Mercadores da Noite #90 - Pezão e pé marrom

3 de dezembro de 2018
Exemplos

Mercadores da Noite

Caro leitor,

Antes de mais nada, é bom explicar que oficiais e soldados da Brigada de Infantaria de Paraquedistas do Exército brasileiro costumam se referir, pejorativamente, aos demais soldados e oficiais da Arma como “pés pretos”. Isso porque os paraquedistas usam coturnos marrons.

Eu, Ivan Sant’Anna, por exemplo, sou pé marrom. Porque dei mais de 25 saltos de paraquedas, embora nenhum deles pelo Exército. Pulei por conta própria em um Aeroclube de Lagoa Santa, MG.

Feitos os prolegômenos, vamos aos fatos sobre os quais quero falar nesta coluna.

Jair Bolsonaro também é pé marrom. Já o governador do Rio de Janeiro, atualmente em, digamos, “indisponibilidade carcerária”, chama-se Pezão. Na verdade, seu nome é Luiz Fernando de Souza, mas como tinha esse apelido, incorporou-o ao nome eleitoral, como é comum entre os políticos brasileiros. Sarney, Lula... entre outros, são exemplos.

Sarney nasceu José Ribamar Ferreira de Araújo Costa. Lula, Luiz Inácio da Silva. As antonomásias vieram mais tarde. Já Jair Bolsonaro nasceu Jair Messias Bolsonaro e Jair Messias Bolsonaro continua sendo.

Na última quinta-feira, dia 29 de novembro, dois cafés da manhã aconteceram praticamente na mesma hora (por volta das sete), na cidade do Rio de Janeiro.

O primeiro foi no palácio das Laranjeiras, residência oficial do governador fluminense, no caso o Pezão. O segundo, 18 quilômetros a sudoeste, numa casa de condomínio de classe média na Barra da Tijuca.

Pezão comeu com requinte. Dois garçons serviram o governador em bandejas prateadas. Toalha, guardanapos, talheres, tudo do bom e do melhor, talvez croissants, brioches, manteiga e geleia de primeira. É o que se espera em um palácio do qual quem paga as contas é o contribuinte.

Terminada a refeição, o governador embarcou num camburão (uma SUV descaracterizada, mas de todo modo um camburão) da Polícia Federal que o levou para depor no TRF da 2ª Região, de onde mais tarde seguiu para a unidade prisional da PM, em Niterói. Está lá até hoje.

Não é exagero se dizer que o outro café da manhã, o do pé marrom, foi meio zoneado. Não havia toalhas, os guardanapos eram de papel, o próprio dono da casa passou o café pelo coador.

Havia fartura: um cacho de bananas, disposto diretamente na mesa, água de coco e suco de frutas na própria embalagem, xícara sem pires, queijo numa bandeja de isopor e um bolo cortado em pedaços. Ah, fora seis danoninhos, iogurte infantil com sabores variados.

Este segundo café da manhã era um encontro de Estado. De um lado, o pé marrom, presidente eleito do Brasil. Do outro, o conselheiro de segurança nacional dos Estados Unidos, John Bolton, que formulou um convite a Bolsonaro para uma visita oficial ao seu país, onde obviamente será recebido com todas as honras na Casa Branca.

Pode ser que dois breakfasts tenham marcado o fim de uma época e o início de outra. Se o exemplo de austeridade começar a vir de cima, talvez se espalhe cadeia de comando abaixo.

Tanto nos mundos oficiais como nos setores empresariais temos vários exemplos desse tipo de comportamento espartano.

Durante o período de racionamento na Segunda Guerra Mundial, e nos anos que se seguiram, o rei George VI, a rainha Elizabeth (mãe da atual), as princesas Elizabeth e Margareth recebiam seus cupons de racionamento, que equivaliam a rações mínimas de carne, manteiga, açúcar.

Chocolate? Nem pensar.

Por ocasião do racionamento de combustíveis que vigorou nos Estados Unidos após a guerra do Yom Kippur (outubro de 1973) e o embargo de petróleo que se seguiu, o presidente Richard Nixon fez algumas viagens em aviões de carreira.

Ao assumir o governo de Minas Gerais, em março de 1947, numa época de dificuldades de abastecimento de gasolina no estado (também por causa da Segunda Guerra), Milton Campos desativou toda a frota de carros oficiais do palácio e passou a andar de jipe.

No mundo corporativo, incontáveis são os exemplos de moderação e frugalidade. Warren Buffett, terceiro homem mais rico do mundo, mora na mesma casa desde 1958. Pagou por ela US$ 31.500,00. São US$ 250 mil em valores atuais, aproximadamente o mesmo preço da casa do pé marrom.Antes do 11 de setembro, Bill Gates só viajava de classe econômica (agora, por questões de segurança, tem seu próprio avião). Com esse procedimento, inibia os executivos da Microsoft que porventura quisessem usar executiva ou primeira.

No banco Garantia, no final do século passado, os diretores tinham direito a carros da empresa. Eram Volkswagen Gol. Quando voavam a serviço, as milhas que recebiam eram repassadas ao banco.

Nos últimos anos, o Brasil testemunhou exemplos inacreditáveis de desperdício.

Numa viagem de Davos, na Suíça, para Havana, em Cuba, o Airbus A319 presidencial (mais conhecido como Aerolula) fez uma escala em Lisboa, onde a presidente Dilma Rousseff pernoitou no Ritz Four Seasons, cuja diária na suíte presidencial custou aos cofres públicos 26 mil reais.

Os demais integrantes da comitiva presidencial ocuparam 44 quartos.

Juntemos a isso tudo o jantar dos guardanapos em Paris, capitaneado pelo atual interno de Bangu 8 Sérgio Cabral, a viagem de jatinho fretado do ex-governador do Ceará Cid Gomes com mulher e sogra para a Europa, com centenas de outros casos de esbórnia paga pelo contribuinte.

O primeiro grande exemplo que pé marrom pode dar aos brasileiros é servir danoninhos em sua posse. Isso vai dar uns cinco mil pontos de incremento no Ibovespa.

Até Warren Buffett virá aqui fazer algumas compras na Bolsa.

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Um abraço,

Ivan Sant'Anna

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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