Mercadores da Noite #42 - Cinco anos de agricultura

29 de janeiro de 2018
Resta imaginar, e aqui é mais wishful thinking do que previsão.

Mercadores da Noite

Caro leitor,
     
Nas eleições presidenciais de 1955, os principais candidatos eram Juscelino Kubitschek (PSD), Juarez Távora (UDN), Adhemar de Barros (PSP) e Plínio Salgado (PRP), este último um integralista que não tinha a menor chance.
     
Naquela época não havia segundo turno. O candidato mais votado, mesmo que não atingisse maioria absoluta, levava a faixa. JK venceu com 35,68% dos votos contra 30,27% do segundo colocado, o udenista Juarez Távora, veterano da Coluna Prestes e do movimento tenentista.
    
Durante a campanha eleitoral, Juscelino lançou, junto com seu programa de metas, um slogan: “Cinquenta anos em cinco”. E, por mais difícil que possa parecer, em seus cinco anos de governo cumpriu a promessa: abriu estradas pelo país afora, asfaltou outras que já existiam, implantou as indústrias automobilística e naval, construiu duas grandes usinas siderúrgicas (Usiminas e Cosipa). Sem contar a mudança da capital do Rio de Janeiro para Brasília, tema que gera controvérsias até hoje.

É verdade que fez tudo isso com a impressão de dinheiro, decisão essa que deu início a um período inflacionário que durou quase quatro décadas, só terminando com o advento do Plano Real.
  
Apesar da popularidade descomunal que alcançou, JK não conseguiu eleger o sucessor. Seu candidato, o general Henrique Teixeira Lott, era um político meio insosso, extremamente inábil em seus comícios, e foi derrotado pelo oposicionista messiânico, ex-prefeito e ex-governador de São Paulo, Jânio Quadros. Placar final: 48,26% contra 32,94%, Jânio governou por apenas 206 dias e, para surpresa geral, renunciou à Presidência em 25 de agosto de 1961. Na verdade, ele quis imitar os gestos de Fidel Castro, em Cuba, e de Gamal Abdel Nasser, no Egito, que haviam renunciado aos seus cargos de primeiro-ministro para obter poderes totais, no que tiveram sucesso.

Só que o tiro de Jânio Quadros saiu pela culatra. Considerando renúncia um ato soberano unilateral, o Congresso aceitou o pedido. E Jânio ficou literalmente a ver navios. Pegou um em Santos e se mudou para Londres.

Como os militares não suportavam o vice de Jânio, João Goulart (Jango), para eles um esquerdista, comunista, socialista e sindicalista (todos os “istas” do índex da caserna), Jango, depois de breve período de parlamentarismo, anulado por um plebiscito, foi deposto após dois anos e meio de governo, num episódio em que os simpatizantes do levante chamaram de Revolução e os adversários de golpe militar.

Considerando-se que João Goulart e seu cunhado Leonel Brizola defendiam a sublevação nas forças armadas, com os soldados, cabos e sargentos se rebelando contra os oficiais, o que caracterizaria um motim, no meu entender os militares que depuseram Jango não deixavam de ter razão. De certo modo, defendiam a Constituição.

O que não entendo, e acredito que não vou entender nunca, é por que eles (os militares) não levaram adiante as eleições presidenciais marcadas para 1965, nas quais os principais candidatos eram JK e o jornalista Carlos Lacerda, então governador da Guanabara. 

Uma eventual candidatura de Brizola seria fácil de se impugnar, por ser ele parente de Jango. As palavras de ordem de seus seguidores, “Cunhado não é parente, Brizola pra presidente”, já mostravam isso.

Nos últimos meses do governo João Goulart, e no primeiro ano do marechal Castelo Branco, eleito para o Planalto pelo Congresso, houve uma grande campanha. Nessa época, Juscelino lançara o slogan “Cinco anos de agricultura”.

Pena que a ditadura branda virou ditadura dura (com o perdão pela rima) e JK, que eu achava barbada, não pôde ser eleito em 1965, para pôr em prática sua nova meta. Isso porque o Brasil era um país essencialmente agrícola, mais tarde primariamente agroindustrial, uma das maiores potências mundiais no setor.

É essa a nossa grande riqueza até hoje.

