Caro leitor,
Estou escrevendo este artigo na noite de quinta-feira, 20 de fevereiro, para sexta, 21, a bordo de um Boeing 787, Dreamliner, da British Airways, num voo noturno entre o aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, e o de Heathrow, em Londres.
Ontem, a Bolsa de São Paulo sofreu forte queda e o dólar fez novas máximas de todos os tempos contra o real, o que vem se tornando uma constante nos últimos dias.
Pudera! Para qualquer lado que se olhe no cenário político brasileiro, só se vê falsidades. Muita patriotada, quase nenhum patriotismo.
Apenas juros e inflação baixos não são suficientes para dar um torque contínuo no bull market de ações. Afinal de contas, é melhor “aplicar” a taxa zero do que perder dinheiro. E os investidores estão começando a ficar com medo da Bolsa.
Mas não é para falar de mercado que estou escrevendo este diário de viagem. O tema é a própria viagem, obviamente.
Ela me faz lembrar de um fato acontecido em dezembro de 1952, quando eu tinha 12 anos. Naquela ocasião, apenas sete anos após o final da Segunda Guerra, nossa família se mudou para Londres. Meu pai foi fazer um curso de pós-graduação em Economia na London School of Economics e levou minha mãe e os três filhos com ele.
Quem assistiu à série The Crown, exibida pela Netflix, deve se lembrar que a rainha Elizabeth II, da Grã-Bretanha, então princesa herdeira do trono, estava viajando pela África, com seu marido, Philip, quando recebeu a notícia de que seu pai, o rei George VI, havia morrido.
A série exibe o avião em que a futura rainha viajava. Tratava-se de um quadrimotor Argonaut, da BOAC – British Overseas Airways Corporation.
Pois bem, num Argonaut da BOAC é que viajei do Rio para Londres, com meus pais e irmãos, naquele início dos anos 1950.
A primeira escala foi em Recife, para reabastecimento. Tal como era obrigatório na época, todos os passageiros desembarcaram. A segunda parada aconteceu, no meio da madrugada, em Dacar, na África Equatorial Francesa, atual Senegal.
Só tenho duas recordações do aeroporto de Dacar: fortíssimo calor; uns besouros enormes na parte externa do terminal, que era não mais do que uma pequena edificação, na qual a gente podia se locomover à vontade, devido à ausência de qualquer medida de segurança.
Na etapa seguinte do voo, me lembro bem do amanhecer sobre o deserto do Saara: os aviões daquela época voavam muito mais baixo do que os de hoje.
Condições meteorológicas desfavoráveis impediram o Argonaut de pousar em Lisboa. Fomos, então, diretamente para Madri, escala seguinte.
Da capital espanhola, partimos para Bordeaux, na França. De Bordeaux para Londres, enfrentamos forte tempestade sobre as águas do Canal da Mancha. A maioria dos passageiros enjoou, coisa comum naquela época, quando as aeronaves sacolejavam muito.
Pousamos no London Airport 36 horas após a decolagem do Rio de Janeiro. Só voltaria para o Brasil em 1954.
Essa experiência de morar no exterior, rara na época, foi muito importante em minha formação, assunto que, inclusive, trato com maior profundidade em meu último livro: Ivan: 30 lições de mercado. Até hoje tenho saudades daquele Argonaut, no qual a rainha e eu viajávamos.