A vingança de Portugal

11 de outubro de 2022
Josep Borrell, alto representante da UE, surpreendeu ao reclamar que o FED estaria obrigando os países a subirem os juros. O que chama a atenção nesse caso, é que é a primeira vez que a Alemanha não é beneficiada diretamente com uma crise.

A Alemanha esperneou ao ser pela primeira vez, na história recente, o epicentro de uma crise na Europa. Desde a criação do Euro, e até antes, a Alemanha sempre foi beneficiada por crises externas.

Na época do marco alemão, sempre que o Bundesbank elevava os juros, o resto do continente tinha que fazer o mesmo para evitar que suas moedas se depreciassem de forma desordenada, podendo criar inflação e fuga de capitais, o que no final necessitaria de mais altas de juros, tornando todo o movimento muito caro para os países periféricos, como Portugal. E vamos focar neste, para tornar a análise mais enxuta, sem prejudicar o entendimento.

Quando os países menores reclamavam da política de juros altos de Berlim, ouviam como resposta que estava sendo feito apenas aquilo que era necessário para se conter a inflação local.

No entanto, num plot twist, ontem, Josep Borrell, um dos mais altos tecnocratas dentro do comitê das 27 nações europeias veio a público reclamar que o FED estaria obrigando os países a subirem os juros e que seriam forçados a acompanhar para não verem suas moedas se desvalorizarem e entrarem na mesma espiral que vimos com os países menores.

O que chama a atenção nesse caso, é que é a primeira vez que a Alemanha não é beneficiada diretamente com uma crise. Mesmo depois da unificação e da criação do Euro, quando havia uma crise, a moeda do bloco como um todo desvalorizava em uma média que beneficiava as exportações alemãs e que não era suficiente para tornar os bens e serviços de Portugal atrativos.

Logo, para compensar esse efeito, os juros de Portugal disparavam e, com seus juros em queda, a Alemanha vinha se salvar comprando seus títulos a grande desconto e exigindo que tomassem uma série de medidas contracionistas que limitavam o crescimento português e garantiam que as dívidas muito bem remuneradas nas mãos do alemães seriam pagas.

Isso aconteceu em quase todas as crises, chegando ao seu auge em 2013, com a crise que ficou conhecida como PIIGS (acrônimo com as iniciais de Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha), mas que tão bem soa "porcos" em inglês quando lido em voz alta. E o ciclo era sempre o mesmo, o Euro se depreciava, o que era extremamente positivo para a Alemanha, uma grande exportadora. No entanto, o resto dos países tinham que pagar a conta via juros mais altos.

Só que, desta vez, está sendo diferente. Essa crise tem no seu centro os países desenvolvidos que, por sua capacidade extraordinária de financiamento, alavancaram suas economias de forma inédita em esforços para se evitar, a qualquer custo, um movimento recessivo natural nas suas economias. Isso não foi possível nos países como Portugal, que não tinham pleno acesso a capital, e que, pelo contrário, foi obrigado a se desalavancar fazendo basicamente o oposto por ordem do fiador. De certa forma, algo parecido tem ocorrido no Brasil que, por causa de suas crises, foi obrigado “a se comportar” enquanto o G10 emitia dinheiro e crédito de forma desenfreada.

Hoje, por causa de sua dependência da energia russa, o centro do problema financeiro e político é a Alemanha e países menores estão passando de forma bem mais suave por essa grande crise. No caso de Portugal, está havendo uma avalanche de investimentos estrangeiros, principalmente no mercado de construção civil liderado nos últimos meses por americanos que têm quase revertido a dinâmica de 40 anos nas quais os grandes se davam bem e os pequenos se davam mal.

Como referência, o bond de 10 anos de Portugal, hoje paga 3,30% ao ano, pouco mais de 100 pontos-base acima do alemão e bem menos que os 5% pagos pela Inglaterra.

Fonte: Bloomberg

Como podemos ver acima, isso não é nada comparado com os níveis de quase 15% que Portugal já teve que pagar a mais que o bond alemão. Olhando o gráfico parece até não ter nenhuma crise.

Finalmente algo mudou, porém, a choradeira apenas começou. Como uma criança mimada que vira o tabuleiro ao se ver perdendo um jogo pela primeira vez, a retórica de que alguma coisa precisa mudar e que alguém precisa parar apenas começou. Enquanto isso, nossos patrícios, finalmente, encontram-se numa posição melhor e mais tranquila.

E, apesar de todos sabermos que a macroeconomia é um fator importantíssimo no mundo dos investimentos, poucos sabem utilizá-la verdadeiramente a seu favor. Para se ter maior domínio dessa arte, recomendo acompanhar a série Você Gestor. Lá, falamos diariamente sobre o tema e explicamos como ela pode afetar os ativos da nossa carteira, confira.

Rodrigo Natali.

Conheça o responsável por esta edição:

Rodrigo Natali

Estrategista-Chefe

Rodrigo Natali tem graduação e MBA pela FGV. É especialista em câmbio e macroeconomia, tem 25 anos de experiência no mercado financeiro, tendo passado por diversas instituições nacionais e internacionais onde exerceu a profissão de trader e gestor de fundos de investimento multimercado.

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