      
 * * * 

      
Entre os dias 30 de dezembro do ano passado e 10 de janeiro deste ano tirei férias com um dos meus filhos e um dos netos. Viajamos de carro até Bonito, no Mato Grosso do Sul, passando no caminho pelo Brasil que deu certo, o Brasil agrícola, e que teria dado muito mais se JK tivesse assumido em 1966 e cumprido sua meta.

Do Rio para Bonito, passando por Belo Horizonte, onde fui pegar filho e neto, o Brasil rico começa na BR-265, sentido leste-oeste, quando se cruza a divisa de Minas Gerais com São Paulo. E vai ficando cada vez mais rico à medida em que se aproxima do Mato Grosso do Sul.

Nesses trechos, as lavouras se sucedem dos dois lados da estrada: cana-de-açúcar, soja, milho e alguns pastos. É tudo plantado.

Nas cidades do oeste de São Paulo e do leste do Mato Grosso do Sul quase não se vê um mendigo. Quando eu passei, enormes colheitadeiras já aguardavam o início da safra de grãos.

Para quem sai do Rio de Janeiro, onde se convive com tiroteios tal como numa zona de guerra, o contraste é impressionante.

Em minha viagem para o oeste, encontrei diversos acampamentos do MST. Uma penúria só. Acho que a presença deles ali é até benéfica. Fica óbvio para o passante que o movimento não deu certo e que não seria por aí que os planos de JK se desenvolveriam.

Se o Brasil conseguir passar as reformas, enxugar o tamanho do estado e eleger um presidente progressista (no sentido correto da palavra), o céu será o limite.

Talvez seja por causa disso que a Bolsa, removido o obstáculo Lula, esteja subindo tanto, o Ibovespa batendo recordes atrás de recordes.

O mercado é um ente misterioso. Sempre enxerga lá na frente. É movido pelos insiders do óbvio.

Essas altas, esses breakaway gaps nos gráficos, esses bull markets fenomenais no mercado de ações, prenunciam períodos de crescimento sustentável pela frente.

Se JK estivesse vivo, é bem provável que dissesse:

“São os meus cinco anos. Eu não prometi? Pois bem, eles chegaram. Com meio século de atraso, mas chegaram.”

Resta imaginar, e aqui é mais wishful thinking do que previsão, se além disso tudo tivermos um bull market das commodities agrícolas. Eles acontecem mais ou menos de dez em dez anos.

Você gostou dessa newsletter? Então escreva para mim contando a sua opinião no isantanna@inversapub.com. Aproveite e encaminhe para os seus amigos este link.     

Conheça o responsável por esta edição:

Ivan Sant'Anna

Trader e Escritor

Uma das maiores referências do mercado financeiro brasileiro, tendo participado de seu desenvolvimento desde 1958. Atuou como trader no mercado financeiro por 37 anos antes de se tornar autor de livros best-sellers como “Os Mercadores da Noite” e “1929 - Quebra da Bolsa de Nova York”. Na newsletter “Mercadores da Noite” e na coluna “Warm Up PRO”, Ivan dá sugestões de investimentos, conta histórias fascinantes e segredos de como realmente funciona o mercado.

A Inv é uma Casa de Análise regulada pela CVM e credenciada pela APIMEC. Produzimos e publicamos conteúdo direcionado à análise de valores mobiliários, finanças e economia.
 
Adotamos regras, diretrizes e procedimentos estabelecidos pela Comissão de Valores Mobiliários em sua Resolução nº 20/2021 e Políticas Internas implantadas para assegurar a qualidade do que entregamos.
 
Nossos analistas realizam suas atividades com independência, comprometidos com a busca por informações idôneas e fidedignas, e cada relatório reflete exclusivamente a opinião pessoal do signatário.
 
O conteúdo produzido pela Inv não oferece garantia de resultado futuro ou isenção de risco.
 
O material que produzimos é protegido pela Lei de Direitos Autorais para uso exclusivo de seu destinatário. Vedada sua reprodução ou distribuição, no todo ou em parte, sem prévia e expressa autorização da Inversa.
 
Analista de Valores Mobiliários responsável (Resolução CVM n.º 20/2021): Nícolas Merola - CNPI Nº: EM-2240