Mercadores da Noite #57 - Subiu? Vende. Não! Espera!

27 de abril de 2018
Lucro nunca deu prejuízo a ninguém.

Mercadores da Noite

Caro leitor, 

Eu já tive um sócio que operava sob a máxima: “Subiu? Vende!”. Que também pode ser traduzida por “Lucro nunca deu prejuízo a ninguém”. Se comprava um título qualquer e cinco minutos depois a cotação subia, ele a “passava nos cobres”, expressão que você, caro leitor, caso tenha menos de 50 anos de idade, talvez nunca tenha ouvido.

“Me empresta por um fim de semana aquela sua casa em Campos dos Jordão?", um sujeito pedia a um amigo. “Ih,cara, não é mais minha. Passei nos cobres”,respondia o outro.
        
Se você operar no mercado assim, jamais surfará a onda de um prolongado movimento de alta ou descerá, por longo período, o tobogã de uma venda a descoberto.

Em 1988, eu comprei um grande lote de contratos de milho na Chicago Board of Trade, CBoT. O timing foi tão bom que nem cheguei a depositar margem. Explico: no dia da compra, o milho fechou em limite de alta e o ajuste positivo foi maior do que o valor que teria de depositar. Portanto, ganhei infinitos por cento na operação.
    
trade aconteceu durante a grande seca que atingiu o Meio-Oeste no verão (do Hemisfério Norte) de 1988.
        
Os limites de alta se sucediam diariamente. A cotação do milho subiu tanto que rompeu todas as resistências gráficas. Isso me deixou com o velho dilema dos traders: Quando e a que preço vender?
      
Na sexta-feira de 23 de fevereiro de 2018, a Inversa promoveu um evento, o Lendas do Mercado, do qual participaram o Marcio Noronha, o Marink Martins, o André Machado e eu, sob mediação do Frederico Rosas.
      
Marcio Noronha, que conheço desde 1970, é simplesmente o papa da análise técnica no Brasil. Pois bem, nesse encontro ele afirmou que um mercado, sob o ponto de vista de um analista técnico, é de alta até que os gráficos mostrem que a alta foi revertida. Ou seja, o bull market só acaba quando os parâmetros revelam que a tendência passou a ser de baixa.
        
Quem acompanha as teorias do Marcio Noronha não perde dinheiro no mercado, seja ele de ações, de commodities, de índices futuros, alavancado ou não. Torna-se um ganhador sistemático.

Acontece que não sou sistemático e não queria que meu milho revertesse antes de vendê-lo, assim como não queria vender ao primo canto. Além disso, os grãos são traiçoeiros, principalmente quando o mercado está sendo ditado por uma seca.
       
Basta um chuvisco nas plantações e o milho, a soja e o trigo saem do limite de alta para o de baixa em questão de segundos. E se o chuvisco se transforma em um temporal prolongado, a vaca do bull market (com o perdão pelo trocadilho) vai para o brejo. É limite de baixa atrás de limite de baixa.
      
Fixei então, aleatoriamente, e baseado apenas em palpite, três preços para vender meu milho, um terço do lote em cada patamar.
      
Para minha sorte, os três foram atingidos e ganhei uma nota preta.

Claro que meu lucro teria sido muito maior se tivesse liquidado toda a posição no preço mais alto dos três. E, como o milho continuou subindo após minhas vendas, se tivesse aguardado o topo do mercado. Só que ninguém consegue enxergar, a não ser retroativamente, esse topo.
             
Se tivesse me orientado pelos dogmas do Marcio Noronha talvez tivesse ganhado um pouco menos. E infinitamente menos se obedecesse a lógica do meu antigo sócio, aquele que dizia que “lucro nunca deu prejuízo a ninguém.”

Não é só no mercado financeiro que esse dilema acontece.
        
Dois amigos meus de Belo Horizonte eram bem-sucedidos na vida. Um tinha uma próspera banca de advocacia. O outro trabalhava como corretor de valores. 
       
Como investimento eles compraram, em sociedade, um grande lote no município de Betim. E tiraram a sorte grande quando a Fiat decidiu construir sua fábrica de carros no terreno ao lado.
        
Não demorou e a montadora foi se aproximando dos meus amigos, meio que à socapa, e sempre através de terceiros, querendo comprar o lote deles.

Claro que não venderam. Nem na primeira abordagem, nem na segunda, nem na terceira. Mas na enésima resolveram vender a metade — e só a metade — das terras, com um ganho muito maior do que o do meu milho.
     
Se lucro não deve ser realizado no primeiro arranco, também não adianta tê-lo congelado para sempre como um tio Patinhas. 
     
Dinheiro, ou terreno, é bom quando se pode transformá-lo em um apartamento maior, uma fazendola, uma casa de praia, em viagens ao exterior, quem sabe até numa lancha ou em cavalos de corrida.
      
Grana só é boa se puder ser gasta.
      
Com o tempo, meus amigos venderam a segunda parte das terras para a Fiat e garantiram uma renda para toda a vida.
      
Acho que o maior mérito de um trade é a detecção do ponto de compra, ou de venda (no caso de um short). Entrar na hora e no preço certos é tão importante quanto saber sair.

Em novembro de 2014, quando a Petrobras, sob a presidência de Graça Foster, adiou a publicação de seu balanço simplesmente porque não sabia qual era o rombo de seus cofres, eu comprei, nos Estados Unidos, para minha conta pessoal, obrigações da empresa.
        
Os títulos rendiam cinco por cento ao ano, em dólares, com juros pagos semestralmente. Só que, naquela situação inédita, estavam sendo negociados com um deságio tão grande que os cinco tinham se transformado em oito. Sim, oito por cento. 
     
Como sabia que o governo brasileiro não deixaria a Petrobras quebrar, mesmo que fosse às custas de aporte de capital, adquiri os títulos.
    
Eu tinha três possíveis pontos de vendas, nenhum deles quantitativo:
1º) Entrada de capital novo, caso a Petrobas estivesse na iminência de quebrar.
2º) Publicação do balanço, mesmo que com prejuízo.
3º) Eventual impeachment da presidente Dilma Rousseff.
    
Eu aguardei o impeachment. E só aí passei meus papéis nos cobres. Num investimento de 90 mil dólares, ganhei 40 mil.
      
Como o caro leitor deve estar constatando, nada mal para um título de renda fixa e para uma posição não alavancada.
      
Essas oportunidades como milho na seca, terreno bem localizado, empresa embaraçada, estão sempre surgindo. Basta acompanhar atentamente o mercado e não se deixar levar pelo primeiro resultado positivo.
    
Subiu? Vende. Não! Espera!

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Um abraço,

Ivan Sant'Anna

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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