Ideias do Paletta #1 - Mulan sem Mushu?

4 de fevereiro de 2020
Guerra comercial entre EUA e China é apenas pano de fundo a uma transição secular. Aproveite as oportunidades e dê menos importância ao noticiário.

Nota do editor: O texto abaixo é o primeiro de uma série especial de newsletters assinadas pelo especialista em geração de renda Felipe Paletta. Nele, o Paletta trata das tensões comerciais entre Estados Unidos e China para alertar sobre como você pode se posicionar diante da guerra tarifária envolvendo as duas maiores economias do mundo.

Amigo leitor,
    
Aproveitei os últimos dias de férias para assistir ao máximo de filmes que pude... no cinema.
  
Eu sei que com Netflix, Amazon Prime e Globoplay parece meio estranho gastar o mesmo valor de uma dessas plataformas em uma experiência de apenas duas horas, mas ainda assim acho que vale muito a pena. 
  
Em minha última experiência, após longos e intermináveis 20 minutos na fila da pipoca, entrei na sala de cinema no meio dos trailers e, enquanto ainda me ajeitava na cadeira, descobri que Mulan, o clássico filme da Disney de 1998, ganharia uma releitura.
   
Mulan sempre foi um dos meus filmes favoritos, não só pela carga histórica, mas pelos personagens. Imediatamente, tirei a mão do balde e passei a prestar atenção.
  
Passou uma cena... duas... três... 
   
“Ué, cadê o Mushu?” veio à minha mente instintivamente. 
   
Mushu, para mim, era a grande estrela do filme. Tornava divertida e menos pesada a densa trama da animação.
    
Bom, assisti ao filme que entrei para ver, mas confesso que sai cabisbaixo da sala de cinema. Aquilo ficou na minha cabeça: “por que raios o Mushu não estaria representado no filme?”.
   
Fiz algumas pesquisas e ouvi muita gente falando na internet, mas foi numa discussão com amigos que “descobri” que o personagem teria sido omitido em respeito às tradições chinesas.
   
Na China, o dragão é visto como entidade mitológica de muito respeito, como uma ligação entre os homens e entidades celestiais.
   
Ou seja, foi como se os produtores americanos estivessem formalmente orientados a evitar conflitos extracomerciais com os chineses.
   
Claro que esse nunca será o discurso oficial, mas para um bom entendedor meia palavra basta, não?! E isso me fez refletir sobre um assunto ainda mais relevante.

Muito se fala no ambiente do mercado financeiro sobre os avanços na conturbada relação comercial entre os EUA e China, mas estou convicto de que isso não passa de uma grande distração.
  
Pensa comigo. Desde que o mundo é mundo, a China sempre exerceu domínio econômico. Nossa cultura eurocêntrica nos faz esquecer disso, mas a China sempre foi umas das maiores potências econômicas do mundo, pelo menos do século 1 ao século 19. 
   
É como se fossemos míopes, acostumados a enxergar o mundo apenas sob a ótica do ocidente. Só que, ao fazer isso, perdemos muito de nossa capacidade crítica e de leitura de cenários.
   
Basta fazer um simples exercício. Some a população da China e da Índia, dois dos maiores países asiáticos, e divida pela população mundial.
   
O resultado: mais de 35% da população mundial. Isso mesmo. E, segundo o Banco Mundial, todos os países asiáticos abrigam mais de 60% dos corações do planeta. Agora me diga, quantas notícias corriqueiras desses países você ouve em um ano inteiro? 
   
Se antigamente as notícias veiculadas às massas influenciavam (aparentemente) unilateralmente as ações dos grandes líderes, parece que Donald Trump e Xi Jinping têm dado uma aula de como influenciar a mídia e criar narrativas que os favoreçam.
   
Por isso, não acredite em tudo que ouve. A maior parte das notícias não tem a menor relevância. Concentre os esforços em fatos e em aspectos menos óbvios.
  
Os dois países estão ligados, por isso, pense sempre nos reflexos de uma ação. A China é a maior detentora da dívida pública norte-americana, por isso é simples imaginar que um calote dos americanos prejudicaria sua própria economia, uma vez que a China é seu maior parceiro comercial.
   
Ou seja, todo passo é friamente calculado. Os estresses recentes têm sido acompanhados de novos ciclos de queda de taxa de juros nesses países, pois juros mais baixos criam estímulos ao consumo e investimento, amenizando os efeitos dos atritos comerciais. 
   
Ah, e impulsionam as Bolsas aqui e lá fora.
  
Também não caia na armadilha de que um acordo definitivo está próximo. Pense que em 2020 a única coisa que tira o sono de Trump é a chance de entrar para o pequeno hall dos presidentes não reeleitos (apenas Bush pai e Jimmy Carter não conseguiram se reeleger). 
   
Assim como do outro lado da muralha, a comemoração dos 100 anos do Partido Comunista é argumento mais do que incisivo para que os chineses amenizem a iminente virada de ciclo e evitem apresentar mais um ano de forte desaceleração.
   
Esqueça fase 1, fase 2, fase 3... Essa guerra comercial é apenas o pano de fundo para uma transição secular. 
  
Só que os mercados parecem não pensar da mesma forma. Por isso, aproveite as oportunidades: compre ativos de risco (Bolsa e títulos públicos indexados de longo prazo) sempre que o estresse nos noticiários aumentar. Venda quando a calmaria for aparente.
   
E tente sempre refletir... Se há 22 anos satirizar uma entidade de extrema relevância cultural para a China não parecia um problema diplomático, fica claro para mim que quem sai vitorioso dessa incipiente guerra de influência são os chineses. Afinal de contas, já existe Mc Donalds na China desde 1990. 
   
Um abraço e até semana que vem!
  

Felipe Paletta  

Conheça o responsável por esta edição:

Felipe Paletta

Analista de Ações e Fundos de Investimento

Graduado em Ciências Econômicas pela FAAP e com Master in Financial Economics pela FGV-EESP, Paletta acumulou experiência atuando em corretoras de valores e casas de análise independente. Responsável pela estratégia de Dividendos da Inversa, assina quinzenalmente a newsletter "Ideias do Paletta".

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