Gritty Investor #27 - Ibovespa está caro ou barato?

10 de novembro de 2017
A 74.000 pontos

Gritty Investor

Oi.

George Soros é um dos maiores traders da história. Mas, no fundo, acho que ele queria ser reconhecido como um grande filósofo, coisa que não conseguiu.

Quando li “Alquimia da Finanças”, nos anos 90, não fui capaz de entender completamente o conceito de reflexividade dos mercados. Eu ainda acreditava que para tudo existe um preço justo. Segundo esse conceito, fundamento e preço influenciam um ao outro e, portanto, o valor justo não é fixo. Assim, o mercado está em eterno desequilíbrio. Esse desequilíbrio tende a levar os preços a extremos de otimismo e pessimismo. Nesses extremos se criam condições de reversão dos fundamentos e, eventualmente, dos preços.

Assim, em geral, 80 por cento do tempo estamos em ciclos de alta ou de baixa. Em 20 por cento estamos nos extremos e devemos nos preparar para reverter nossa posição. Fácil falar, difícil fazer.

Outra constatação do livro é que é impossível a um participante do mercado analisar a situação sem um viés. Em extremos isso é mais complicado porque geralmente o consenso está justamente na visão a favor do movimento. Nossas decisões são influenciadas por nossas posições e pelo ambiente ao redor. Às vezes, a única forma de analisar uma posição é sair dela, aguardar um tempo, repensá-la de fora e não falar com outros participantes. Esse é um exercício extremamente difícil. A complexidade só aumenta quando adicionamos um fenômeno de irracionalidade de decisão conhecido como “ancoragem” de preços.

Uma vez fiz uma apresentação do Fundo Skopos, junto com outros gestores, para uma plateia de aproximadamente 400 pessoas. Foi pedido a cada gestor que apresentasse uma das ideias do fundo e qual era o potencial de ganhos desse investimento. Enquanto eu aguardava a minha vez de falar, distribuí na plateia 30 perguntas praticamente iguais e coletei os resultados ali mesmo. A pergunta era:

“O cargo de presidente da República pode ser comparado ao do mais importante CEO do Brasil. Você acha que o salário do presidente deveria ser maior ou menor que 1 milhão/mês? Qual salário você considera justo?”

Essa pergunta foi dada a 15 pessoas. As outras 15 receberam uma pergunta igual, mas com uma única diferença: o salário do presidente deveria ser maior ou menor que 10 mil/mês?

Como era de se esperar, a grande maioria do primeiro grupo achava que o salário deveria ser menor do que o valor indicado. Já no segundo grupo, a maioria concordou que deveria ser maior do que do valor apontado.

No entanto, a média sugerida de salário dos que receberam a pergunta com 1 milhão/mês foi de 300 mil/mês, enquanto quem recebeu a pergunta com 10 mil/mês sugeriu 50 mil/mês, em média. Racionalmente, a pergunta era idêntica. Mas o texto da pergunta “ancorava” a pessoa e, ao final, o salário “justo” era 6x maior no primeiro grupo. Se a resposta a uma pergunta tão simples sofre tamanha influência da pergunta em si, como calcular o preço justo de uma ação?

Volto ao título dessa newsletter e, provavelmente, teremos respostas divididas para a pergunta: o Ibovespa deve valer mais ou menos que os atuais 74.000 pontos? Mas, independentemente das respostas, as previsões otimistas ou pessimistas estarão “ancoradas” pelos atuais 74.000 pontos e deverão estar ao redor de mais ou menos 20 por cento do valor atual. Mas a realidade não funciona assim. Especialmente em um período como o que viveremos nos próximos 12 meses. Estamos fadados a viver extremos de otimismo ou pessimismo.

Uma das formas de tentar se livrar da ancoragem de preços é olhar em retrospectiva quais eram as premissas e preços no passado e comparar com a realidade e os preços atuais.

Se perguntássemos em janeiro deste ano qual seria a taxa de juros no Brasil em dezembro, provavelmente encontraríamos respostas entre 8,5 e 9 por cento. Se adicionássemos à pergunta a informação de que o governo Temer seria abalado por denúncias de corrupção, que levariam o MPF a formular um pedido ao Congresso de autorização para investigação do presidente e que, com isso, a reforma Previdenciária fosse, na melhor das hipóteses, uma versão desidratada do que até então era a considerada viável, qual seria a resposta? Provavelmente seria de algo próximo de 10 por cento.

Entretanto, hoje, uma Selic de 10 por cento parece algo impossível agora que ancoramos nossas expectativas ao redor de 7 por cento. Mas talvez estejamos ancorando errado.

Aos preços atuais, o Ibovespa negocia a 21.5 vezes os lucros das empresas nos últimos 12 meses. Esse patamar embute uma expectativa grande de melhora de resultados já que o S&P500, melhor indicador da bolsa americana, negocia a 21.7 vezes. Considerando os riscos e oportunidades, os preços atuais oferecem potencial de alta caso o melhor aconteça, mas, certamente, já embutem expectativas de melhora.

Fazendo a mesma análise para outros ativos, encontrei apenas um que se destaca. Uma jabuticaba ainda existe no mercado. Os leitores da série A Carta já sabem qual ativo em minha opinião parece oferecer a melhor relação risco/retorno hoje.  Eu conto isso a eles em um relatório extra disponibilizado hoje.

Mas o importante nessa hora é buscar um distanciamento saudável e avaliar qual é o nosso verdadeiro apetite ao risco. Mas, no fundo, todos nós queremos ganhar dinheiro e ter uma boa história para contar. Risco é para heróis no cinema.

Conheça o responsável por esta edição:

Pedro Cerize

Gestor de fundos de investimentos e autor da série A Carta

Sócio-fundador da Inv e da Skopos Investimentos, Pedro Cerize é considerado um dos melhores gestores de renda variável do Brasil. Em sua série “A Carta”, analisa a economia brasileira e sugere alocações de investimentos. Também é autor da newsletter "Gritty Investor" e está à frente da série "1+100 Reloaded", além de participar da "Top Pix".

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