Mercadores da Noite #115 - Atenção aos advérbios

1 de maio de 2019
Investidores de sucesso devem seguir os mesmos princípios. Veja os comentários do Ivan abaixo

Caro leitor,    

Embora o personagem que vou descrever abaixo não exista – acaba de nascer em minha imaginação –, acho que ele deve servir de modelo para qualquer pessoa que decida ser home trader, ou seja, trabalhar por conta própria e viver exclusivamente de suas operações no mercado.
   
José Pedro Alencar, 51 anos, mora em um condomínio de classe média alta em Indaiatuba, estado de São Paulo, 28 quilômetros a sudoeste de Campinas e 100 quilômetros a noroeste da capital. É casado com Sílvia, 43, pesquisadora da Unicamp, com mestrado em informática.
   
Eles têm dois filhos: Clarice, 14, e Mauro, 10, que estudam em tempo integral em um colégio bilíngue próximo da residência.
  
O casal não abre mão de duas férias anuais, ambas de 15 dias, uma com as crianças e outra os dois sozinhos. Com exceção de ocasionais viagens ao Nordeste, quase sempre a família vai para o exterior.
  
Sílvia ganha salário, um bom salário. José Pedro depende de suas especulações nos mercados de derivativos, tanto o brasileiro como o americano. Faz também algumas incursões nas bolsas europeias e asiáticas.
  
Zé Pedro, como os íntimos o chamam, é vencedor. Curiosamente, perde mais do que ganha. Mas, quando ganha, ganha muito. Quando perde, perde pouco.
   
Nosso home trader tem seu escritório numa ala afastada do burburinho da casa. O que não lhe falta são equipamentos de última geração: uma floresta de terminais de cotação, de notícias e de gráficos. Para dar ordens de compra e venda, ele usa o computador ou o celular.
   
Sua semana começa no domingo à noite, logo após a mesa redonda sobre futebol que assiste num canal de TV a cabo. Mas só faz isso quando seu time, a Macaca (Ponte Preta), ganha ou arranca um empate vantajoso.
  
Nesse momento, após o programa esportivo, estão abrindo os mercados chinês, japonês e de Hong Kong. Ele analisa as aberturas, além das notícias do fim de semana.
  
Há muito, José Pedro não lê a parte econômica dos jornais, limitando-se às páginas esportivas. Mas, em compensação, acompanha todos os bons relatórios sobre o mercado, distribuídos pelas agências especializadas. Assina os melhores boletins, frequenta cursos online e presenciais, mesmo que isso implique em ir a São Paulo. Parte da premissa de que ler e ouvir é muito mais importante do que escrever e falar.
    
Zé Pedro sabe que quanto mais mercados acompanhar, melhores são as chances de encontrar um trade perfeito, um verdadeiro ippon, comprar nas proximidades da mínima e vender perto das máximas de um movimento, embora isso lhe tenha acontecido não mais do que três ou quatro vezes na vida.
  
Mas voltemos ao domingo inicial. José Pedro viu a resenha esportiva, acompanhou as aberturas no Oriente, leu as notícias e foi dormir. Quando acordou, Japão e China estavam fechando e Londres, Paris e Frankfurt começando.
   
Nas aberturas de São Paulo, Chicago e Nova York, nosso home trader já tinha tomado o café da manhã e estava alerta junto aos terminais.
   
Contando mercados à vista, futuros e opções, são tantos os ativos disponíveis que todos os dias surge no mínimo uma grande oportunidade. Pena que José Pedro descubra apenas algumas.
   
Às vezes ele está estudando uma opção de Vale justamente no instante em que o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos divulga a área plantada de trigo, muito maior do que a esperada, dando início a um movimento de baixa naquele grão.
   
Ele jamais abre mão de stops. Comprou, ticou três vezes para baixo, cai fora. Vendeu, o mercado rompeu uma resistência importante, zera o lote.
  
