Mercadores da Noite #6 - Buy on dips

14 de junho de 2017
Sobre malas e nécessaires

Mercadores da Noite

Caro leitor,

Quando Dilma Rousseff foi apeada do Palácio do Planalto, boa parte das pessoas sensatas apoiou o governo Temer. Afinal de contas, era ela ou ele. Relevou-se a nomeação de diversos velhacos para os ministérios e para outros postos importantes da República. E louvou-se a escolha de Henrique Meirelles para a Fazenda e de Ilan Goldfajn para o Banco Central.

O envio ao Congresso dos projetos das reformas trabalhista e previdenciária, além da aprovação do teto de gastos pelas duas casas do Legislativo, só veio dar razão àqueles que não temeram o Temer.

Como não tinha nenhuma popularidade, supôs-se (eu fui um desses otários) que o novo presidente, ao se sentar em sua cadeira no terceiro andar do Planalto, tenha pensado apenas em adotar medidas duras, mas necessárias, já que não precisaria agradar o populacho.

“Vou debelar a inflação, pôr as contas públicas em ordem e aplainar o terreno para que no mínimo os três próximos governos possam lançar o país num ciclo de prosperidade.”
         
Vieram então os fatos e eles mostraram que Temer era farinha do mesmo saco que embalou Geddel, Moreira, Jucá, Padilha, etc…

Tudo bem. Isso não foi nenhuma surpresa. Daquelas duas cuias (a de cabeça para cima e a de cabeça para baixo), e é de lá que eles vieram, pode se esperar tudo, menos idealismo e lealdade ao país.

Como Meirelles e Goldfajn continuaram em seus postos, a inflação foi demolida (com a ajuda da recessão, mas foi) e a recessão fez um stop que todo mundo torceu para que não fosse apenas um pit stop.

A delação dos Batista mudou tudo, criou novos fatos. E que fatos. “Ótimo, ótimo”, “Precisa manter isso”, “Você deu seu nome na portaria?” E por aí foi a conversa gravada na garagem do Jaburu, aquela que o Gilmar diz que não vale.

O curioso é que nesses episódios a gente descobre que o Brasil tem uma unidade monetária de corrupção: 500 mil reais. Que é o que cabe numa mala ou mochila de porte médio. E o intervalo entre um pagamento e outro é de uma semana. Ainda bem que não temos cédulas de 500 ou de mil reais.

Dois milhões de um “empréstimo” para a compra de uma casa são quatro parcelas semanais de 500 mil. Dez milhões: vinte semanas. Houve até o caso em que o ativo ofereceu ao passivo 500 mil por semana até o resto da vida. Em outro, um milhão por semana (no caso, dois pagamentos, quem sabe às terças e sextas, por causa do tamanho da mala), durante 25 anos. Até o Leonel Messi ficou com inveja.

A partir desses episódios, Michel Temer passou a ter um único objetivo: se manter no cargo até o dia 1º de janeiro de 2019. E, para isso, tudo indica, vai se transformar em um novo José Sarney.

Flashback

Na sexta-feira 28 de fevereiro de 1986, o governo Sarney lançou o Plano Cruzado, congelando salários e preços. Nos meses que se seguiram, a economia brasileira sofreu um impulso tão grande que o PIB daquele ano cresceria 7,5 por cento. O povo se alegrou de tal modo que o PMDB de José Sarney e seu partido aliado PFL elegeram 22 dos 23 governadores dos estados, obtiveram 84 por cento dos votos para o Senado e 77 por cento das cadeiras da Câmara.
       
Logo após as eleições, conversando com Wilson Nélio Brumer, presidente da Cia. Vale do Rio Doce, ele me disse mais ou menos essas palavras: “Com pleno emprego e essa hegemonia no Congresso, este é o momento de demitir um milhão de funcionários públicos. O setor privado os absorverá facilmente. O governo pode ser enxugado de um modo como nunca se fez antes.”

E nem dessa vez. Sarney trocou tudo pela expansão de seu mandato presidencial de quatro para cinco anos. Distribuiu concessões de rádio e televisão, aprovou emendas parlamentares a torto e a direito e não adotou nenhuma medida de austeridade para esfriar o consumo.
          
Deu no que deu. Nos três anos restantes de seu mandato, o imortal do Maranhão só podia se apresentar em público nos rincões dos rincões. Caso contrário, era vaia em cima de vaia.
        
Três anos depois, com inflação anual de 1.232 por cento, Sarney assistiu perplexo a uma eleição presidencial na qual todos os 22 (isso mesmo, 22) candidatos eram de oposição.

No segundo turno, o país foi para o baralhão, preto ou vermelho, par ou ímpar, cara ou coroa, capitalismo selvagem ou socialismo, Collor ou Lula. Deu Collor. Por focinho, no photochart. E também deu no que deu. Collor preferiu enricar a reformar o país.

No Brasil a história se repete. Só que se repete à exaustão.

Mas agora é diferente. Ao contrário da época de Sarney, que precisou recorrer à moratória externa, e da de Collor, que confiscou o dinheiro para debelar um surto hiperinflacionário, o Brasil tem robustas reservas internacionais, inflação em níveis (para padrões tupiniquins) baixíssimos e dá para aguentar até as eleições do ano que vem, mesmo que Meirelles e Goldfajn caiam fora, mesmo que a reforma previdenciária seja adiada, mesmo que tenhamos mais dois presidentes da República até lá.

O que não temos, e isso fará toda a diferença, é um grupo político exigindo estatização, já que o Estado quebrou. Então dá para se manter de pé na pinguela nos próximos 18 meses e meio.

No longo prazo, o Brasil está bem nas paradas. Isso porque se não aprendeu o que deve fazer, ao menos aprendeu o que não pode fazer. Nem o Lula, se eleito (e não acredito nessa hipótese), poderá criar programas de benefícios sociais, lançar PACs, construir rodovias, ferrovias, hidrovias, a não ser que recorra ao capital externo e ceda às exigências que ele (o capital) fará para investir aqui.

Nós estamos aprendendo a viver sem governo e é a primeira vez que tal coisa ocorre em nossa história. E isso é ótimo. Ótimo, ótimo, como diz o Temer.

No mercado de ações, buy on dips (compre nas quedas), como se escreve lá fora. E dips ocorrerão até o final do ano que vem. Se o mercado não sofreu um crash maior do que o de 1929 desde que aquele funcionário dos Correios apareceu num vídeo recebendo três mil reais (sim, caro leitor, três mil, que cabem numa nécessaire), é porque está chegando a hora.

Ninguém tem mais poder de sabotar o Brasil, porque já estamos muito machucados.

Buy on dips.

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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