick (sem conotações maliciosas) é giratório. Nunca se sabe qual cabeça ele quer atingir.
A decisão de Trump de romper o acordo nuclear com o Irã está causando revolta entre os demais países signatários do tratado: Reino Unido, Rússia, China e União Europeia. Sem contar o fato de que Trump desdenhou dos estadistas que foram a Washington pedir para que ele desconsiderasse a medida unilateral contra a nação persa. Entre eles o presidente francês, Emmanuel Macron, a chanceler alemã, Angela Merkel, e o secretário de Estado britânico para assuntos estrangeiros, Boris Johnson.
O próximo passo de Trump é se encontrar com o tiranete travesso e imberbe da Coreia do Norte, Kim Jong-un. A reunião está marcada para Cingapura em 12 de junho.
Em minha opinião, o único interesse de Donald Trump é colher publicidade. De sua parte, Jong-un prometeu destruir suas instalações de testes nucleares. Pudera! Ele não precisa mais delas, uma vez que já conseguiu fabricar, testar e armazenar seus mísseis balísticos e ogivas atômicas.
Os Estados Unidos já não testam seus artefatos, assim como não o fazem Rússia, China, Grã-Bretanha, França, Índia, Paquistão e Israel (este, por sinal, nem reconhece a existência de seu programa nuclear).
Acho que se o pacto já firmado fosse com a Coreia do Norte, e o Irã é que estivesse testando armas nucleares, seria contra a Coreia que Donald Trump romperia. Ele só pensa em desmantelar as conquistas de Barack Obama, como o Tratado Transpacífico e o Acordo do Clima de Paris. Suas mensagens via twitter diárias revelam isso.
Resta saber o que Kim Jong-un pode estar querendo tirar desse encontro de Cingapura. A não ser que esteja obedecendo a uma ordem do presidente chinês Xi Jinping. É difícil acreditar que Kim vá assinar um compromisso com Trump que já não tenha sido aprovado pelo líder chinês. Os dois países (Coreia do Norte e China) fazem fronteira e os nortes coreanos dependem da China para tudo, inclusive comida e combustíveis.
Se quiser agir contra o ditador coreano, Jinping, ao contrário de Donald Trump, não precisa de um big stick. Basta um estilingue.
Para o caro trader ou investidor que lê esta coluna, aconselho não tentar antecipar o raciocínio de Trump. Nem mesmo ele sabe o que vai tuitar na manhã seguinte.
Não fossem os Estados Unidos a maior superpotência (para não dizer a única) do planeta, eu diria que Donald Trump é uma espécie de Idi Amin Dada dos tempos atuais.
Para quem é muito jovem e não viveu a época das bravatas e peripécias de Amin, sugiro que veja o filme O Último Rei da Escócia, com Forest Whitaker interpretando o ditador da miserável Uganda.
De sua capital, Kampala, Didi Amin, que se autopromovera a marechal de campo, conseguia ser notícia nos jornais de todo o mundo. Só que seu stick era pequeno, alcançando apenas seu próprio povo, e não alterava o panorama mundial. Só se prestava a chacotas. Até ser totalmente humilhado por Israel na Operação Entebbe. Foi se asilar na Arábia Saudita.
A quem opera o mercado tentando analisar com lógica os acontecimentos, ou mesmo tenta interpretá-lo através de gráficos, lembro que o porrete porra-louca de Trump pode até ir longe. Mas nada impede que vá até a península coreana e, tal como um bumerangue, dê meia-volta, retorne meio-mundo e caia sobre o Salão Oval da Casa Branca, aquele no qual Kennedy dizia que tinha de ouvir os parceiros antes de tomar uma decisão.
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Um abraço,
Ivan Sant'Anna