Mercadores da Noite #280: Os favoritos do mercado

11 de junho de 2022
Agora o mercado já tem vivência de petismo (Lula e Dilma) e de bolsonarismo (seja lá como isso possa ser definido). Ao menos sabe com o que está lidando, mesmo que não goste de nenhum dos dois.

Caro(a) leitor(a),

 

Nos últimos dias, andei lendo alguns artigos nos quais os autores afirmaram que a Faria Lima (vale dizer, o mercado) está dividida entre as candidaturas de Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva.

Há adeptos de um e de outro.

Errado!

O que os analistas, gestores e mercadores estão avaliando é qual dos dois será o menos pior para a Bolsa.

Se Bolsonaro, por um lado, é a favor de privatizações, por outro se indispõe com diversos países com os quais o Brasil sempre teve boas relações diplomáticas, além de ser malvisto por sua política ambiental.

Já Lula tem aquele ranço de esquerda, o que colide com a prática de desestatização e enxugamento da máquina pública, tão necessária no momento. Por outro lado, deverá restabelecer diversos laços externos abalados na gestão Bolsonaro.

Mas vejamos como as coisas aconteceram em eleições anteriores.

Após a Segunda Guerra Mundial, e o fim dos 15 anos de ditadura Vargas, o mercado sempre teve um preferido entre os que tinham chance de se eleger.

Só que as pessoas não diziam: “o mercado acha”, “o mercado quer”. A classificação era “classes produtoras”, que se pronunciava com a bochecha inflada, pomposamente.

Na disputa em 1945 entre o brigadeiro Eduardo Gomes e o general Eurico Gaspar Dutra, os líderes empresariais apadrinharam em peso o primeiro. Afinal de contas, Dutra vinha com o apoio de Getúlio e do sindicalismo.

O general ganhou fácil e mostrou que o setor privado tinha razão ao rejeitá-lo. Abriu o país às importações, quase liquidando o parque industrial incipiente erguido durante a guerra.

Cinco anos mais tarde, em 1950, Eduardo Gomes enfrentou o próprio Vargas.

Evidentemente, o mercado apoiou o brigadeiro, já que Getúlio criara a legislação trabalhista que tanto onerou a folha das empresas.

Vargas deu uma sova de 48% a 29% em Eduardo Gomes. Em meio ao seu governo, que terminou abruptamente com o suicídio no Catete, nomeou João (Jango) Goulart como ministro do Trabalho.

Em 1955, Juscelino Kubitscheck enfrentou Juarez Távora, da UDN, e Adhemar de Barros, do PSP.

Dessa vez não houve um candidato preferido pelo mercado, que se dividiu entre os três. Ganhou JK e o Brasil desenvolvimentista se deu bem. Nos cinco anos de governo de Juscelino o país cresceu em média 7.8%.

Na eleição presidencial seguinte, em 1960, Jânio Quadros se bateu com o marechal Henrique Lott, uma das pessoas mais inábeis que já vi em um palanque eleitoral.

O empresariado apoiou Jânio, que prometia um governo austero para debelar a inflação iniciada nos anos JK. Deu no que deu. Jânio Quadros governou pouco mais de um semestre e renunciou.

Entrou o vice, João Goulart, que, em parceria com seu cunhado Leonel Brizola, tentou fazer do país uma república socialista. Deu no golpe (ou revolução, como queiram) de 1964.

A partir daí, e nos próximos 25 anos, não houve eleições diretas para presidente. Portanto o mercado não apoiou, assim como não desapoiou, ninguém. Era simplesmente comunicado do nome escolhido pela caserna.

O verdadeiro confronto socialismo/capitalismo, direita/esquerda, só veio acontecer, dessa vez com todos os ingredientes, em 1989.

Lula ameaçava com moratória interna e externa, socialização dos bancos, estatização de empresas.

Seu adversário no segundo turno, Fernando Collor de Mello, assegurava, entre outras coisas, liberar importações, enxugar a máquina pública e privatizar estatais.

Só para dar um exemplo de como o mercado apoiava Collor, o presidente da Fiesp, Mário Amato, declarou que, caso Lula vencesse as eleições, 800 mil empresários abandonariam o país.

Os acontecimentos se sucederam: vitória de Collor, confisco do dinheiro, denúncias de corrupção, renúncia para não ser impichado, Itamar (com o plano Real) e oito anos de FHC.

Quando Lula chegou ao poder, em 2003, já era o Lulinha Paz e Amor e não causou maiores pânicos na Bolsa, a não ser antes de assumir.

Agora o mercado já tem vivência de petismo (Lula e Dilma) e de bolsonarismo (seja lá como isso possa ser definido). Ao menos sabe com o que está lidando, mesmo que não goste de nenhum dos dois.

Em minha opinião, o pior que pode acontecer é termos um segundo turno apertado, com contestações do perdedor.

Fora isso, o Brasil continua sendo uma potência agropecuária, produtora de matérias-primas e já está (em minha opinião) atravessando a sua pior fase.

Acabo de ler que o Credit Suisse revisou a estimativa do IPCA 2022 de 9,80% para 7,60%.

Estou moderadamente otimista com o segundo semestre de 2022 e com o ano de 2023.

Como tenho mais de 70 anos, não vou votar, embora minha seção eleitoral seja do outro lado da rua, a uns 80 metros do meu prédio. Aliás, vou até lá comer pastel com caldo de cana numa barraca que uns chineses montam em todas as eleições.

No início da noite, ligo a TV e acompanho a apuração. Isso se já não tiver certeza de véspera de que quem vai ganhar.

Um ótimo fim de semana para todos.              

Ivan Sant’Anna

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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