Sunday Notes #24 - Sobre balanços (de parque) e Buffett

4 de março de 2018
Sua companhia para investir

Sunday Notes

A carta anual da Berkshire Hathaway, empresa que faz a gestão dos negócios de Warren Buffett, foi divulgada na semana passada. Como nos anos anteriores, seus insights foram muito comentados nas redes sociais e em relatórios do mercado após a publicação. Convidei hoje o Matheus Spiess, da nossa equipe de conteúdo, para comentar o assunto. E, no final, destacamos alguns parágrafos da carta.
Um abraço e até a próxima semana,
Olivia Alonso


Olá, como vai?

Aqui é o Matheus. Vou começar com uma pequena história... 

Lembro-me de, quando pequeno, visitar a cidade natal de meu pai, Formosa do Oeste, no interior do Paraná. No pequeno e pacato município, onde todos se conhecem, eu costumava caminhar com meu velho nas manhãs de verão por entre as ruas sem carros nas proximidades da casa de meu tio, que acabou nunca saindo da terrinha. 

O silêncio dominava as sinuosas vielas, resultando inutilmente na solidão dos ecos de nossos passos para dentro das diversas varandas de lares ainda adormecidos - não precisávamos conversar; a simples presença do outro nos bastava.

O objetivo, em geral, era atravessarmos a pé até a praça central, onde eu corria para alguns brinquedos, esquecidos no tempo, enquanto meu pai se sentava em um velho banco de madeira e me observava. De vez em quando, levávamos meu primo, então eu tinha que revezar com ele no único balanço. Perdido em meus devaneios ingênuos da infância, perguntava: "Quer que eu te balance primeiro?". 

Pobre de mim. Que criança responderia "não" a este questionamento? Com o passar do tempo, crescemos e aquele parquinho já não existe mais... Voltou ao pó, assim como nós voltaremos, mais cedo ou mais tarde.

Doce é a saudade da simplicidade de como as coisas funcionavam. Se o leitor está confuso sobre o motivo de eu ter compartilhado esse sentimento nostálgico, explico: quem me resgatou essa lembrança na última semana foi ninguém mais, ninguém menos do que Warren Buffett, um dos homens mais ricos do mundo.

Não leu errado, foi o Oráculo de Omaha que me motivou a escrever para você hoje.

E por quê? 

Bem, em sua carta anual lançada recentemente (Clique aqui e leia você mesmo), Buffett, entre diversos pensamentos elaborados durante o texto, chama atenção para o movimento da Bolsa americana: todo mundo está compradaço em Bolsa. Como value investor, o empresário bilionário atém-se ao princípio fundamental de aversão a risco. 

Nessa perspectiva, a busca de valor se dá por assimetrias convidativas geradas a partir daquilo que chamamos de margem de segurança, isto é, a diferença entre o preço atual das ações e seu respectivo preço justo. Quanto maior a margem, melhor é a assimetria, e, com isso, mais retorno você terá.

Agora me responda: o que acontece quando todo mundo começa a comprar Bolsa sem pensar duas vezes, ou ainda, comprar qualquer coisa porque está subindo e, “com toda certeza”, não vai parar de subir?

Exatamente, aumenta-se a demanda em uma oferta, na média, estável... Os preços explodem. A Bolsa americana esticou e, com todo mundo comprado, tudo está caro - com tudo caro, não existe margem de segurança e, sem ela, todo o conceito de value investing se esvai. As razões desse descompasso entre ações e criação de riqueza real decorre de inúmeros fatores, aos quais seria possível dedicar uma newsletter inteira.

Só que temos um porém... Indiscriminadamente comprados, você acha que os agentes do mercado financeiro vão falar para você comprar ou vender ações?

Da mesma forma que não se pergunta para o primo se ele quer ser o primeiro no balanço, não se deve perguntar a um banqueiro se é pra comprar bolsa em um super bull market (mercado super alto - e caro). 

Ou melhor ainda, como disse Buffett: "Não pergunte ao barbeiro se você precisa de um corte de cabelo". 

O “Investidor Inteligente” precisa estar atento a esses detalhes potencialmente catastróficos, porque quando a manada vai para uma direção, geralmente as melhores posições estão no caminho contrário. 

