Caro leitor,
Embora tenha iniciado minha carreira profissional no mercado financeiro em 1958, em Belo Horizonte, aos 18 anos de idade, na corretora H. H. Picchioni (que, por sinal, existe até hoje), só fui tomar conhecimento de análise técnica bem mais tarde, em 1971, já no Rio de Janeiro. Foi durante o lendário bull market de ações daquele ano, um dos mais formidáveis ciclos do touro já ocorridos no Brasil.
Nessa época, quando via colegas traders se debruçando sobre gráficos, tentando, através deles, interpretar o mercado e projetar as cotações futuras, eu me apressava em debochar:
“Ah!, entendi, vocês acreditam que esses tracinhos vão mostrar se o mercado vai subir ou cair. Mas, e se o Banco Central decidir elevar as taxas de juro? E se a inflação de repente disparar? E se a bolsa de Nova York sofrer um crash? E se... E se...”, eu simplesmente não conseguia conceber que todas as expectativas (e informações dos insiders) estavam embutidas nos tais tracinhos.
A partir do segundo semestre de 1971, quando, no mercado de ações brasileiro, os touros cederam vez aos ursos (ciclo que iria durar uma década), me mudei de armas e bagagens para o open market, que se tornara o novo Eldorado. Eu e quase todo mundo, bem entendido. Pois, no pregão da bolsa de valores, ficou só meia dúzia de gatos pingados.
Operador de open era o novo must. Os “gravatinhas”, como éramos pejorativamente chamados pelo badaladíssimo colunista do Jornal do Brasil, Zózimo Barrozo do Amaral (1941-1947).
Só voltei a tomar conhecimento de análise técnica em 1983, quando passei a operar nos mercados internacionais de futuros e derivativos. Percebi, logo de cara, que, entre os traders de Nova York, Chicago e Londres, analisar gráficos, e se guiar por eles, era uma verdadeira religião, professada com disciplina pela grande maioria dos profissionais. Se eu ainda desconfiava do método (que, para mim, continuava sendo uma espécie de bruxaria), guardei a desconfiança in pectore. Para não passar por alienado.
“O que você está achando da Soja Novembro?”, eu perguntava a um operador de grãos da CBoT (Chicago Board of Trade).
“Vai subir”, ele respondia, convicto. E se apressava em explicar: “O mercado fez nitidamente um duplo fundo. Tá vendo aqui?”, mostrando o gráfico colorido na tela de seu monitor.
“Ah, sim, mas é claro, um duplo fundo”, eu fingia concordar com o argumento do colega. Mas nem morto compraria soja por causa do tal duplo fundo, ou do fundo redondo, ou da cabeça e ombros invertidos, do break away gap, do canal de alta, do parabólico, do estocástico, do índice de força relativa, do candlestick, da quinta onda de Elliot ou da resistência rompida. Ou seja, lá que diabos fosse. Tudo feitiçaria. Para não dizer charlatanismo.
O tempo foi passando e, de modo quase imperceptível, fui aos poucos me bandeando para o clube dos grafistas. Onde me acomodei aos seus princípios. Pelo menos em parte. Pois continuei selecionando meus trades pelos fundamentos do mercado. Mas passei a escolher os pontos de entrada, de stops, e de realização de lucros, pelos, quem diria? ... pelos gráficos.
Num mundo dividido entre fundamentalistas e grafistas eu me tornara um ente híbrido, despersonalizado, meio um, meio outro. Um centauro. Ou, já que estamos falando de mercado, um monstro com chifre de touro e garras de urso.
Finalmente, em abril de 1995, intempestivamente eu larguei a profissão de trader para ser escritor. E foi após essa decisão que me rendi totalmente aos princípios básicos e à filosofia do grafismo. Não para operar, uma vez que não atuava mais nos mercados. Mas para entender o que se passava no Brasil e no mundo.
Explico melhor: À maneira dos grafistas, já não procurava interpretar os fatos. Nenhum deles. Só me interessava pelo comportamento do mercado. Baseado nele, analisava as notícias. Passei a fazer como os comentaristas de futebol, que primeiro olham o placar para depois dizer qual foi o time que jogou melhor. Se o centroavante fez dois gols (mesmo sendo um em completo impedimento e o outro de pênalti), elegem-no como o craque do jogo. “Brilhante, o Jobervaldo. Nota 10.”
Comigo passou a acontecer exatamente a mesma coisa. Se o telejornal, só para dar um exemplo, revelava que a inflação do mês fora de 0,93 por cento e, nesse mesmo dia, a bolsa de valores subira e o dólar caíra, eu imediatamente concluía que 0,93 por cento fora um bom número. Se, ao contrário, a bolsa despencasse e o dólar subisse, eu deduziria que o governo estava perdendo a guerra contra a inflação.
Nesse aspecto, as coisas tornaram-se muito mais fáceis para mim. Tanto é assim que passei a usar a nova filosofia em meu trabalho na televisão, onde escrevia, para a TV Globo, roteiros das séries “Carga Pesada” e “Linha Direta”.
Se um episódio meu dava um bom Ibope, eu ria de orelha a orelha. E não economizava autoelogios. “Valeu, Ivan. Você estava realmente inspirado. Você é bom nisso, cara.”
Se, por outro lado, o Ibope vinha ruim, eu não me poupava da crítica. “Hum, pífio, medíocre, sem imaginação, ausência total de força dramática. Você não nasceu para isso. Seu negócio é mercado financeiro.”
Em diversos aspectos da vida, profissional ou privada, também me tornei adepto do grafismo. Que hoje em dia pratico com fervor hegeliano.
Graças a isso, entre diversas outras coisas, consegui reduzir substancialmente meu peso, para melhorar os índices de colesterol, triglicérides e glicose. Usando um sistema simples. A cada mês minha máxima na balança tem de ficar abaixo da máxima do mês anterior. Com a mínima, faço a mesma coisa. Tem de ser menor. Ou seja, eu me pus num canal de baixa (lower high, lower low, todos os meses).
Se, por um descuido, eu rompo a linha superior do canal, trato imediatamente de fechar a boca. Frango com palmito e olhe lá.
Mas, parando para pensar, vejo que essa manipulação gráfica da dieta levará meu peso sempre para baixo, para a morte por anorexia. Por isso tenho de conceber rápido um fundo redondo. Acho que estou enlouquecendo.
Um abraço,
Ivan Sant'Anna