Banco Central em risco

27 de outubro de 2021
Depois de sucessivos erros de cenário e comunicação, o Banco Central do Brasil se encontra em uma situação bem complicada. Nada que fizer vai agradar.

Banco Central em risco

Por Rodrigo Natali
 

 

Antes de começar o relatório de hoje, vamos deixar clara a meta do Banco Central, tirada do Diário Oficial do dia 25 de fevereiro de 2021, quando foi outorgada a Lei Complementar número 179, que garantiu a autonomia do Banco Central. Diz o seguinte: 

Parágrafo único. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental, o Banco Central do Brasil também tem por objetivos zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego.”

O objetivo fundamental citado é o sistema de metas de inflação. 

No ano corrente, o centro da meta é de 3,75%, com uma tolerância de 1,5 ponto percentual. 

Infelizmente, devemos fechar o ano de 2021 com um índice IPCA com uma inflação acima de 9% e, a essa altura do campeonato, não há nada que o Copom possa fazer via juros. É tarde demais. 

Isso ocorre porque os efeitos da política monetária, mais especificamente da alta de juros, levam de 6 a 9 meses para se refletir totalmente na economia. 

Ou seja, nada que for feito agora terá impacto até o final do ano. E justamente por isso que o Banco Central, na reunião do Copom em agosto, mudou o foco do sistema de metas para o ano que vem. 

Em 2022, o centro da meta fica um pouco abaixo, em 3,5%, com a mesma margem de tolerância. Logo, a parte de cima da banda fica em 5% e as previsões, hoje, se encontram um pouco acima de 4%, ou seja, dentro da meta.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, por não cumprir a meta de inflação deste ano, deverá mandar uma carta aberta ao Ministério da Economia no início de janeiro explicando os motivos pelo descumprimento da mesma. 

Isso, nas mãos de outra pessoa que não o Ministro Paulo Guedes, muito próximo a Campos Neto, poderia servir de pretexto para que o Presidente da República enviasse um pedido de exoneração do Presidente do BC e da sua diretoria para o Senado, que, votando por maioria simples, poderia exonerá-los.

Não podemos afirmar isso sobre o que próximo Ministro da Economia, que pode não ser o Paulo Guedes, e com outro presidente, que pode não ser Jair Bolsonaro. 

Se no ano seguinte, começo de 2023, Campos Neto tiver que escrever outra carta aberta explicando por que não cumpriu suas metas, poderá ser retirado do cargo. 

E isso não é ruim apenas para ele, pessoalmente; é um problema para a estabilidade financeira do país. Porque, na prática, o grande ganho com a PEC 179 é que os mandatos do presidente do Banco Central se intercalam com a do Presidente da República. 

O mandato de Roberto Campos, por exemplo, dura até o segundo ano do próximo governo, acabando em 31 de dezembro de 2024. Essa conquista garante que a mudança do líder do Executivo nas eleições não signifique uma mudança na política monetária, o que torna o país mais estável. 

Mas se, na prática, o Banco Central se colocar numa situação onde o próximo presidente pode tirá-lo, estaremos, de fato, removendo esse efeito benéfico da Economia.

E desde que o estouro do teto de gastos foi admitido pelo Ministro da Economia e o mercado, em coro, começou a pedir uma alta maior de juros (quase um choque), com a desculpa de que isso é necessário para que o BC mantenha sua credibilidade, criou-se um cenário em que os juros, talvez, subam rápido e longe demais. 

O mercado já pede, e isso é refletido claramente nas taxas de juros futuras, que o juro chegue acima de 12% ao ano. 

Como já temos uma previsão de queda no PIB ano que vem, um erro de política monetária nesse sentido poderia levar ao descumprimento das outras metas: de crescimento econômico e de fomentar o pleno emprego. 

Se isso acontecer, a economia desaquecer e tivermos uma recessão, se torna bem mais provável que o atual presidente não se reeleja e que a hipótese acima se concretize. 

Temos motivos para que o BC tome esse risco no atual momento? Na minha opinião, não. 

Estamos dentro da meta de inflação do ano que vem e não existe pânico nenhum no mercado. Os economistas estão apenas fazendo seu trabalho e agindo em prol das empresas que pagam os seus salários.

E o próprio mercado está enxergando esse efeito de maior probabilidade de recessão através da inclinação da estrutura a termo da curva de juros. 

No gráfico abaixo, em que vemos a diferença entre os juros de 10 anos contra os de 2 anos, é evidente que houve uma grande queda nos últimos dias em direção a zero. Isso foi ao mesmo tempo em que o mercado começou a pedir uma alta maior na reunião do Copom. 

Esse tipo de nível de inclinação normalmente precede recessões, como podemos ver no gráfico.

Espero que o Banco Central tenha parcimônia e se lembre que hoje tem mais de uma meta e esse foi o preço para ser independente. 

E, na sua função de instituição máxima do mercado financeiro, deveria lembrar que os operadores deveriam tentar adivinhar o próximo passo do Banco Central nos juros, não o contrário.

Conheça o responsável por esta edição:

Rodrigo Natali

Estrategista-Chefe

Rodrigo Natali tem graduação e MBA pela FGV. É especialista em câmbio e macroeconomia, tem 25 anos de experiência no mercado financeiro, tendo passado por diversas instituições nacionais e internacionais onde exerceu a profissão de trader e gestor de fundos de investimento multimercado.

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