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Youtube Spotify Apple Google DeezerNota do editor: nas próximas linhas, Marink Martins vai apresentar a você análise única sobre como países periféricos perdem competitividade quando atrelados à Zona do Euro.
Olá!
Você deve ter visto o título da newsletter de hoje, Suécia 4 x 1 Itália. Mas não estou falando de futebol, estou falando de economia.
Mais precisamente quero falar da moeda única europeia, o euro, e fazer uma homenagem ao grande estrategista veterano francês Charles Gave.
Nessa semana, ele escreveu um artigo muito interessante desta visão que se faz presente nos mercados.
A visão é de que a aprovação de um grande acordo europeu para transferir recursos dos países mais ricos (do norte da Europa) para nações periféricas (como Itália e Espanha, muito afetadas pela pandemia) definiria o fim da crise existencial do euro.
Chales Gave se opõe a visão de término da crise do euro, que fez inúmeros investidores não alocarem recursos na Europa, com receio da saída da Itália, que poderia provocar uma crise bancária sem precedentes.
Esta preocupação com a Itália simplesmente tornou os ativos europeus não atraentes por um longo período.
Por outro lado, o que vimos recentemente foi uma reação bem positiva dos mercados, com o dólar perdendo valor.
Venho falando aqui para você do dólar, isso estava tirando meu sono. O DXY, índice que mede uma cesta de moedas contra o dólar, tem 40% do seu peso cotado em euro.
O euro se valorizou bastante, saiu do US$ 1,11 – 1,12 e chegou a ser negociado em US$ 1,19. Nesta manhã, é negociado próximo a US$ 1,185.
Tem muita gente falando que isso é só o começo, que a moeda europeia tende a se valorizar muito.
Em contrapartida, Charles Gave discorda disso.
Prisão da moeda única
Gave discorda de uma maneira muito interessante, ao comparar Suécia e Itália, dois países que durante os vinte anos precedentes à criação da Zona do Euro cresciam em ritmos parecidos.
Depois do advento do euro, ao mesmo tempo que a Itália abandonou a lira e optou por adotar a divisa única, a Suécia manteve a sua própria moeda, a coroa.
Ao longo dos últimos vinte anos, a Suécia apresentou crescimento de 42,6%. Enquanto isso, o PIB italiano sofreu uma contração de 8%.
Com esses números em mente, Charles utiliza uma ferramenta muito utilizada na Gavekal, que é o modelo de Wicksell.
A teoria faz referência ao economista sueco Johan Gustaf Knut Wicksell e, de uma forma bem simples, consiste no seguinte: a taxa de juros de um país deve ser mantida ligeiramente acima da taxa de retorno da economia, medida geralmente pelo ROIC (Return On Invested Capital).
O que o Charles nos diz é: deve-se manter a taxa de juros da economia um pouquinho acima desta taxa de retorno do capital investido, de tal forma que somente as empresas com ótima performance consigam caminhar e prosperar.
Este tipo de formato é um que inspira melhores performances das empresas, com fundamento nas teorias de Joseph Alois Schumpeter, mentor da destruição criadora.
Para Charles, pela interpretação do modelo Wickselliano, situações nas quais as taxas de juros estão muito abaixo das taxas de retorno da economia culminam em engenharia financeira.
Isso a gente vê muito ocorrendo nos EUA com recompra de ações, recentemente falei aqui na Mind The Gap sobre as SPACs (Special Purpose Acquisition Companies).
Na situação italiana, a taxa de juros está bem acima da taxa de retorno das empresas.
Retomada da produtividade
Itália e Suécia, antes do início do euro, apresentavam margens operacionais (excluindo o setor financeiro) parecidas em suas empresas, por volta de 22%, 23%.
Com o euro sendo uma moeda muito forte, a Itália foi perdendo competitividade ao longo do tempo, mostrando queda nas margens operacionais das empresas.
A região do norte da Itália, parte mais industrializada, perdeu competividade para empresas alemãs, resultando em alta do desemprego e forte deterioração do quadro fiscal.
Passados 20 anos, vemos um endividamento na Itália de 150% do PIB, contra uma relação de aproximadamente 43% na Suécia. Uma grande diferença.
As margens na Itália diminuíram bem e o país foi entrando na debt trap (armadilha da dívida), resultando na dominância fiscal: sempre quando há recessão, como não existe liberdade para desvalorização do câmbio, o país sofre um grande problema fiscal.
Você que acompanha o mercado há algum tempo vai se lembrar da crise europeia de 2012, dos PIGS (Portugal, Itália, Grécia e Espanha), quando a taxa de 10 anos da Itália atingiu níveis como 7%.
Hoje a taxa de 10 anos está em um nível muito abaixo pela Itália tirar proveito da estabilidade gerada pela zona monetária única, em particular da Alemanha, que se beneficiou muito com a criação do euro.
Leões, burros, euro e ouro
Em um famoso livro escrito por Gave em 2003, Des lions menés par des ânes (Leões liderados por burros, na tradução literal), com introdução de Milton Friedman e com mais de 20 mil cópias vendidas, existem algumas previsões sobre a Zona do Euro.
Charles neste livro comenta que o euro levaria a uma explosão imobiliária na Espanha, a um certo inchaço no funcionalismo público da França e a construção de inúmeras fábricas na Alemanha.
De fato, o que vemos foi uma Alemanha muito beneficiada, com a Itália sendo uma dentre as grandes perdedoras.
Em suma, na comparação de Suécia e Itália, Gave aponta que os italianos precisam retomar a competitividade.
No artigo existe um gráfico no qual o câmbio medido pela taxa real efetiva do euro (moeda da Itália) é comparado em relação à coroa sueca, à lira turca, ao dólar, ao iene e à libra esterlina.
Destas moedas, todas (exceto o dólar) apresentaram desvalorização superior a 20% frente ao euro.
Logo, a Itália fica presa nesta situação. Mesmo que o norte da Europa promova transferências, doações para o sul, nada disso irá impedir que a Itália eventualmente tenha que retomar sua competitividade através da desvalorização cambial, somente possível com a saída da Zona do Euro, resultando na persistência do problema do sistema bancário do velho continente.
A análise é muito interessante e resulta na reflexão de que o movimento de desvalorização do dólar talvez não ganhe tração como muitos estão argumentando, podendo representar certo risco para o mercado.
Risco muito presente por diversos anos e que, na opinião do Charles, ainda convive conosco.
Charles apresenta a defesa através do ouro faz muito tempo, reforçando sua tese pelo gráfico de que o ouro, nos últimos vinte anos, foi um investimento muito melhor do que o índice S&P 500, com as maiores empresas dos EUA. A indicação tem sido acertada.
Por fim, uma mensagem de Charles: “um mundo em que os tecnocratas dos bancos centrais optaram por manipular as taxas de juros, o melhor a ser feito é buscar proteção”.
Fico por aqui. Muito obrigado pela sua atenção.
Até a próxima quinta-feira!
Um abraço,
Marink Martins