Embraer: a nova Tesla?
Por Ivan Sant'Anna e Nícolas Merola, CNPI
Há mais de 70 anos, precisamente em 1950, quando o Brasil ainda era classificado como país subdesenvolvido, foi criado o Instituto Tecnológico de Aeronáutica, mas conhecido por suas iniciais: ITA.
O nível de ensino tinha tal excelência que boa parte dos engenheiros formados na instituição era contratada por companhias aéreas internacionais para trabalhar e até dirigir, oficinas de manutenção de aviões.
Passaram-se 19 anos até que o Brasil constituísse sua primeira indústria de aviões, sem contar, é claro, as semiartesanais que produziam monomotores para formação de pilotos nos aeroclubes espalhados pelo país.
Essa nova empresa foi batizada como o nome de Embraer, hoje conhecido nos quatro cantos do mundo, e logo começou a ganhar credibilidade.
Trata-se de uma história de sucesso contínuo e com apenas alguns pequenos reveses.
No início, a Embraer era estatal. Apesar da qualidade de seus produtos, fabricava modelos demais, carecendo, portanto, de economia de escala.
Em 1994, a companhia foi privatizada.
Concentrando-se em alguns poucos projetos, logo rompeu a barreira do som, só para usar um termo aeronáutico.
Atualmente, além de alguns outros modelos de enorme prestígio, destacam-se o jato de passageiros E195-E2, o avião executivo Legacy, o cargueiro C-390 Millennium e o turboélice de treinamento EMB-314 (Super Tucano) usado por forças aéreas de todo o mundo, inclusive a tradicionalíssima RAF (Royal Air Force).
Agora a Embraer está entrando em uma nova área. Nova e extremamente desafiadora. Refiro-me a automóveis voadores e aviões elétricos.
Isso se tornou mais popularmente conhecido ontem, quando a companhia anunciou em um Fato Relevante, o desenrolar do projeto Eve e consequentemente suas ações subiram 16%.
A Eve é uma subsidiária focada em criar, desenvolver e certificar os veículos do futuro, os eVTOLs (veículos elétricos de decolagem e pouso vertical), apelidados de “carros elétricos voadores”.
No fato relevante, essa subsidiária da Embraer se fundirá com uma empresa norte-americana listada, criada com o objetivo específico de investir nesse projeto, um SPAC, chamado Zanite Acquisition Corp.
A nova empresa, portanto, se chamará EVE Holdings, será listada na bolsa de Nova York (NYSE), e a Embraer será dona de aproximadamente 82% das ações dessa empresa.
Agora, a grande moral dessa história e o principal motivo pelo qual as ações da Embraer dispararam ontem, é que essa nova empresa é avaliada, hoje, em aproximadamente US$ 2,9 bilhões, ou R$ 16 bilhões, um valor de mercado maior que o da própria Embraer que é dona de grande parte disso.
Na situação atual, após a alta de ontem, o valor de mercado da companhia saltou de quase para R$ 17 bilhões, ou R$ 23,00 por ação, mas, só a participação da Embraer na EVE Holdings, já é avaliada em R$ 18,70 por ação da Embraer.
Ou seja, ou o mercado está precificando que esse projeto dentro da Embraer vale próximo a zero ou a própria operação da empresa está sendo precificada dessa forma, sendo a primeira opção a mais provável.
Em nossa opinião, isso ocorre tanto pela disfuncionalidade do mercado quanto pelo próprio risco do negócio, que ainda tem muitas barreiras a quebrar. O processo de credenciamento e produção de veículos tão disruptivos é, com certeza, um desafio maior do que o que a própria Tesla enfrentou. As regulações e exigências tendem a ser maiores e mais firmes quando se trata de veículos aéreos, além dos próprios desafios tecnológicos.
Fazendo exercício numérico através de um racional inverso, podemos partir da premissa que, na verdade, ao invés de valer US$ 2,9 bilhões, a companhia pode valer entre US$ 50 bilhões e US$ 100 bilhões, valor de mercado aproximado da Tesla entre 2017 e 2019, quando já tinha seu produto e empresa mais bem desenvolvida, mas pouco difundida.
Partindo dessa premissa, a probabilidade que o mercado atribui de sucesso do projeto é de algo entre 2,9% e 5,8%. Considerando um valor de mercado maior, essa probabilidade se torna ainda menor.
Em resumo, essas contas são só pra ilustrar que as condições de preços da Embraer hoje estão disfuncionais, ou seja, possui potencial para subir ainda mais dado o que já temos de informação, mas, caso tenha a intenção ou o interesse de se tornar um sócio da Embraer por conta desse projeto, especificamente, deve-se ter em mente que ele ainda é apenas uma opcionalidade para a tese, um projeto de altíssimo risco.