Mind the Gap #8 - Ações da insanidade

Ações esticadas em setores de tecnologia nos EUA e no Brasil beiram a loucura: se quiser ver a frente, melhor estar preparado quando a bolha estourar.

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Nota do editor: nas próximas linhas, Marink Martins vai apresentar de maneira inconfundível seu pensamento valioso de como o preço das ações de tecnologia flertam com o manicômio. 

Olá, leitor(a) Inversa!

Na newsletter de hoje, quero falar com você sobre um seleto grupo de ações, o qual denomino o grupo da insanidade.

Faço referência ao monitoramento de uma tela com as seguintes características: ações que se valorizaram bastante nos últimos meses/anos e empresas com baixíssima lucratividade (se é que apresentam lucros, muitas delas ainda não mostraram).

Para monitorarmos como essas empresas se encaixam, como se enquadram no mercado em relação a múltiplos e valuations, resta a nós olhar o seu valor na bolsa, comparar com seus faturamentos e fazer uso da expressão do momento, “Total Addressable Market”.

Esta expressão significa avaliar o potencial de crescimento, quais são as possibilidades de penetração e o tamanho do mercado que a empresa pode acessar.

Lá atrás, na época da bolha do Nasdaq, entre 1999 e 2000, período que sempre faço referência em meus comentários, uma das expressões do momento era a quantidade de “Page Views”  

Falava-se muito de uma determinada empresa e sobre o número de visualizações das páginas da companhia, ou seja, o volume de acessos.

Era uma época em que ainda estávamos muito ligados a métricas de sites.

Manicômio de múltiplos

Hoje, evoluímos, o mercado cresceu muito. No entanto, tem algo que se mantém: a natureza humana. 

A natureza especulativa de criar bolhas sempre nos acompanhou e sempre seguirá conosco em nossa jornada.

Voltando para o grupo da insanidade, vou compartilhar com você as empresas dessa lista, somente algumas, mas existem muitas hoje em dia.

A primeira é a Tesla, empresa de carros elétricos. A segunda é a Shopify, empresa canadense de forte atuação no comércio eletrônico.

Tem ainda a Uber, que todos nós conhecemos, a Peloton que, de forma irônica, é uma grande bicicleta ergométrica com um iPad na frente conectada a outras bicicletas com iPads na frente. 

Aqui no Brasil, temos a Magazine Luiza, a B2W, a Via Varejo e o Mercado Livre, atuante no país e em outros mercados da América Latina.

O Mercado Livre, por exemplo, negocia a múltiplos de 20 vezes o seu faturamento: a empresa vale US$ 50 bilhões e sua receita bruta, em 2019, foi de US$ 2,5 bilhões. Um múltiplo esticado.

Essa Peloton, empresa de bicicleta ergométrica, tem um múltiplo de 35 vezes. Cá entre nós, é a própria insanidade em pessoa (jurídica, naturalmente).

A mágica do zero custo

O mais importante desse comentário que busco fazer aqui é compartilhar um trecho de uma entrevista que foi concedida por Scott McNealy (na época, CEO da Sun Microsystems).

Essa empresa atua no mercado de computação e brilhou nos anos 1980, 1990 e no começo do milênio.    

A ação da Sun, que em 1998 valia por volta de US$ 6, atingiu máxima durante o auge da bolha do Nasdaq de US$ 64. Dois anos depois, estava de volta aos US$ 6.

Na ocasião, da entrevista concedida à revista BusinessWeek, o Scott McNealy disse o seguinte, respondendo a investidores que reclamavam do colapso ocorrido com as ações e apontando a distorção existente quando as ações eram negociadas em US$ 64, cerca de 10 vezes o volume de vendas (e veja que aqui no texto dei exemplos de 20 vezes vendas, 35 vezes vendas).

“Com o preço das ações negociando 10 vezes vendas, para que eu consiga devolver seu capital em 10 anos, preciso fazer o seguinte: tenho que te pagar praticamente 100% da receita por 10 anos seguidos através da distribuição de dividendos. Mas aí, o custo dos produtos que vendo tem que ser zero, o que – convenhamos – é algo muito difícil para uma empresa atuando na fabricação de computadores” 

Complementando, Scott McNealy aponta:

“Isso assume também que eu não tenha despesas operacionais, complicado administrando uma empresa com 39 mil empregados. Também partimos da preposição de que não pago impostos, o que é muito difícil. Mas isso também assume que você, investidor, não paga impostos sobre os dividendos recebidos, o que nos EUA é ilegal. Também partimos do pressuposto de que eu consiga manter constante minha taxa de crescimento, mesmo não gastando nada com P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) pelos próximos 10 anos, pois estou distribuindo tudo para você. Consegue perceber o quão ridículas são todas essas premissas?” 

Em conclusão, Scott McNealy completa:

“Você não precisava de maiores informações, você não precisava de notas explicativas. O que você tinha em mente ao comprar as ações pagando 10 vezes vendas?”

Tecnologia brasileira e dólar forte como falácias

A fala do Scott McNealy é extremamente relevante para o que se passa no mercado hoje, em especial no varejo digital brasileiro, que é o símbolo da tecnologia.

Convenhamos: a gente não tem um setor de tecnologia no Brasil. Mas os brasileiros adoram, com o desejo mimético, replicar as ideias americanas. 

Os investidores fizeram isso lá atrás com Globocabo, fizeram com Inepar e, agora, fazem isso com Magazine Luiza, com Via Varejo, com B2W: é da natureza do brasileiro.

Quando isso vai parar? Quem sou eu para dizer. Mas acho que essa fala do Scott McNealy deve fazer com que você reflita a respeito disso. Você pode optar por ficar fora.

Contudo, o mundo mudou. O mundo é diferente daquele de 2002 quando Scott McNealy concedeu essa entrevista.

Não só falando do mundo de uma forma geral mas, em particular, os EUA mudaram. À época, havia um certo respeito pela moeda americana. Respeito esse que, em um mundo polarizado como esse que vivemos, talvez esteja indo embora.

É bem provável que esteja em curso, tomando emprestado um conceito do acadêmico Luigi Zingales, professor da Universidade de Chicago, de latinização dos EUA.  

É possível que, para se manter no poder, os políticos (em particular Trump) vão fazer o que for necessário, mesmo arriscando o futuro dos seus jovens eleitores.

Digo que é possível que essa busca desenfreada por ativos de risco seja um sintoma de uma nação que começa a não acreditar mais em sua moeda.

O longo ciclo de valorização relativa do dólar parece estar terminando. 

Sendo assim, no curtíssimo prazo, a única garantia seja de uma maior volatilidade em todos esses ativos.

Portanto, prepare-se.

Muito obrigado por sua atenção.

Até a próxima!

Marink Martins

Conheça o responsável por esta edição:

Marink Martins

Especialista em Opções e Mercados Globais

Formado em Finanças pela University of North Florida, em Jacksonville, Marink Martins é um dos maiores especialistas do Brasil em operações não direcionais, com especial foco em Opções e em volatilidade. Em seus mais de 20 anos no mercado financeiro, experimentou as euforias da Bolsa de Valores e sobreviveu às suas piores crises, tendo contato com as principais estratégias de investimento em Wall Street.

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