Mercadores da Noite #43 - O mercado vai ouvir falar de você

5 de fevereiro de 2018
Uma festa para touros e ursos

Mercadores da Noite

Caro leitor,

Como todo mundo sabe, opções são o direito (mas não a obrigação) de comprar ou vender alguma coisa até determinada data e por determinado preço. Sob risco de estar sendo muito primário, mas para ter a certeza de que você vai entender o resto deste texto (nem todos são profissionais ou atuantes nos derivativos do mercado financeiro), opções de compra são chamadas de calls. De venda, puts.
   
A maioria dos traders trata os substantivos calls e puts como sendo do gênero feminino. “A” call; “a” put. E sempre me referi a eles como masculinos: “o” call; “o” put. Mas acabei aderindo aos novos hábitos, já que, em português, opção é uma palavra feminina.

Quando comecei minha carreira de trader, em 1958, não existiam opções no mercado brasileiro, assim como não existiam operações futuras. Ficava-se comprado ou zerado. A gente costumava dizer:
    
“Na alta, com ações se ganha dinheiro; na baixa, com dinheiro se ganha ações.”
    

Meu primeiro contato com calls e puts se deu quando cursei mercado de capitais na New York University, entre 1965 e 1967. Nessa ocasião, além das aulas, estagiei em diversas corretoras e bancos de investimento de Wall Street.
     
Pouco depois de regressar ao Brasil, época em que fundei a corretora Fator (atual banco Fator), surgiram na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro operações a termo. Mediante uma margem em dinheiro (se não me engano, de 20 por cento do total da operação), era possível se alavancar uma compra cinco vezes. Na outra ponta do negócio, os que vendiam depositavam a totalidade dos papéis, com o objetivo apenas de ganhar as taxas de juros (os preços futuros, obviamente, eram superiores àqueles à vista).
    
Como os compradores a termo podiam exigir liquidação antecipada de suas operações (e isso acontecia o tempo todo, já que as bolsas não faziam outra coisa senão subir), os vendedores a termo costumavam faturar taxas de juros fantásticas, não raro 100 por cento ao ano além da inflação.
   
Resumindo: uma festa para touros e ursos.

Embora o mercado de opções já fosse coisa trivial nas bolsas americanas, onde inclusive se negociava opções sobre futuros, as opções chegaram para valer nas bolsas de São Paulo e do Rio a partir do final dos anos 1970 e início dos 1980.
   
Na oportunidade, as ações à vista eram mais negociadas na Bovespa e as opções sobre esses papéis na bolsa do Rio. Um grupo pequeno no tamanho e grande no capital manipulava esses mercados, tal como relatei em minha crônica Four de Ases, publicada na newsletter Os Mercadores da Noite, em 29 de novembro de 2017.

Mais tarde, antes de se unir à Bovespa, a BM&F instituiu os mercados de opções sobre futuros de dólar, de DI, de ouro, etc.
     
Para quem está aprendendo os primeiros segredos das bolsas através das newsletters da Inversa, opções sobre futuros parecem ficção científica ou algo imaterial.
    
E não é que eles têm razão!? Quando compra uma call sobre determinado futuro você está adquirindo, veja bem, você está adquirindo “o direito de comprar alguma coisa futura por determinado preço até determinada data”.
    
No entanto, isso faz parte da vida real em diversos tipos de atividade.
     
Quando um escritor, e isso já aconteceu comigo diversas vezes, é procurado por um cineasta para produzir um filme baseado em um de seus livros, ele costuma vender uma opção sobre esses direitos, válida, por exemplo, por um ano.
    
Se, ao final do período estipulado no contrato, o cineasta conseguiu captar o dinheiro para produzir a fita, ele paga, ao escritor, o valor total combinado. Caso não tenha levantado a grana, simplesmente desiste do projeto e perde o que pagou pela opção, pela call.
     
Se um olheiro do Real Madrid, por exemplo, observando uma sessão de treinamento de jogadores sub-17 no CT Rei Pelé, do Santos Futebol Clube, vê grande potencial num menino de 16 anos, ele pode adquirir, do Santos, do pai do quem sabe futuro craque e de eventuais empresários, uma opção.
     
Eu não estou muito enfronhado com esses números de futebol, mas o Madrid pode pagar, digamos, 300 mil euros, pelo direito de adquirir os direitos federativos (que antigamente a gente chamava de passe) do garoto por 10 milhões de euros, tão logo ele complete 18 anos. Isso, é claro, se confirmar seu potencial e a opção for exercida.
     
Não podemos nos esquecer que Ronaldinho Fenômeno, ainda garotinho, jogou no São Cristóvão, o xará gaúcho começou no Grêmio aos 17 anos e Messi no Barcelona aos 13.
     
Teriam sido calls out of the money excepcionais.
    
Mas o que nos interessa é o mercado de opções de ações, índices e commodities. Vamos a ele:
     
O ano que acaba de começar está exibindo um tremendo bull market nas bolsas de valores, tanto no Brasil como lá fora. Nessas horas, as opções exercem papel importantíssimo. Vejamos alguns exemplos, começando pelo mais óbvio.

Você está fortemente comprado em ações, já faturou uma nota preta e não tem o menor interesse em pular fora. Mas quem tem c.... (cérebro), tem medo. Então compre puts para defender seu rico dinheirinho.
    
Claro que isso vai diminuir seu lucro se o mercado continuar subindo sem parar (tem gente que diz que o Ibovespa e o Dow vão dobrar), mas vai minimizar suas perdas quando as cotações fizerem um U-turn.

Você está aplicado em Renda Fixa, ou imóveis, ou em papéis do Tesouro e vendo alguns amigos enricando na Bolsa. Sente a maior inveja deles mas tem medo de perder suas economias. Fácil: aloque parte de seu dinheiro, que seja uma parte pequena, e jogue (e aqui o termo “jogar” faz todo sentido) em calls fora do dinheiro, ou seja de exercício improvável.

Se aqueles profetas que acham que os índices vão dobrar estiveram certos, você não vai nem saber o que fazer com a fortuna que vai embolsar.

Agora digamos que você é daqueles que querem ficar podres de rico, mesmo sob pena de perder tudo. E está convicto de que os touros ainda nem começaram seu verdadeiro stampede, no qual irão deixar os ursos estraçalhados no caminho.

Nesse caso, venda puts sem dó nem piedade. De um modo ou de outro, o mercado vai ouvir falar de você.

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

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