Mind the Gap #17 - Eu não sou um insider

24 de setembro de 2020
Para atuar no mercado, é preciso saber dosar: informação demais pode tornar suas operações vulneráveis

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Nota da Editora: nas próximas linhas, Marink Martins mostra a você como uma informação privilegiada pode tornar suas operações vulneráveis.

Olá leitor(a),

Talvez o título dessa newsletter tenha causado certa curiosidade, mas calma: não estou me referindo ao uso de informações privilegiadas. 

Você já deve ter ouvido a expressão em inglês “insider” para se referir a uma pessoa que tem acesso a informações privilegiadas. Entretanto, esta é uma atividade ilegal e não é o tema de discussão desta publicação.

Hoje quero explorar para você a seguinte questão: o acesso a informação pode realmente conferir certa vantagem competitiva?

Esse processo é comumente praticado por pessoas físicas e, principalmente, por jurídicas, os investidores institucionais, que dedicam bastante tempo e recursos na busca de informações.

Tive a oportunidade de atuar na área de acesso corporativo da corretora ICAP, onde organizei eventos com pessoas importantes como o Roberto Castello Branco, economista brasileiro com passagem importante e expressiva na Vale e hoje presidente da Petrobras.

Trago o exemplo do Roberto especialmente pelo fato de uma decisão importante relacionada à Petrobras ser tomada nesta semana: falo da decisão do Supremo Tribunal Federal quanto à necessidade de aprovação do Congresso para que a Petrobras possa vender suas subsidiárias.

Essa votação, que irá definir se a Petrobrás poderá vender seus ativos de forma mais simples e sem autorização do Congresso, está em curso no momento que escrevo esta newsletter, perdendo por 2 votos.

Uma decisão favorável à Petrobras seria boa para a petrolífera e para o Brasil, pois resultaria numa rápida geração de caixa para a empresa, além de possibilitar a saída ou redução da sua participação no mercado de refino, encerrando o monopólio desta área, tema de discussão no Cade.

Em contrapartida, uma decisão desfavorável a este processo não impede que a empresa venda seus ativos, mas pode tornar o processo mais complexo e lento, com um impacto no preço das ações. Por isso a busca por essa informação é algo importante.

Contudo, costumo argumentar em minhas newsletters que eu, como trader de ações e opções da Petrobras, opto por atuar de forma reativa. Isso não quer dizer que eu não esteja interessado no que será decidido, muito pelo contrário.

Tenho dedicado meu tempo ao estudo do assunto para saber como reagir, mas às vezes é mais interessante esperar que os eventos se definam para saber a reação do mercado.

Não me refiro apenas a esta decisão, mas também a outros eventos corporativos, como a divulgação dos resultados trimestrais.

Mas por que eu faço essa argumentação?

Informações excessivas

Primeiro, costumo pensar na assimetria de informação. Por mais que busco ter uma vantagem competitiva em relação aos eventos do mercado, tenho consciência das minhas limitações.

Sou um investidor, especulador pessoa física, e, por mais que invista em uma consultoria com contatos em Brasília, tenho sérias dúvidas se teria uma vantagem competitiva.

E mesmo que consiga ter acesso qualificado, desconfio que esse tipo de informação, por mais valiosa em um determinado evento, pode trazer consigo um elevado grau de vulnerabilidade. 

Explico: em um dos aforismos presentes no livro “The bed of procrustes”, o matemático Nassim Nicholas Taleb comenta que a busca pela informação pode deixar o sábio um pouco mais sábio, mas deixar o tolo extremamente perigoso.

Além de gostar muito desse aforismo, ele expressa bem o que quero transmitir: o acesso à boa informação pode te deixar extremamente confiante, fazendo com que você viole regras básicas de mercado associadas ao tamanho da sua operação.

Afinal, se você tem convicção, por que não entrar com tudo em uma operação?

Podemos pegar os acontecimentos de 1999 como exemplo. Quando a moeda brasileira ficou desvalorizada, instituições como o Banco Marka, do Salvatore Cacciola, e o Banco FonteCindam sofreram muito com as alegações (talvez um tanto controversas) sobre o uso de informações privilegiadas.

Basta uma mudança drástica, algo recorrente no mercado, para os insiders quebrarem, porque são justamente os insiders aqueles com maior nível de convicção sobre determinado assunto. 