Aqui da Inversa, nós te ajudamos justamente aí. Não queremos apenas reafirmar nossas crenças numa espécie de dogma, mas buscamos o que é melhor para o nosso leitor, as oportunidades fora da curva e não triviais. E, quando o óbvio dá certo, também não temos nenhum problema em indicá-lo.

Em um mundo onde um dos maiores investidores da história não sabe onde colocar o dinheiro porque tudo está caro (Buffett escreveu em sua carta que tem, atualmente, 116 bilhões de dólares em caixa) e todos investem irresponsavelmente, melhor será ser prudente e esperar a oportunidade certa, afinal, a última coisa que você quer é comprar caro e vender barato, cenário provável neste late-cycle.

Veja, reforço: não estou falando para fugir da Bolsa, apenas para redobrar sua atenção, assim como eu deveria ter feito com a (também ingênua, eu sei) malandragem de meu primo. 

Procure empresas estáveis, com grandes barreiras de entradas, bom management e com oportunidades de crescimento, não só interno como de upside nos preços. 

Se você não leu as duas últimas edições da newsletter Gritty Investor, do Pedro Cerize, recomendo que aproveite as últimas horas do fim de semana para isso. Ele aprofunda bastante cada um desses quesitos. Nada como ter alguém que já colocou tudo isso em prática - e fez centenas de milhões no mercado – escrevendo sua cartilha de sucesso.

E fique atento aos seus e-mails, em breve você terá mais novidades sobre como escolher as melhores ações para value investing, mesmo em tempos adversos.

Não é porque uma nuvem escura pode estar se aproximando que ficaremos de fora da renda variável. E, recorrendo novamente a Buffett: mesmo com receio, este grande homem identificou oportunidade na Pilot Flying J ("PFJ") em 2017. Qual será a PFJ de 2018 para os brasileiros?

Por hoje fico por aqui. Logo abaixo, mais alguns trechos que destacamos da carta da Berkshire.

Um forte abraço,
  
Matheus Spiess

 

Alguns destaques da carta anual de Buffett

     

“Nossa aversão à alavancagem atenuou nossos retornos ao longo dos anos. Mas Charlie e eu dormimos bem. Nós dois acreditamos que é uma loucura arriscar o que você tem para obter o que não precisa. Nós tínhamos essa visão há 50 anos, quando nós fizemos parcerias de investimentos financiadas por alguns amigos e parentes que confiaram em nós. E mantemos isso hoje, depois de um milhão ou mais de 'parceiros' que se juntaram a nós na Berkshire.”

     

“Felizmente, não preciso, nesse caso, trazer conhecimento à mesa: Mark Donegan, CEO da Precision, é um extraordinário executivo industrial, e qualquer negócio em sua área de domínio está fadado a dar certo. Apostar em pessoas às vezes pode ser mais certo do que apostar em ativos físicos.”

    

“Charlie e eu nunca vamos tocar a Berkshire de uma maneira que dependa da bondade de estranhos - ou mesmo dos amigos que podem estar enfrentando problemas de liquidez.”

     

“Embora os mercados sejam geralmente racionais, eles ocasionalmente fazem coisas loucas. Aproveitar as oportunidades oferecidas não requer grande inteligência, um diploma em economia ou familiaridade com o jargão de Wall Street, como alfa e beta. O que os investidores precisam é de uma capacidade de desprezar os medos e os entusiasmos da multidão e se concentrar em alguns fundamentos simples. A vontade de olhar ‘sem imaginação’ por um período contínuo - ou mesmo parecer tolo - também é essencial."

 

 

Conheça o responsável por esta edição:

Olivia Alonso

Publisher

Especialista em investimentos, Publisher e CEO da Inversa. É formada pela Faculdade Cásper Líbero, com MBA em Finanças e Mercado de Capitais na FIA e especialização em Finanças e Negócios na Universidade de Macau. Vencedora do VI Prêmio de Educação ao Investidor da CVM e autora do livro “Criando Riqueza: um guia prático de investimentos e finanças pessoais para leigos”. Trabalhou em agências de notícias no Brasil e no exterior, no iG, no jornal Valor Econômico, na Empiricus e no Seu Dinheiro.

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