Mercadores da Noite #29 - No reino das mil e uma noites

14 de novembro de 2017
O mercado não está preparado

Mercadores da Noite

Caro leitor,

O assunto de hoje é o Oriente Médio, onde poderão acontecer eventos enigmáticos para os quais o mercado não está preparado, justamente por serem enigmáticos.

Ao contrário do que muita gente pensa, a Arábia Saudita não é um país multissecular, da época das mil e uma noites. Muito pelo contrário. A nação foi fundada em 1932 por um gigante beduíno, Ibn Saud, que conseguiu congregar as tribos do deserto da Península Arábica sob sua liderança. Daí o nome Arábia Saudita.

Nos primeiros seis anos, a única fonte de renda do novo reino era o dinheiro deixado pelos peregrinos que iam visitar a cidade sagrada de Meca.

Porém, em 3 de março de 1938, o destino mudou para sempre a vida dos sauditas. Prospectores da Standard Oil of California (SOCAL), encontraram, em Dammam, no leste da Península Arábica, o maior lençol petrolífero do planeta.

Mais tarde, em 1943, a companhia passou a se chamar Arabian American Oil Company (ARAMCO). Esta pagava aos sauditas 50% dos lucros da extração do petróleo. Só que a divisão fifty-fifty escamoteava uma trapaça.

O preço do barril de óleo cru era mantido artificialmente baixo, de modo que as refinarias e distribuidoras nos Estados Unidos ficavam com a fatia mais gorda dos resultados, obtida no processo de refino e na venda para o consumidor final. Mesmo assim, uma fortuna fluía constantemente para os cofres do Reino.

Com suas seis esposas e dezenas de concubinas, Ibn Saud teve 45 filhos do sexo masculino. O número de filhas é desconhecido, pois o rei não as registrava. Cada um desses filhos teve outras dezenas de mulheres de modo que hoje há mais de 15 mil príncipes no país.

Com tanta gente na família real, não é de se surpreender a quantidade de intrigas e conspirações na corte, inclusive um assassinato, quando o rei Faisal, um dos sucessores de Ibn Saud, foi morto a tiros por seu sobrinho, também príncipe, e também Faisal (Faisal bin Musa’id), decapitado em praça pública 85 dias mais tarde.

As relações amistosas, tanto diplomáticas como comerciais, entre os Estados Unidos e a Arábia Saudita haviam durado até outubro de 1973 quando, após a guerra do Yom Kippur, o rei Faisal liderou um embargo de petróleo ao Ocidente. Em três meses o preço do barril subiu de 2.90 para 17,40 dólares.

Entre 1973 e 1980 a Aramco foi sendo nacionalizada em etapas, até que passou a pertencer totalmente aos sauditas. Mas Riad e Washington reataram seus laços de amizade. Era a época da Guerra Fria e as nações tinham de escolher entre ficar na esfera dos americanos ou dos soviéticos. E a última coisa que uma monarquia absolutista poderia querer era uma aliança com comunistas.

O reino voltou a fornecer petróleo em abundância para americanos, recebendo deles um preço justo, além de armamentos e assessoria militar.

Veio então, em agosto de 1990, a invasão do Kuwait pelo Iraque de Saddam Hussein. Em resposta, uma coalizão militar foi formada, sob liderança dos Estados Unidos. Estes puderam instalar bases militares na península, bases essas que permaneceram lá após a derrota de Saddam.

Soldados ocidentais, cães infiéis, militares americanas com a cabeça descoberta na terra sagrada do Profeta e outras heresias foram o pretexto para que um ex-protegido da CIA, o saudita Osama bin Laden, que lutara contra os soviéticos no Afeganistão, declarasse uma luta sem tréguas contra os Estados Unidos, que culminou com os ataques de 11 de setembro de 2001.

Dos 19 sequestradores e pilotos que participaram do maior atentado terrorista da História, nada menos do que 15 eram sauditas, fora seu grande mentor, Bin Laden.

Em resposta à carnificina, os Estados Unidos entraram em guerra com o Afeganistão e, mais tarde, com o Iraque. Mas as relações entre Washington e a Arábia Saudita se mantiveram intactas.

Agora fatos estranhos estão ocorrendo. Quem assumiu o poder em Riad foi o príncipe herdeiro Mohamed bin Salman, um reformista totalitário. Ele está se livrando de rivais em potencial. Já prendeu 11 príncipes e quatro ministros.

O incidente mais grave ocorreu no dia 2 de novembro, envolvendo o primeiro-ministro do Líbano, Saad Hariri, durante uma visita a Riad.

Hariri tem dupla nacionalidade: libanesa e saudita. Além disso, suas empresas têm muito dinheiro a receber da Arábia Saudita. Portanto não é de se estranhar que ele tenha aceitado um convite, na verdade uma intimação, para ir a Riad.

Quem narra bem o fato é o jornalista inglês Robert Fisk, do The Independent, considerado o maior correspondente de guerra de todos os tempos.      

Quando o jato de Hariri aterrissou em Riad, na tarde de 2 de novembro, a primeira coisa que ele viu foi um grupo de policiais sauditas rodeando a aeronave. Quando eles entraram a bordo, confiscaram seu celular e os de seus seguranças.”

(Horas depois) e ainda é Fisk quem escreve “Hariri leu um texto e anunciou na TV que estava renunciando. Havia ameaças contra sua vida, disse ele, o Hezbollah deveria ser desarmado...

Meu palpite é que aí tem o dedo de Donald Trump. Como nada conseguiu contra a Coreia do Norte, que é área de influência da China, Trump está se voltando contra seu outro grande inimigo, o Irã, que dá suporte ao Hezbollah libanês.

Tudo indica que acontecimentos políticos inesperados poderão ocorrer no Oriente Médio nas próximas semanas, envolvendo a Arábia Saudita e o Irã.

Quem sabe teremos um sacolejo no mercado de petróleo. Como iranianos e sauditas respondem por nada menos do que 16,5 por cento da produção mundial, isso pode provocar uma crise de abastecimento.

Eu escrevi “pode”. Mas, com um homem imprevisível na Casa Branca e outro no trono em Riad, é bom ficar de olho nos acontecimentos, ainda mais que os dois já se encontraram.

Vale arriscar umas compras de calls na Nymex. Se houver um squeeze no mercado, vai haver uma alta violenta. Eu já vi isso acontecer diversas vezes.

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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