Mercadores da Noite #3 - Todos os mercados são futuros

25 de maio de 2017
Temer entre Touros e Ursos.

Mercadores da Noite

Quando algum investidor ou especulador adquire uma ação em bolsa, ele está operando no mercado futuro, mesmo que seu negócio seja à vista. Melhor dizendo, ele está olhando para um determinado momento lá na frente, seja daqui a dez ou vinte minutos (no caso de um scalper ou day trader), seja daqui a alguns meses, seja para se tornar acionista da empresa visando dividendos e uma valorização acima dos demais investimentos.

Muitas vezes, e isso aconteceu principalmente com as empresas de tecnologia negociadas na bolsa Nasdaq, nos Estados Unidos, essas ações mais procuradas eram de companhias que exibiam prejuízos em seus balanços e não pagavam um centavo de dividendos, como aconteceu, por exemplo, com a Amazon. Só que elas apresentavam perspectivas fantásticas de lucros e de expansão dos negócios no futuro e era nisso que os investidores estavam interessados. Só não davam lucros nem pagavam dividendos porque reinvestiam toda a sua receita em novos projetos.

Ninguém compra um papel porque ele “está bom”. Compra-se porque se supõe que “estará melhor”. Pode ser até uma empresa em estado semifalimentar mas cuja cotação tornou-se irrisória e haja possibilidade de uma recuperação. Afinal de contas, algo que vale três centavos e sobe para seis rende 100%, não raro em poucos dias. Isso acontece muito durante os crashes, como o de 1929, por exemplo.

Claro que há os mercados oficialmente chamados de futuros. Esses são de alto risco porque permitem alavancagem. Com mil reais você pode comprar 10 mil em ações, ou índices, ou commodities. Mas futuros são todos eles.
  
Há momentos, como o atual, em que essa característica (de se situar num ponto do futuro) se torna mais marcante. Os resultados das empresas perdem muito de sua importância e todos os olhares se voltam para como estará o quadro político (e, por conseguinte, o econômico) daqui a uma semana, um mês, um ano. E isso ninguém sabe, nem o mais astuto dos insiders, nem o presidente da República, os congressistas, o ministro da Fazenda, o presidente do Banco Central e os juízes da Suprema Corte, já que os fatos estão atropelando as decisões e as decisões criando novos fatos.

Vamos imaginar duas hipóteses: a mais ideal das ideais; a mais funesta das funestas.
  
Cenário ideal – Com um movimento rápido de baixo para cima, o touro mergulha seus chifres no peito do urso, lançando-o por terra em seus últimos estertores. Saindo do terreno metafórico para o mundo real, Temer, pressionado por seus pares mais íntimos, e coagido por seus ímpares mais distantes, renuncia à presidência da República. Em meio a encontros escancarados à imprensa e outros realizados no deque coberto de barcos ancorados no meio do lago Paranoá (para não dizer em garagens de residências oficiais, o que seria um plágio pouco imaginoso), deputados, senadores, magistrados, políticos sem mandato, mas influentes, decidem que Henrique Meirelles será eleito presidente pelas Casas do Congresso, como determina a Constituição. Meirelles aceita, com uma condição: que as reformas, trabalhista e previdenciária, sejam aprovadas. O pessoal topa, bate o martelo e tudo ocorre tal e qual o combinado. O touro dá uma volta olímpica na arena, aplaudido entusiasticamente, o Ibovespa faz uma nova máxima de todos os tempos, acima de 73.516 pontos, o dólar encosta nos R$ 3,00 e o Copom retoma a descida inexorável para 7,5 pontos.

Cenário funesto – Com uma patada descomunal, de cima para baixo, o urso pega o touro de surpresa, arranca-lhe os dois olhos com as garras afiadas e, num segundo movimento, dá uma martelada no crânio da besta cega e enlouquecida de dor. Baba e sangue do touro se excretam da boca para a arena. No mundo de verdade, isso significa que Temer só cairá após longo processo de cassação da chapa Dilma/Temer no TSE ou de uma votação de impeachmentno Congresso Nacional, precedida por todos os rituais e prazos previstos em lei. Deputados e senadores elegem alguém que lhes promete remeter um projeto de anistia dos crimes de caixa 2 e acena com reformas trabalhista e previdenciária que não prejudiquem os trabalhadores, as mulheres, o pessoal do campo, os idosos, etc., etc. O urso é carregado em triunfo pela arena e o Brasil se ferra de verde e amarelo, iniciando o percurso de volta ao ponto onde tudo começou quando, em março de 1990, a inflação (mensal, bem entendido) foi de 84,3%. O Brasil perde suas reservas internacionais, a dívida interna corre risco de uma moratória e, para evitá-la, precisamos recorrer ao FMI que nos impõe um programa de austeridade do tipo grego.

São exagerados os dois cenários acima? Exageradíssimos! Mas essa é a amplitude do leque de possibilidades discernível no dia de hoje. E é dentro desse range que o investidor ou especulador tem de fazer suas estimativas no mercado à vista que de “à vista” não tem nada, porque todos os mercados são futuros.
    
Caro leitor, embora o mercado seja sempre futuro, a gente ao menos tem de saber analisar com precisão o presente. Michel Temer é um político insignificante, que prometeu enxugar o setor público e pôr na Esplanada um ministério de notáveis, notáveis esses que se resumiram a Henrique Meirelles e Ilan Goldfajn (o presidente do BC tem status de ministro). O resto se resume a indicados pelos partidos, em troca de votos no Congresso, e a baba-ovos do círculo pessoal do presidente (Eliseu Padilha, Moreira Franco, Geddel Vieira de Lima e Romero Jucá, os dois últimos já defenestrados por circunstâncias embaraçosas).

O que sobra no governo Temer são as reformas: PEC do teto dos gastos públicos (já aprovada), trabalhista e previdenciária. Por questão de absoluta necessidade, com Temer ou sem Temer, um dia elas serão implantadas. Se você acha que isso acontecerá até as eleições de 2018, torne-se um touro. Se, por outro lado, acredita que essa agenda ficará para 2019, ou além, brinque de urso, vendendo nos rallies. Porque, gostando ou não, mesmo que tenha uma carteira potencial de cem reais, você é um operador de futuros.

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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