Mercadores da Noite #153 - O Mito do Governo Grátis

25 de janeiro de 2020
Livro de Paulo Rabello de Castro mostra que nem em países ultracivilizados o governo grátis consegue subsistir.

 

Caro leitor,

Em minha newsletter Os Mercadores da Noite que levou o título “Leitura obrigatória”, publicada no sábado 2 de novembro do ano passado, indiquei cinco livros aos leitores.

Ao final do artigo, escrevi: “Se você, meu amigo, estiver disposto a aprender com os livros que sugeri acima, e realizar essa tarefa, tenho mais uns 30 para indicar”.

Das crônicas que publiquei em Os Mercadores, essa foi uma das que mais repercutiram entre os leitores. Acontece que não posso indicar os outros trinta sem antes fazer uma seleção criteriosa em minha biblioteca, que contém centenas de obras de temas os mais diversos.

No momento, estou terminando de ler O Mito do Governo Grátis – O Mal das políticas econômicas ilusórias e as lições de 13 países para o Brasil mudar, de Paulo Rabello de Castro, que ganhei de presente de meu leitor Luiz Octavio Junqueira Figueiredo.

Como o título resume o conteúdo do livro, não há necessidade de explicá-lo. Mas gostaria de comentar aspectos de países que achei interessantes e educativos.

Não que isso vá ajudar você, caro amigo leitor, a saber se é hora de  ficar comprado ou vendido em Bolsa ou qualquer outro mercado. Mas com certeza será de grande valia para entender o mundo em que vivemos e, por conseguinte, interpretar os fatos.

Não vou falar de todos os países mencionados no texto de Castro e sim daqueles casos que achei mais curiosos e intrigantes. Nenhum deles tão paradoxal quanto o da Argentina.

Na passagem do século 19 para o 20, o país hermano era um dos mais ricos do mundo. “Buenos Aires”, diz o livro, “se tornou conhecida como a Paris do Sul”.

Nos pampas, cultivava-se grãos em terras superiores em fertilidade às do Corn Belt americano. Nessas mesmas planícies, verdes a perder de vista, pastava o gado que propiciava a carne saborosa que o mundo todo enaltecia e que os portenhos comiam quase de graça.

Quando, na Europa, se queria dizer que uma pessoa era muito rica, chamavam-na de “argentino”.

Meio século mais tarde, surgiu um caudilho salvador (salvar quem de quê?). Ele decidiu que o Estado deveria cuidar das pessoas.

Claro que estou falando de Juan Domingo Perón, ajudado em sua missão por sua mulher, Evita, a mãe dos descamisados, ainda mais carismática do que o marido, carisma esse que virou verdadeira canonização após sua morte prematura em 1952, aos 33 anos de idade.

Perón e Evita distribuíram o que o Estado tinha e o que não tinha. O resto é história. No entanto, as terras férteis continuam lá. Só que os argentinos continuam sendo peronistas, como se os brasileiros ainda fossem getulistas, os franceses, gaullistas, e os chineses, maoistas.

Exemplo de um país no qual o mito do governo grátis se manifesta em sua plenitude é o da Argentina. E parece que não tem cura.

Se os pampas foram abençoados com “En la siembra, todo da”, como um Caminha espanhol teria escrito, no extremo oposto do continente os venezuelanos passam fome sentados em cima das maiores reservas petrolíferas do planeta.

A Venezuela é o país sul-americano onde o governo grátis mostrou sua face mais perniciosa. Os populistas Hugo Chávez e seu sucessor Nicolás Maduro foram ainda mais distributivos do que Perón e Evita, que, ao menos, se restringiram aos compatriotas.

Não contentes com seus programas internos de assistência social, Chávez e Maduro decidiram dar petróleo à Cuba e auxiliar a Bolívia, o Equador e a Nicarágua, além de comprar títulos da dívida pública da (acreditem) Argentina kirchneriana, pagando ao par papéis que não valiam um terço de seu valor de face.

