Mercadores da noite #2 - Falando de meninos e heróis

18 de maio de 2017
A classe política brasileira cometeu suicídio coletivo.

Mercadores da Noite

Antes de mais nada, é importante salientar que estou começando a escrever esta crônica às 10h29 de quinta-feira dia 18 de maio de 2017. Enquanto estiver redigindo, e até o texto ir a público, as coisas poderão mudar, uma vez que, em ocasiões como a atual, tudo que se fala ou se escreve torna-se rapidamente obsoleto. Dito isso, vamos aos fatos e à minha interpretação sobre o que está acontecendo.

Ao contrário do que muita gente está afirmando, os eventos que se precipitaram ontem são o fim e não o início de um período nefasto que se iniciou desde a volta do processo democrático, com raros momentos de bonança. Mas, antes da deposição de João Goulart, já tivemos várias situações parecidas como esta e outras até piores.
  
Só para lembrar, nos 495 dias decorridos entre o suicídio de Getúlio Vargas (24 de agosto de 1954) e a posse de Juscelino Kubitschek (31 de janeiro de 1956), tivemos três presidentes:
  
João Café Filho, vice de Getúlio, assumiu com a morte de Vargas, mas se afastou em novembro de 1955 após sofrer um infarto. No final desse período, Juscelino foi eleito (3 de outubro de 1955). De acordo com as regras constitucionais, Café Filho foi substituído por Carlos Luz, presidente da Câmara dos Deputados, que tentou um golpe para impedir a posse de Juscelino, golpe esse que foi abortado pelo ministro da Guerra, general Henrique Lott, no que ficou conhecido como “golpe legalista”, adjetivo que não deixa de ser apropriado.
  
Carlos Luz foi presidente por apenas três dias. Seu substituto, o primeiro vice-presidente do Senado Federal (naquele tempo, o Senado era presidido pelo vice-presidente da República e o cargo estava vago) Nereu Ramos, que deu posse a JK.

Há três diferenças entra aquela época e a de hoje. Em primeiro lugar, a crise de 1954/1955 foi apenas política (não havia nenhum esquema gigante de corrupção afetando o país). Em segundo, quem resolvia os impasses eram os militares. Finalmente, o mercado de capitais não era afetado por essas mudanças bruscas, simplesmente porque não havia mercado de capitais a não ser meia dúzia de especuladores nas bolsas de valores.
  
Pois bem, passaram-se mais de 60 anos e os militares foram substituídos, nos momentos críticos, pelos juízes das Cortes Superiores. E serão eles que resolverão a questão aberta ontem com a denúncia grave contra o presidente Michel Temer.
  
Quando escrevi, no início deste texto, que a crise pode estar chegando ao fim é porque se, antes, os militares punham os tanques nas ruas, o STF, quando necessário, age de modo não menos fulminante com suas sentenças irrecorríveis. E o modo como eles interpretam a Constituição passa a ser a Constituição. E é isso que eles irão fazer agora, para evitar que o país vire uma Venezuela.
  
Se Temer não renunciar hoje ou nos próximos dias, o STJ “o renuncia”, cassando a chapa Dilma/Temer.
  
Não vejo nenhum motivo para pânico. Como quase todos os políticos estão envolvidos no gigantesco esquema de corrupção que foi se avolumando ao longo das últimas décadas, até que o dinheiro acabou (roubaram tudo), esta é uma crise de vilões, sem nenhum salvador da pátria, como a França tinha nos tempos de De Gaulle e a Grã-Bretanha, nos de Churchill.
  
Quem poderia ser herói, Lula, está prestes a ser condenado, já que é réu em diversos processos por corrupção. Dilma, que jamais foi heroína de coisa ou causa alguma, está enrolada até o pescoço em função das denúncias feitas pelo casal de marqueteiros João Santana e Mônica Moura. Aécio Neves, bem... o Aécio Neves morreu. Morreu e sabe disso.
  
Com raríssimas exceções, a classe política brasileira cometeu suicídio coletivo. Achou que o dinheiro nascia em árvores e que bastava plantá-las indefinidamente. E o dinheiro acabou. Eles roubaram o país todo.
  
Como disse no início, para mim os acontecimentos de ontem e de hoje representam o fim de um ciclo. Pena que tenham ocorrido antes da votação das reformas trabalhista e previdenciária no Congresso. Mas elas virão, porque são imprescindíveis.
  
Meu palpite é que Temer já caiu (e sabe disso), que será sucedido por Rodrigo Maia (por sinal, também envolvido na Lava-Jato) durante três meses e que o Congresso elegerá alguém ligado ao Judiciário para um mandato tampão que irá até o dia 1º de janeiro de 2019.
  
Em 1964, os militares que depuseram João Goulart diziam estar fazendo uma revolução. Revolução está sendo feita agora, por alguns meninos (eu tenho 77 anos e posso chamá-los assim) que prestaram concurso para juiz, para o Ministério Público e para a Polícia Federal. São esses, no coletivo, os nossos heróis.
  
Acho que as reformas virão, que o mercado financeiro vai sobreviver e que os acontecimentos atuais irão proporcionar para os mercadores de raciocínio rápido e muito sangue-frio oportunidades excepcionais de ganho. Nenhum grande banco vai quebrar, as reservas cambiais são enormes e a inflação poderá sofrer um pequeno tranco, mas não um cataclismo, porque está em um patamar muito baixo. Não podemos nos esquecer que o Copom, que todo mundo apostava que iria derrubar as taxas em 125 ou 150 pontos poderá até subi-las. E não será a primeira vez. Isso vai enviar uma mensagem clara para os agentes econômicos: “nós estamos aqui”.
  
Digo e repito. O Brasil sai desta, e vai sair para melhor. Duvido que a Fazenda e o Banco Central sejam ocupados por aventureiros desonestos e pusilânimes. Isso se os novos presidentes (estou falando de Rodrigo Maia e de seu sucessor) não convencerem Henrique Meirelles e Ilan Goldfajn a ficarem em seus postos.
  
O grande risco do Brasil chamava-se Lula. Só que Lula prestou um enorme favor ao país: acabou com o “Risco Lula”. Como não tem sucessores em suas hostes, muito menos sucessores honestos, o sorriso de hiena petista de hoje é mais de vingança (siamo tutti ladri) do que de esperança de retorno. E essa ausência será vital para que as reformas voltem à pauta político-econômica, com algum tempo de atraso, mas talvez com maior legitimidade.
  
Só espero que os meninos heróis que estão fazendo a nova revolução contaminem o Brasil ao invés de se contaminarem pelos dejetos dos pulhas de minha geração. 

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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