Se já há bastante tempo aprendeu a não persistir no erro, o duro foi se disciplinar para segurar o lucro. Por um dia, por dois dias, por uma semana, por três meses, por um ano inteirinho.
   
José Pedro sabe ler nas entrelinhas. Se o chairman do Fed está depondo no Senado americano, ele fica atento aos advérbios de reversão de tendência.
   
Para dar a largada na frente dos demais traders, e eles são milhões espalhados pelo mundo, tem de ser fera em advérbios.
   
“Last inflation data were higher than we expected. Although…”

(Os últimos dados da inflação ficaram acima de nossas expectativa. Apesar...)
   
No “were higher than we expected”, a cotação dos Treasury Bonds caiu. Mas no “Although” (o advérbio) elas reverteram. Não para Zé Pedro, que conseguiu comprar no low. Comprar e se dar bem porque após o “although” veio o resto da frase:
  
“(Although) we think that it won’t be repeated next month…”

(Apesar de nós acharmos que (o dado) não se repetirá no mês que vem...)
   
Por outro lado, se os Bonds voltarem a cair, José Pedro será “stopado”, pois colocou um stop em seu preço de compra.
   
Aquele trade, do advérbio, será empate ou vitória, tal com ele aprecia na Macaca.
  
Nosso trader é fera em campanhas eleitorais brasileiras, principalmente em se tratando de candidatos a presidente da República.
  
Se o Manuel das Bicas, favorito nas pesquisas de intenção de voto, diz que vai aumentar o Bolsa Família no primeiro dia do mandato, Pedro fica “short” no Ibovespa.
  
Por outro lado, se o mesmo Bicas diz que fará um aperfeiçoamento no Bolsa Família, Pedro fica “long”.
   
Assim, operando da noite de domingo até o final da tarde de sexta-feira, sempre obedecendo à lógica, sempre ligado nos fundamentos, nos gráficos e nas entrelinhas, o home trader José Pedro é um vencedor. Vencedor porque não se deixa levar pelo pânico, não é ganancioso (e muito menos covarde) no lucro.
   
Como disse, o José Pedro Alencar, marido de Sílvia e pai de Mauro e Clarice, é pura ficção. Inventei para escrever este texto.
   
Acontece que Warren Buffet é assim, assim como é George Soros, assim como são Jorge Paulo Lemann e seus sócios Beto Sicupira e Marcel Teles. A única diferença é que esses gigantes operam fortunas.
   
Zé Pedro quer apenas viver bem e garantir um pecúlio para ter uma velhice sem apertos. Assim como faz questão que os filhos tenham bons estudos.

Só que os princípios que norteiam esses traders vencedores são os mesmos. Disciplina, estudo, fundamentos, análise técnica e muita atenção aos advérbios.

Gostou dessa newsletter? Então me escreva contando a sua opinião no mercadores@inversapub.com

Um abraço,

Ivan Sant’Anna

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

A Inv é uma Casa de Análise regulada pela CVM e credenciada pela APIMEC. Produzimos e publicamos conteúdo direcionado à análise de valores mobiliários, finanças e economia.
 
Adotamos regras, diretrizes e procedimentos estabelecidos pela Comissão de Valores Mobiliários em sua Resolução nº 20/2021 e Políticas Internas implantadas para assegurar a qualidade do que entregamos.
 
Nossos analistas realizam suas atividades com independência, comprometidos com a busca por informações idôneas e fidedignas, e cada relatório reflete exclusivamente a opinião pessoal do signatário.
 
O conteúdo produzido pela Inv não oferece garantia de resultado futuro ou isenção de risco.
 
O material que produzimos é protegido pela Lei de Direitos Autorais para uso exclusivo de seu destinatário. Vedada sua reprodução ou distribuição, no todo ou em parte, sem prévia e expressa autorização da Inversa.
 
Analista de Valores Mobiliários responsável (Resolução CVM n.º 20/2021): Nícolas Merola - CNPI Nº: EM-2240