Resultado: os venezuelanos que não emigraram para a Colômbia e o Brasil não dispõem nem de papel higiênico, que dirá um pedaço de carne, a não ser dos restos que catam no lixo dos ricos, asseclas de Maduro.

Detalhe: quando Chávez assumiu o poder, em 1999, o barril do petróleo estava cotado a 17 dólares. Subiu até US$ 146,00, enquanto o país empobrecia.

Se há um país cujo governo foi encolhendo (não estou falando do lado político) economicamente, este foi a China.

Comunista no nome (República Popular da China) e no partido único, após Den Xiaoping (1904/1997), aquele do “Não importa se o gato é branco ou preto, desde que mate o rato”, virou um dos paraísos do capitalismo.

Não é à toa que se tornou a segunda maior economia do planeta, um lugar onde até uma gripe faz o mundo espirrar.

“A experiência social de Singapura é fincada na convicção da superioridade da iniciativa privada e da responsabilidade individual sobre a alternativa da planificação estatal e do distributivismo coletivista”, diz O Mito do Governo Grátis.

Não é por mero acaso que, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (outubro de 2019), Singapura tem o nono PIB per capita do planeta. Isso para uma ilha que era não mais do que um conjunto de favelas e cortiços miseráveis por ocasião de sua independência em agosto de 1965.

A impressão que a gente tem é que a Suíça (Confederação Helvética) sempre foi rica. E não é que foi mesmo. Neutra, escapou incólume da Segunda Guerra Mundial, na qual os três países ao seu redor − França, Alemanha/Áustria (unificadas por Hitler em 1938) e Itália − se envolveram.

Sua legislação engessa o Estado e dá total liberdade aos cidadãos. Não é sem motivo que o franco suíço vale mais do que o dólar, apesar de o país “remunerar” os depósitos bancários em meio por cento ao ano... negativo.

Quer aplicar lá? Paga.

Tida como paraíso mundial do Estado de bem-estar social, a Suécia quase quebrou por causa disso. Chegou a ter 1,5 funcionário público para cada empregado da iniciativa privada.

A inflação alcançou 16% ao ano (1982). As taxas de juros, inacreditáveis 500% ao ano (momentaneamente, é claro) para impedir uma crise cambial de consequências imprevisíveis.

Só após ter contido radicalmente as despesas públicas, e os benefícios aos cidadãos, o país se recuperou. Nem no ultracivilizado mundo nórdico o governo grátis consegue subsistir.

São essas algumas das lições que estou aprendendo no livro de Paulo Rabello de Castro.

Como disse no início, elas podem até não ajudar diretamente o caro amigo leitor nos trades do dia a dia. Mas mostram como o mundo funciona. Em algum momento isso pode (e vai ser) de enorme utilidade.

Daí minha recomendação de “O Mito do Governo Grátis”, nem que seja como fonte de consultas, como será o meu caso daqui para a frente.

Um abraço,

Ivan Sant'Anna

Se você tiver críticas, elogios, sugestões ou perguntas ao autor desta newsletter, envie um e-mail para mercadores@inversa.com.br.

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

A Inv é uma Casa de Análise regulada pela CVM e credenciada pela APIMEC. Produzimos e publicamos conteúdo direcionado à análise de valores mobiliários, finanças e economia.
 
Adotamos regras, diretrizes e procedimentos estabelecidos pela Comissão de Valores Mobiliários em sua Resolução nº 20/2021 e Políticas Internas implantadas para assegurar a qualidade do que entregamos.
 
Nossos analistas realizam suas atividades com independência, comprometidos com a busca por informações idôneas e fidedignas, e cada relatório reflete exclusivamente a opinião pessoal do signatário.
 
O conteúdo produzido pela Inv não oferece garantia de resultado futuro ou isenção de risco.
 
O material que produzimos é protegido pela Lei de Direitos Autorais para uso exclusivo de seu destinatário. Vedada sua reprodução ou distribuição, no todo ou em parte, sem prévia e expressa autorização da Inversa.
 
Analista de Valores Mobiliários responsável (Resolução CVM n.º 20/2021): Nícolas Merola - CNPI Nº: EM-2240