Voltando aos aforismos do Taleb, se você for um tolo, a informação pode ser extremamente perigosa, não só para você, mas também para os seus familiares ou empregados, caso seja responsável por tais.

Além do processo de divulgação de informações ser assimétrico, o mercado procura antecipar-se aos eventos, de forma que, quando um evento corporativo chega de fato ao conhecimento do público, muitas vezes a reação do mercado é contraintuitiva.

Sendo assim, como trader, olho sempre para diversos indicadores de mercado, não só o preço da ação e o volume negociado, mas principalmente para a volatilidade implícita, com o intuito de antecipar movimentos.

Curiosamente, esse indicador, relacionado à busca por informação privilegiada, provocou uma disrupção negativa na minha carreira em 2007. 

Quando a Petrobras divulgou na época do pré-sal que o poço Tupi tinha reserva estimada de 5 a 8 bilhões de barris, o mercado inteiro recebeu a notícia com extremo otimismo, provocando alta de 7% nas ações preferenciais logo na abertura, chegando a máxima de 13% durante o pregão.

Naquele dia atuava com um grupo na mesa de operações de uma corretora. Operávamos com um volume relativamente alto para pessoas físicas e, embora cada um tivesse a sua própria operação, muitas vezes discutíamos sobre os eventos do mercado.

Nesta ocasião, passamos por um processo conhecido como “efeito manada”, ou seja, aceitamos determinada premissa de forma coesa, resultando em perdas expressivas para todos nós.

O que ocorreu foi o seguinte: foi divulgado o tamanho do poço da Petrobras e as ações abriram o pregão subindo. O mercado já vinha antecipando essa informação e a volatilidade implícita nos contratos de opções da Petrobras estavam elevados, por volta de 55% e 60%.

Diante da revelação do tamanho do poço e com a alta no preço da ação da Petrobras, a volatilidade implícita começou a cair

Buscando mais informações sobre o evento, ficamos sabendo através de um trader importante do banco Morgan Stanley que devido ao fato da informação já ter sido divulgada, a volatilidade provavelmente cairia.

Afinal, o mercado sobe no boato e realiza no fato.

Com um influenciando o outro, aceitamos essa informação de uma forma muito curiosa e drástica, porque aumentamos as apostas na queda da volatilidade.

A volatilidade de fato caiu de 65% para 45% num período de 2 a 3 horas, tendo um impacto importante no resultado.

Mas o que ocorreu no final do dia desse evento de relevância global, com direito a repercussão na CNBC e até propaganda da ex-ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, foi marcante, culminando em um corner no mercado de opções, com disparada no preço das opções.

A volatilidade que, num determinado momento, estava em 65% e chegou a cair para 45%, no final do dia começou a subir de forma impressionante, e atingiu níveis de 150%, pois não havia vendedores de opções. Foi um corner incrível, que teve repercussões nos dias subsequentes.

Mas o ponto que quero chamar atenção é o seguinte: a busca por informação que pode te dar vantagem competitiva traz uma assimetria não convidativa porque, por mais que você possa ter sucesso no uso da informação, o sucesso pode te levar a um nível de confiança excessivo, fazendo com que você replique mais esforços pela busca de informações, tornando-se uma problemática espiralizada.

Caso você ocupe posição bem limitada, como a minha, em termos de acesso à informação, você pode acabar se tornando um trader indisciplinado no que diz respeito ao tamanho da operação, o que no mercado é algo muito importante.

O mercado é constituído por um processo de tentativa e erro, mas você, naturalmente, quer acertar mais do que errar.

Aqui, os erros não podem te quebrar de forma alguma: permaneça sempre vivo. 

Eu fico por aqui, até a próxima newsletter!

Um grande abraço,

Marink Martins

Conheça o responsável por esta edição:

Marink Martins

Especialista em Opções e Mercados Globais

Formado em Finanças pela University of North Florida, em Jacksonville, Marink Martins é um dos maiores especialistas do Brasil em operações não direcionais, com especial foco em Opções e em volatilidade. Em seus mais de 20 anos no mercado financeiro, experimentou as euforias da Bolsa de Valores e sobreviveu às suas piores crises, tendo contato com as principais estratégias de investimento em Wall Street.

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